Autora: Joana Santos Silva, professora e diretora de Inovação ISEG Educação Executiva e Consultor de Estratégia do Conselho de Administração ISEG
Inspirada em Shakespeare: to be or not to be… começo este artigo sobre a nova regra de contacto das empresas e colaboradores.
A nova lei em que as empresas são obrigadas a abster-se de contactar os colaboradores nos períodos de descanso tem gerado notícias em Portugal e além-fronteiras. Portugal foi motivo de notícia nos EUA chegando a ser comentado no Daily Show. (Este último motivou a minha primeira “guerra internacional” nas redes sociais…).
A nova lei aplica-se a todos os colaboradores (o que faz mais sentido do que segmentar os mesmos), excetuando motivos de força maior, que para mim são uma zona cinzenta ambígua e sujeita a interpretação. A proposta inicial era mais contundente, pois referia-se ao direito de desligar. Agora falamos em dever de abstenção de contacto, o que foi mais fácil de aprovar, mas que gera mais dúvidas sobre a sua aplicação. O direito de desligar era algo gerido diretamente pelo colaborador. A inibição de contacto não leva em linha de conta o ritmo e flexibilidade de trabalho de cada um.
Eu não vejo inconveniente em enviar emails pelas 22h desde que não se tenha a expectativa de receber uma resposta imediata do destinatário. Existem inúmeros motivos para trabalhar “fora de horas”, entre as quais o facto de não ter um horário estável de trabalho (a título de exemplo, posso dar uma aula às 9h00 ou às 21h00).
Será que o problema reside nos emails e mensagens e no seu respetivo horário de envio? Ou na expectativa de que o trabalhador é um recurso “interno” e que o mesmo deve estar disponível para as tarefas em qualquer momento?
Julgo que o flagelo do presentismo, que se baseia na ideia da permanência no local de trabalho muito para além do horário normal ser o standard e o ideal do trabalhador comprometido, é claro para todos aqueles que se encontram no mercado de trabalho atual português. Estudos em Portugal têm demonstrado algo ainda mais preocupante, os trabalhadores mais idosos, com condições de saúde e outras fragilidades pessoais são aqueles que mais tendem a este comportamento nefasto de motivação para o trabalho, para o equilíbrio pessoal e com impacto negativo na produtividade.
Não sou adepta da solução através de regulação. Em particular, quando falamos de gestão de pessoas, as exceções respeitantes ao contexto pessoal de cada um são tantas, que é impossível regulamentar a melhor solução. Por outro lado, assumir que a adoção desta prática se revelará inconsequente nas decisões de promoção, de remuneração e de reconhecimento interno dentro das organizações é no mínimo ingénuo.
Ainda esta semana tive conhecimento de um diretor-geral de uma empresa, que foi submetido a uma intervenção cirúrgica, e que em menos de 24 horas terá enviada uma mensagem à sua equipa sugerindo (de forma subtil) que ele seria um exemplo a seguir.
A ciência da tomada de decisão explica-nos que temos todos um viés de afinidade, isto é, procuramos e valorizamos pessoas com comportamentos similares aos nossos. Assim, a mudança tem de vir do entendimento profundo de que a produtividade não é uma simples correlação de horas de trabalho e de disponibilidade de responder a um WhatsApp às 2 da manhã, mas antes que o que interessa são os outputs do trabalho.
Deveremos medir a efetividade dos nossos colaboradores com metas objetivas de entrega e não de horas, números de emails e atividades nas quais participaram. Esta mudança é mais profunda pois implica uma mudança de mindset: alterar o viés cognitivo e o modelo mental no qual a maioria dos nossos gestores e lideranças opera, pois foram assim formados.
O modelo do follow-up intenso e da micro gestão, que tantos líderes implementam, nem sempre é motivador e pode inibir a produção de melhor trabalho. Saber como criar colaboradores autónomos, com tarefas previamente estruturadas e com prazos claros de entrega é mais frutuoso do que WhatsApps em horários desadequados. Contudo, este tipo de gestão obriga a maior estruturação, planeamento e transparência da organização. E sinceramente, estes nem sempre são elementos fortes de muitas equipas de gestão, pelo que frequentemente gerimos ao momento baseados no nacional “desenrascanço” que tanto nos orgulha.
Eu posso enviar todas as mensagens nas horas certas e continuar a gerir de forma injusta e desadequada o esforço da minha equipa. O problema não reside na comunicação, suas vias e respetivos horários.
Urge criar uma cultura que gere por objetivos, que define planos, que entende o esforço necessário para cada tarefa e que contrata pessoas alinhadas (em número, em competências e com remuneração justa) para as atividades e as exigências da organização.
Temos que salvaguardar a correta capacitação das empresas e compreender que não enviar emails de madrugada, é pura cosmética. Não resolve, cria ambiguidade e resulta em barreiras para investimento em Portugal. Assim, fica a sugestão de desenvolver melhores competências de gestão de trabalho no lugar de regulação ineficaz.
Por mim, podem enviar-me mensagens à hora que quiserem. Responderei no horário que me for possível e adequado para a tarefa e com a melhor qualidade que conseguir. O problema não é a hora, é a taxa de esforço e o respetivo impacto (positivo/negativo) na minha produtividade. Em conclusão, “to WhatsApp or not to Whatsapp?” Por mim: “to WhastApp” mas com melhor entendimento de gestão de pessoas.