Autor: Mário Ceitil, Presidente da AP
Comecemos pelo princípio: os acrónimos são o que são e fazem cada vez mais parte das nossas referências quotidianas. O seu caráter pragmático mede-se pela sua simplicidade e pela economia de “energia mental” que possibilita.
Através de uma só palavra, ou de uma muito curta associação de letras aparentemente sem nexo, consegue-se resumir um conceito ou uma ideia que, num registo mais discursivo, levariam muito mais tempo a serem explanados e adequadamente compreendidos.
Por isso, e referindo-me agora em concreto às suas aplicações à realidade social e muito em particular ao mundo das organizações, os acrónimos abundam e quando são citados geram uma aparente consonância coletiva de significados.
É o que tem acontecido com o famoso “VUCA” ou, na sua versão portuguesa, “VICA” que tem sido utilizado como uma categorização simplificada da realidade social e empresarial que temos vindo a enfrentar, considerada cada vez mais “Volátil, Imprevisível, Complexa e Ambígua”.
Mas mais do que um mero artifício de retórica, é suposto que um acrónimo constitua um ponto de referência para daí se extraírem determinadas ilações, e mesmo prescrições, em relação às competências e modos concretos de ação que são requeridos para enfrentar os desafios que são colocados pela realidade que lhe corresponde.
E aí, já não temos nem a mesma consonância de significados nem o mesmo alinhamento em relação às ações requeridas, perdendo-se, por consequência, uma parte importante da heurística prática do acrónimo.
Isto acontece basicamente porque os acrónimos são, em si mesmos, abstratos e representam ideias gerais com as quais toda a gente está, em princípio, de acordo; o difícil é, como sempre, extrair deles orientações concretas para a ação prática.
Se este trabalho de transposição já era difícil no que respeita à realidade representada pelo acrónimo “VICA”, a questão torna-se ainda mais espinhosa com aquele que recentemente lhe vem sucedendo, de seu nome “BANI” ou, em português, “FANI” (Frágil, Ansiosa, Não Linear e Incompreensível) termo cunhado pelo antropólogo norte-americano Jamais Cascio e que passou a ser mais conhecido a partir de 2020.
Se numa perspetiva antropossociológica este acrónimo se reveste de uma apurada singularidade expressiva relativamente à caracterização do mundo pandémico e pós-pandémico que estamos (e continuaremos a estar) a viver, a questão mais prática (e mais crítica) que as organizações enfrentam atualmente é justamente como promover competências que potenciem a criação de empresas com maior solidez, num mundo tendencialmente cada vez mais (F)rágil, como manter a saúde mental vivendo em comunidades que estão a ser afetadas a um ritmo crescente por um generalizado transtorno (A)nsioso, como desenhar estratégias de futuro minimamente consistentes em contextos cada vez mais imprevisíveis e (N)ão Lineares, e, finalmente, como manter propósitos bem definidos e clareza de espírito no seio de uma realidade onde ocorrem fenómenos e situações cada vez mais atípicas e (I)ncompreensíveis.
Esta tarefa reveste-se de uma complexidade assinalável porquanto os novos princípios inerentes a esta realidade “FANI” chocam frontalmente com valores tradicionais fortemente enraizados na nossa cultura “ocidental”, alicerçados na ideia de que as sociedades e as organizações devem organizar-se em estruturas sólidas e perenes, baseadas em princípios de racionalidade e de linearidade. Estes princípios, para além de, supostamente, possibilitarem previsões credíveis e realistas de futuro, permitem ainda aos cidadãos manter um sentimento de alguma “segurança ontológica” que constitui uma poderosa arma subjetiva contra a ansiedade.
Ora, de acordo com as características atribuídas à realidade “FANI”, todas estas crenças são literalmente pulverizadas e as pessoas enfrentam o complexo desafio de atribuir alguma inteligibilidade a uma realidade cujas dinâmicas são muitas vezes… Incompreensíveis.
Como explicar isto às pessoas? Como “convencer” as mentes mais recalcitrantes de que isto não é algo que simplesmente “passou pela cabeça” dos líderes, mas que são os indícios de uma forma realmente nova de vida que vai exigir de nós uma forma realmente nova de a viver?
No momento em que (já) estamos, qualquer resposta é bem-vinda. O que não é sustentável é continuarmos a ser expectadores passivos e a limitar-nos, como na música do Carlão, a “assobiar para o lado”.