Autores: Ana Bispo Ramires, INNER CHOICE & GAPP founder | Cláudia Minderico, responsável pela área de nutrição no GAPP
State of the art – 2023 Portugal mantém-se muito perto do “Top Mundial” em questões que se relacionam com a ausência de “Saúde Mental”, sendo neste momento um dos países da OCDE que mais consome ansiolíticos e antidepressivos, atingindo já uma taxa que duplica o consumo ocorrido em alguns congéneres europeus – este, talvez não seja um “podium” onde almejaríamos estar. Em paralelo, é dos países que mais reflete níveis inferiores de literacia emocional, de onde se pode presumir uma clara ineficiência na regulação emocional, com naturais impactos em todas as dimensões de expressão comportamental: familiar, social e profissional.
Apesar deste fenómeno não ser uma consequência direta da pandemia que vivenciamos, uma vez que este tipo de estatísticas nos tem caracterizado nos últimos anos, naturalmente assumiu proporções mais expressivas no decorrer da mesma, com o testemunho dos mais jovens a referenciar um aumento de cerca de 17% no consumo de psicofármacos e cerca de 30% de jovens em cargos de liderança que referem encontrar-se em burnout.
Como se não bastasse, o atual cenário de guerra na Europa e a crise económica que já se instala (e sem fim à vista), acentuam de sobremaneira um cenário demasiadamente arrastado de incerteza, que esgota de forma já muito evidente os recursos emocionais que, desde sempre, foram escassos na generalidade da nossa população.
Os próximos anos antecipam, desta forma, a necessidade de termos pessoas perfeitamente capacitadas, na correta regulação das suas competências emocionais e de liderança na condução do capital humano das organizações. Nunca os desafios foram tão elevados (pelo menos nas últimas décadas) no que respeita a orientar, em larga escala, pessoas que estão naturalmente esgotadas energeticamente.
O modelo do “Desporto de Alto Rendimento” como possível solução
Não é nova nem inovadora a comparação entre o contexto do desporto de alto rendimento e das empresas. Na realidade, Jim Loher e Jack Groppel (psicólogo e nutricionista especialistas em desporto e empresas de alto rendimento) trabalharam mais de 30 anos nesta área específica, chegando mesmo a desenvolver o conceito de “Corporate Athlete” (2001) para explorar a similaridade do contexto desportivo com outros contextos de performance, nomeadamente na área empresarial.
Mas falta introduzir a verdadeira essência da expressão de “treino”: planeado, específico e sustentado no tempo.
De facto, podemos observar que as diferentes disciplinas científicas que suportam o rendimento de atletas de alta performance focam-se na produção de contributos específicos para que uma dada resposta comportamental (na sua expressão fisiológica e psicoemocional) possa ocorrer num dado momento – a competição. Todo o quotidiano é organizado e experienciado para que possa fluir com entusiasmo e na expressão máxima das capacidades do indivíduo.
Na ordem do dia importa, por isso, colocar a necessidade urgente de promover contextos de treino onde as pessoas aprendam, desde logo, a regular os seus índices energéticos para que, na base, possam ter recursos a partir dos quais potenciem as suas competências cognitivas, emocionais e, nesta fase tão crucial da nossa sociedade, relacionais (ex: capacidade de trabalhar em equipa).
Importa colocar a necessidade urgente de promover contextos de treino onde as pessoas aprendam, desde logo, a regular os seus índices energéticos para que, na base, possam ter recursos a partir dos quais potenciem as suas competências cognitivas, emocionais e, nesta fase tão crucial da nossa sociedade, relacionais (ex: capacidade de trabalhar em equipa).
A noção de treino no quotidiano
Criar hábitos que nos permitam ter os recursos energéticos ideais para podermos ativar em pleno as nossas competências (físicas, cognitivas, emocionais e relacionais) para qualquer um dos desafios que nos aguardam é absolutamente fulcral. É, sem dúvida, o ponto de partida que alavanca o sucesso, enquanto processo contínuo e consolidado de forma sustentada.
Cada pessoa, tal como cada atleta na sua modalidade, possui necessidades específicas que devem ser avaliadas em articulação com as exigências que o meio em que se insere inevitavelmente comportará – um diagnóstico preciso e o treino eficaz das competências em défice é, desta forma, o ponto de partida para um processo que se pretende de treino e integração dos recursos necessários para um level up face ao qual o sujeito se encontra.
Curiosamente, diretores de primeira linha, CEO ou administradores que, no passado, tenham tido uma relação estreita com o contexto desportivo e que, por essa mesma razão, transportem em si o conhecimento intuitivo deste tipo de práticas, necessitam “apenas” de um empurrão na sistematização deste tipo de processos. Os que não transportam know-how experiencial, seja por ausência de experiência prévia ou por desconhecimento da cultura organizacional onde atualmente se inserem, permanecem numa espécie de acrobacia de equilíbrio que, demasiadas vezes, termina em burnout, doença ou divórcio.
Onde se encontra a inovação?
Não se encontra na intervenção pontual, conduzida através de pequenos ensaios de formação, onde se discutem e evidenciam as inúmeras semelhanças e desafios existentes entre o contexto corporate e o desportivo – é sempre bem recebido pelas audiências de todas as organizações, qualquer tipo de discurso que as faça sentir, por cinco minutos que sejam, que também eles podem ser “atletas” em contexto corporativo… em boa verdade, alimenta o imaginário quase infantil que todos tivemos de “ser atleta”.
De facto, não basta.
Importa que as empresas tragam para si a urgência de dotarem o seu top management com os recursos necessários para que possam experienciar o dia a dia como se “de facto” fossem atletas – por outras palavras, facilitar a aquisição de ferramentas para, num plano longitudinal, poderem desenvolver as competências necessárias para alavancar os seus índices de “Saúde Mental” e a sua capacidade em entregar desempenhos de excelência de forma consistente e sistemática, enquanto capacitam as suas próprias equipas a subir os seus patamares de entusiasmo, compromisso e desempenho.
A título de exemplo, o que precisa quase invariavelmente de ser treinado e otimizado (respeitando sempre os três princípios fundamentais do treino – especificidade, periodização e personalização):
- um padrão de sono regular (nunca inferior a 7 a 8 horas) e com a qualidade desejada, em termos de capacidade de reparação e regeneração;
- um padrão alimentar que corresponda às necessidades energéticas, que envolva diversidade de práticas alimentares, permitindo sustentar as competências cognitivas (através de um cérebro bem nutrido), emocionais e físicas;
- um padrão de prática de exercício físico nunca inferior a 3 a 4 momentos por semana, de intensidade moderada a elevada. É do conhecimento geral que a atividade física tem efeitos benéficos nos músculos e em todos órgãos. A sua prática melhora tudo no corpo humano; desde o funcionamento do coração, dos vasos sanguíneos, redução da inflamação, aumento dos neurotransmissores da felicidade e da saúde mental até à redução do stress e da ansiedade;
- um padrão superior de competências psicoemocionais que elevem a capacidade não só de “surfar” as ondas de incerteza que nos aguardam face aos desafios conjunturais que estamos a vivenciar, mas que tornem possível orientar e conduzir as equipas neste mesmo percurso.
O contexto do “desporto de alto rendimento” caminha velozmente para uma compreensão cada vez mais clara dos fatores que impactam indivíduos e equipas na qualidade da sua saúde e da relação desta com desempenhos internacionais de excelência. Este é um movimento que já caracteriza a área corporate com claríssimas provas de retorno económico face ao investimento
O desafio de 2023 e anos sucedâneos: saúde (física e mental) e excelência
A “Psicologia da Performance” tem-se dedicado, ao longo de décadas, a isolar os fatores psicoemocionais associados ao sucesso. Para o efeito, tem estudado exaustivamente treinadores, atletas, gestores de topo, médicos e outros performers com indiscutível sucesso, por forma a aferir que fatores os diferenciam dos demais – elevada competência em termos de regulação energética e regulação emocional (e outras que desta “dupla” advêm, como superior mestria em termos de motivação, resistência à frustração, controlo de stress e ansiedade, espírito de equipa, liderança e carisma, entre outras).
O conhecimento destes fatores e o correto diagnóstico das necessidades ambientais permitem a elaboração de planos de desenvolvimento de competências (entenda-se: treino) especificamente direcionados para as necessidades de cada sujeito – onde o exercício físico, o plano alimentar e a qualidade regeneradora do sono assumem-se, sem qualquer dúvida, como três pilares fundamentais para a ativação dos recursos existentes, revelando-se igualmente um substrato de excelência para que este tipo de trabalho/treino de desenvolvimento de competências seja otimizado de forma substancial.
O contexto do “Desporto de Alto Rendimento” caminha velozmente para uma compreensão cada vez mais clara dos fatores que impactam indivíduos e equipas na qualidade da sua saúde e da relação desta com desempenhos internacionais de excelência – equipas cada vez mais especializadas direcionam-se para a criação de planos de desenvolvimento de competências que promovam respostas eficazes às necessidades únicas de cada sujeito face ao seu contexto. Este é um movimento que já caracteriza a área corporate com claríssimas provas de retorno económico face ao investimento.
Em Portugal, algumas empresas dão já os primeiros passos neste terreno (curiosamente, quase sempre onde os líderes tiveram experiência prévia no contexto desportivo) mas seria muito interessante que o tecido empresarial português agarrasse para si um conhecimento que transportará, necessariamente, as suas organizações para patamares superiores de saúde (na sua expressão física e, a atualmente tão falada, mental) e excelência.
Artigo Técnico publicado na edição 144 da RHmagazine, referente aos meses de janeiro e fevereiro de 2023