Autor: Mário Ceitil, Presidente da APG
Comecemos por alguns cenários inspirados em “situações reais”:
– Um casal debruça-se sobre roteiros turísticos e outro tipo de informação relevante, para planear um período de férias num país estrangeiro, mais próximo ou mais distante. Depois de muitas ideias, de propostas mais ou menos ousadas e de aproximados cálculos de probabilidades, eis que chegam a um impasse, esbarrando com a barreira dificilmente transponível do “e…se”: E se o COVID disparar? E se houver novas restrições? E se houver limitações para a entrada de crianças não vacinadas nos restaurantes? E se, entretanto, for exigida uma nova quarentena, ou para lá, ou na volta para cá?
– Numa empresa, um Diretor de topo, sujeito proativo e empreendedor, acaba de enunciar os principais contornos de uma nova estratégia a um grupo de responsáveis intermédios. Na fase de discussão, um dos responsáveis, com um cenho levemente franzido de circunspeção que esconde uma dúvida e um receio não tão leves, lança a pergunta, que possivelmente todos têm em mente, mas que nem todos se atrevem a formular: E se, entretanto, a situação mudar? E se a pandemia crescer em vez de abrandar? E se os mercados voltarem a fechar?
– Finalmente, um casal jovem planeia aumentar a família, num prazo obviamente nunca inferior a 9 meses, pelo menos. Subitamente, e interpondo-se aos naturais arroubos de entusiasmo que tal situação provoca, o espírito tolda-se, assaltado pelos receios de um futuro incerto: E se, entretanto, algum de nós for na onda do “downsizing”? E se a empresa vier a passar por dificuldades sérias depois do “layoff”? E se algum de nós tiver de ir trabalhar para outra região mais distante ou mesmo para outro país? E se um de nós rescindir o contrato voluntariamente, será fácil encontrar um novo emprego?
Estes exemplos, simples e despretensiosos, de situações pelas quais possivelmente muitos de nós já passámos nos últimos tempos, são ilustrativos da tal “nova realidade” em que todos vivemos, cujas dinâmicas foram tão sugestivamente descritas por um antropólogo norte-americano através do conhecido acrónimo FANI (Frágil, Ansiosa, Não Linear e Incompreensível, na versão portuguesa).
Se considerarmos os efeitos práticos na vida quotidiana das pessoas, do tipo de realidade caracterizado por este acrónimo, tanto na esfera pessoal quanto no domínio profissional, facilmente concluiremos, de acordo com o conhecimento que temos sobre a psicologia do comportamento humano e sobre a morfologia e funcionalidade do cérebro, que estão reunidas um conjunto de condições propícias para colocar as pessoas literalmente “à beira de um ataque de nervos”, cotejando parte do título de um conhecido filme de Almodôvar.
Na verdade, o nosso cérebro odeia o vazio e lida muito mal com a incerteza. É lógico, portanto, que desde tempos imemoriais os seres humanos tenham procurado e adotado explicações simples para fenómenos complexos e inexplicáveis para o conhecimento da época e, como tal, incompreensíveis e geradores de inquietação e de medo.
Antigamente, e no esforço para procurar explicações lógicas, que libertassem as pessoas da ansiedade do imprevisível, atribuía-se a responsabilidades desses fenómenos aos deuses; agora, na materialidade das nossas convicções pós-modernas, atribui-se a responsabilidade aos “culpados do costume”, ou seja, aos políticos, aos chefes, não importa a que nível, ou a quem quer que “esteja à mão” e tenha costas suficientemente largas para arcar com as culpas alheias.
Mas é justamente a nossa condição pós-moderna que também nos convoca a enfrentar os complexos desafios da realidade complexa em que vivemos. E são as formas de enfrentar esses desafios que verdadeiramente contam e fazem a diferença.
Alguns, dominados pela ansiedade do incerto, ficam tolhidos pelas permanentes dúvidas de um “e se” reativo, que nunca se resolve, e limitam-se a procurar sobreviver tentando adaptar-se de forma a obter para si próprios o máximo de vantagens correndo o mínimo de riscos.
Mas sobreviver não chega; e para viver plenamente e desenvolver uma adaptação realmente proativa e transformacional é necessário ter uma narrativa consistente que suporte um propósito claro e mobilizador. E para tal não basta apenas adaptarmo-nos às novas realidades; é preciso também compreendê-las.
E a fórmula do “e se”, se é expressão de receios e dúvidas reativas, e pode ser um suporte para o “não fazer”, pode ser também uma forma de nos alertar para a importância e possível impacto negativo de o “não ter feito”, como está bem ilustrado num vídeo de um dos programas da FranklinCovey que nos coloca perante questões como estas:
– “E se a grande muralha da China fosse apenas média?”;
– “E se as grandes pirâmides fossem apenas medianas?”;
– “E se Miguel Ângelo não tivesse tido tempo para pintar a Capela Sistina?”;
– “E se Einstein nunca tivesse refletido sobre o Universo?”
– “E se Martin Luther King Jr. nunca tivesse tido um sonho?”
E, no final, a mais profunda e derradeira das perguntas que nos coloca perante a inevitabilidade de nos confrontarmos com nós mesmos:
– Quais teriam sido as consequências “se cada um de nós nunca” tivesse feito o que fez?