Em cenários económicos pouco favoráveis, as empresas e os profissionais são tentados a olhar para outras oportunidades noutras geografias. Para nós, portugueses, o Brasil aparece sempre como um dos principais destinos alternativos. Porém, o mundo empresarial e laboral no Brasil não é o mesmo que nos agrada tanto quando falamos de férias, futebol e samba. É possível ter sucesso, mas necessitamos de estar muito bem preparados e informados para o que nos espera. Aqui, tudo é difícil, mas nada é impossível!
Há alguns anos, ficou célebre a sigla BRIC − utilizada por Jim O’Brien para se referir aos países emergentes que, no seu entender, maior potencial de desenvolvimento apresentavam. Falamos de Brasil, Rússia, Índia e China.
Num cenário de entusiasmo económico e notoriedade dos BRIC, com taxas de crescimento do PIB elevadas − 7,5% em 2010, no Brasil −, muitas empresas multinacionais investiram em capital financeiro e humano, reforçando os seus investimentos e equipas nestes países, com especial enfoque no «nosso» Brasil, o primeiro dos BRIC!
As crises económicas e crescimento do desemprego noutras geografias − incluindo Portugal − determinaram um aumento da emigração e os vistos de trabalho para estrangeiros no Brasil cresceram de forma significativa, juntamente com o aumento do investimento direto estrangeiro. A chegada ao Brasil de executivos renomados e com provas dadas noutros países − incluindo Portugal − também aumentou muito.
Mas será que a chegada, a adaptação e a implementação de metodologias de trabalho, liderança e management no Brasil foram ou são assim tão fáceis? Será que é só chegar, ver e vencer?
Lamentavelmente, não.
As caraterísticas do Brasil tornam-no num dos países emergentes mais difíceis − arrisco mesmo afirmar «o mais difícil» − de ter êxito empresarial rápido. Por isso, são bem conhecidas as desilusões de multinacionais que, «perdendo a paciência» (e muito dinheiro investido), batem «em retirada» depois do entusiasmo inicial. E onde também muitos executivos de topo veem perder a sua reputação.
São várias as caraterísticas que servem de aviso para quem se quer aventurar a investir ou fazer carreira neste grande país. E é muito importante estar preparado para as enfrentar. Observemos algumas:
- recursos humanos. É difícil encontrar no mundo um ambiente de trabalho que, em termos médios, seja mais «simpático e acolhedor». Naturalmente, o colaborador brasileiro (e população brasileira) foge de relações tensas, conversas sérias ou notícias más no seu quotidiano. Quem trabalha no Brasil conhece bem o que significam respostas (a perguntas muito objetivas) que começam com expressões do género: «Veja bem…», «Na verdade…» ou «Então…» − bengalas oratórias muito utilizadas para comunicar (ou não), de uma forma suave, más notícias ou maus resultados.
Sabemos todos o que isto pode significar em termos de eficiência e eficácia de trabalho: comunicação subjetiva, ineficácia nos diagnósticos e «surpresas» no quotidiano de uma empresa, dificultando a organização, formação de equipas e atingimento de resultados estáveis e de forma rápida.
A qualificação média dos recursos humanos brasileiros deixa também muito a desejar, apesar da evolução dos últimos anos. A escassez de quadros intermédios qualificados é um desafio para as empresas que pretendem formar equipas fortes e estáveis. Um profissional de nível intermédio na área financeira e fiscal (ou de vendas), com conhecimentos de inglês, pode receber mais que um chefe de contabilidade (ou de vendas) ou mesmo um diretor financeiro (ou diretor comercial) em muitas empresas em Portugal.
O apetite – e a correspondente escassez – por bons profissionais é tão grande que influencia, e muito, o turnover nas empresas: mais um desafio na gestão de RH;
- burocracia, complexidade e morosidade. O Brasil é um dos países mais complexos em termos burocráticos, administrativos, tributários e laborais. No estudo Doing Business do World Bank, que compara, entre outras variáveis, o tempo que uma empresa necessita para cumprir as suas obrigações fiscais, o Brasil é o pior país do mundo entre os 182 países do estudo: são necessárias mais de 2600 horas por ano, em Portugal 275 e em Espanha 167. Podemos, assim, afirmar que tratar de impostos no Brasil é 10 vezes mais difícil e exigente que em Portugal e 15 vezes mais difícil que em Espanha.
O Brasil é o recordista absoluto no mundo em processos laborais. Em 2012, tramitaram em tribunal 7 milhões de processos. A razão é devida à moldura gigantesca das leis laborais: a Constituição tem 67 dispositivos na área trabalhista e 14 regras transitórias. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) incorpora quase mil artigos desdobrados em centenas de parágrafos. Os Códigos Civil e Penal têm dezenas de dispositivos no campo do trabalho. Isto só para mencionar as disposições laborais.
Considerando todas as áreas, foi criado nas últimas duas décadas o número absurdamente elevado de 4,2 milhões de leis, ou seja, mais de 1150 leis por dia.
Mesmo com os melhores profissionais do mundo é difícil cumprir a 100% todas as complexas (e voláteis) disposições legais existentes.
Isto explica o porquê de o Brasil ser também o país onde o nível de contingências laborais e fiscais nas empresas é dos mais elevados.
O tempo médio para fechar um negócio também é dos mais elevados. Após uma apresentação de vendas ou visita comercial, ficamos com a noção (errada) de que tudo correu bem e que estamos prestes a fechar um excelente negócio e nos apetece abrir uma garrafa de champanhe e celebrar. Mas… falta assinar o contrato, faltam os detalhes e estes podem demorar anos! Por maior ou menor que seja o negócio, é sempre muito demorado fechá-lo!
- situação económica. Para além dos desafios acima, é importante ainda referir os recentes dados económicos que podem não ser tão otimistas como há uns anos. Vá ao Google e introduza as palavras «Economist cover Brazil» e compare as capas desta conceituada revista em setembro de 2013 com a de há quatro anos e veja como evoluiu a economia e o Cristo Redentor.
O PIB brasileiro nos últimos trimestres de 2013 e de 2012 envergonha qualquer economia emergente. Saindo de um PIB em 2010 de 7,5%, está agora a lutar para conseguir uns meros 2%, apesar de ser a sede de um dos maiores eventos do mundo. Em 2012, o Brasil cresceu apenas 0,9%.
Quem consegue sobreviver ou ser bem-sucedido no desenvolvimento dos seus negócios, carreira ou gestão da sua empresa neste ambiente económico e legislativo tão complexo?
O Brasil é um país fantástico e com um enorme potencial. É um mercado de 210 milhões de habitantes e consumidores, mas as regras de sucesso nos negócios, de management e leadership não podem ser as mesmas num ambiente tão complexo e desafiador.
Desengane-se quem pensa que por ter sido bem-sucedido num ou mais países poderá, com facilidade, replicar o sucesso no Brasil, aplicando as mesmas regras e estilo de gestão e liderança.
O Brasil é um país onde tudo é difícil, mas nada é impossível. E é esta segunda parte da frase que nos deve manter motivados e em que devemos continuar a apostar. Mas a parte do «difícil» requer as melhores caraterísticas do líder e do colaborador estrangeiro que queira por aqui vencer.
Os líderes e colaboradores que são bem-sucedidos noutros ambientes de negócio podem também consegui-lo no Brasil, mas deverão estar bem preparados para os desafios da sociedade empresarial e económica brasileira.
Mais do que capacidade de trabalho, motivação ou resiliência − caraterística muito apreciada nos últimos anos −, os líderes e profissionais terão de ser também «antifrágeis», termo inovador utilizado por Nassim Taleb no seu último livro, cuja leitura recomendo vivamente.
Resilientes são os líderes que, quando encontram dificuldades, se mantêm estavelmente fortes. Antifrágeis são aqueles que, quando enfrentam dificuldades, ficam ainda mais fortes. É esta caraterística que pode garantir mais rapidamente o sucesso de um profissional no Brasil!