Autor: Mário Ceitil, Coordenador do Advanced Program em Desenvolvimento Emocional e Coaching do ISCTE/Executive Education
Uma das maiores dificuldades na comunicação humana resulta da tendência que temos em ver o mundo de acordo com aquilo que nós somos e não de acordo com aquilo que o mundo realmente é.
Esta tendência, embora natural e que resulta dos próprios processos neuropsicológicos daquilo que já Jean Piaget explicava como sendo a nossa construção mental da realidade, acarreta, todavia, consequências potencialmente negativas nas diferentes interações humanas, como dificuldades de compreensão dos pontos de vista alheios, obstáculos à empatia, intolerância em relação às diferenças, que podem redundar em conflitos, mais ou menos velados ou abertos e vivenciados seja sob formas socialmente aceitáveis ou através de expressões comportamentais manifestamente disruptivas.
Esta questão tem vindo a preocupar cada vez mais os responsáveis e líderes das organizações, conscientes de que os conflitos, embora constituindo uma dimensão permanentemente atualizada na vida profissional, são uma das principais causas de perdas de produtividade e um dos fatores que mais influenciam a motivação e o “bem-estar subjetivo” dos colaboradores.
Embora os diferendos de opiniões, de perspetivas e mesmo de paradigmas possam constituir também uma fonte de criatividade e serem fatores potencialmente favoráveis à sinergia, a questão está na forma como esses diferendos são geridos pelos diferentes intervenientes e nas atitudes por eles assumidas, sendo que depende deles, e só deles, transformar uma possível ameaça de conflito numa plataforma construtiva de resolução de problemas.
É facto que muitas pessoas se acoitam nos lugares-comuns dos “alibis honrosos” que servem para aligeirar o peso das próprias responsabilidades, atribuindo a razão dos conflitos, ou pelo menos de grande parte deles, a causas externas, onde o “outro” aparece sempre como o indesculpável culpado de todo o mal que acontece.
No entanto, e apesar de ser porventura mais “económico” culpar os outros pelas nossas desgraças, numa espécie de ritual catártico de auto inimputabilidade, vale sempre a pena citar Viktor Frankl, o famoso psiquiatra austríaco, feito prisioneiro pelos nazis no campo de concentração de Auschwitz, ao afirmar que “não é aquilo que os outros me fazem que me fere, mas sim o sentido que eu aceito atribuir àquilo que me fazem”.
Partindo da sugestão desta frase, julgo que é aceitável, e obviamente muito mais eficaz, assumir, na resolução de conflitos, o princípio de que onde há um conflito em que sou envolvido, eu sou parte da responsabilidade por esse conflito e, acima de tudo, que é da minha inteira responsabilidade fazer tudo o que estiver ao meu alcance para o resolver.
Para precisar: eu até posso nem sequer ser o principal responsável por um determinado conflito que acontece, mas serei sempre o responsável por aquilo que me acontece nesse conflito.
Para assumirmos uma maior e mais consequente proatividade na resolução de conflitos, é importante ter em atenção que, justamente pelo facto de sermos humanos e termos aquela tendência, mencionada no início deste texto, de vermos o mundo tal como somos e não tal como é, um dos principais obstáculos para uma possível resolução feliz de um conflito é justamente o não conseguirmos sair das nossas representações mentais sobre a realidade, para nos centrarmos na realidade do outro, procurando, em primeiro lugar, compreendê-lo, para depois tentarmos então ser compreendidos por ele.
Para isto, é essencial, em primeiro lugar, praticar a lição de humildade que consiste em admitir, de facto e não só de princípio, que os paradigmas dos outros são pelo menos tão legítimos e merecedores de respeito como os nossos.
Mas porque nós vemos o mundo através de uma “peneira” (o nosso “modelo do mundo”) que nos impede de ver a totalidade do “Sol”, o que acontece também é que, por vezes, temos conceções sobre a realidade que estão de tal modo formatadas e rígidas, como, por exemplo, ideologias, estereótipos, preconceitos, ideias pré-concebidas, etc., que perturbam o nosso discernimento e acabam por deformar a nossa forma de perceber e de interpretar os factos.
Ora, num conflito, quando pessoas de ideologias ou crenças diferentes estão perante a objetividade dos mesmos factos em relação a uma situação confrontativa ou potencialmente litigiosa, podem ser suscetíveis de interpretar esses factos de forma diferente, em função da crença de cada um, assumindo que a sua perceção é a “única verdade”, através de um processo que Nour Kteily & Eli J. Finkel (1) designam, por “realismo ingénuo”.
E quando cada um dos interlocutores, numa situação conflitual, assume que a “sua” perspetiva sobre o que acontece, ou aconteceu, corresponde à “verdade absoluta”, corre-se obviamente o risco de, em vez de podermos ter uma conversa serena sobre a melhor maneira de resolver uma situação, termos apenas o espetáculo pouco digno de uma pura “luta de galos” que, no caso, podem ser dois colegas, uma chefia e um colaborador ou dois responsáveis, que inevitavelmente descambará num puro jogo de forças onde o resultado será sempre que um ganha e o outro perde, com todo o esteio de emoções negativas que tal situação provoca.
Se, entretanto, ocorrer que os diferentes contendores sejam “chefes de fação”, a tendência é que um conflito localizado se possa vir a transformar num ambiente conflitual mais alargado entre áreas ou unidades dentro de uma organização, em que as ideias de cada fação se transformam em ideologias ou conceções estereotipadas que vão gerar ambientes de permanente tensão entre áreas e resultar objetivamente em perdas de eficácia e de produtividade.
Essas ideologias, organizadas sob a forma de “teorias implícitas” sobre a organização, vão progressivamente gerando sedimentos que constituem poderosos alicerces subjetivos em que se funda a cultura organizacional, que influencia não só a geração atual como as mentalidades e as práticas das gerações futuras.
O “remédio” ou, pelo menos, uma hipótese heuristicamente interessante, para não só resolver como, sobretudo, prevenir os conflitos, é dinamizar, nas organizações, uma nova competência que, sendo por natureza “soft”, pode ter uma forte consequência “hard” na redução de perdas de produtividade: o “auto distanciamento”.
Esta competência, que se revela na capacidade, e na disponibilidade, de cada pessoa para “se colocar em perspetiva” e abandonar a fantasia de que “eu sou o único a olhar o céu”, pode, como referem os autores anteriormente citados, “ajudar os antagonistas a adotar uma perspetiva mais objetiva e holística das situações de conflito que lhes permita abordá-las de uma forma mais construtiva”.
E, em definitivo, fazer com que os esses antagonistas, em vez de porfiarem em ser reactivamente “parte do problema” se tornem, proativa e responsavelmente “parte da solução”.
REFERÊNCIAS
– Nour Kteily & Eli J. Finkel, “Le Leadership à l’ére du tout politique – Ce que la psychologie et la science des relations humaines ont à nous enseigner sur les situations conflictuelles au bureau – et comment les gérer. HBRFRANCE.FR, Décembre 2022-Janvier 2023.
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