No ensino superior, as competências de base e de especialidade não determinam exclusivamente a qualidade da formação. Há competências complementares que são igualmente imprescindíveis para a inserção dos futuros profissionais no mercado de trabalho.
Cumpre às instituições públicas de ensino superior procurar satisfazer, permanentemente, a confiança que a sociedade lhes outorga para formar os seus quadros, o que se deverá traduzir por uma adequação constante das competências transmitidas aos estudantes, num referencial de qualidade e de atualidade.
Sendo o seu funcionamento suportado, no essencial, pelos impostos (Orçamento de Estado) e pelas propinas (taxa paga pelos estudantes/famílias), aquelas instituições têm naturalmente a responsabilidade de ajustar a sua oferta educativa às necessidades reais do mercado de trabalho e, por outro lado, de adotar uma execução pedagógica dos seus cursos que se concretize por uma efetiva transmissão de competências e não apenas por uma simples transferência de conhecimentos. Para além da mobilidade, através da equivalência de graus europeus, este é talvez o desígnio mais importante do designado Processo de Bolonha, que implicou a recente adaptação do sistema europeu de ensino superior. Ou seja, os licenciados e mestres devem poder deixar a escola mais habilitados para saber fazer, sem prejuízo de estarem dotados com os conhecimentos que estão na base do seu saber.
Com as preocupações que decorrem dos compromissos enunciados, a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa criou e passou a adotar uma nova abordagem na execução pedagógica dos cursos que ministra, a qual é pioneira a nível de todo o sistema nacional de ensino superior.
Essa abordagem, designada por Perfil Curricular FCT, materializa-se por um conjunto de caraterísticas transversais a todos os cursos (de licenciatura e de mestrado) que, à semelhança das grandes escolas internacionais, deverá constituir uma marca diferenciadora desta faculdade, decorrente da qualidade e da atualidade das novas competências a transmitir.
No essencial, o Perfil Curricular FCT, embora mantendo a existente transmissão de competências de base e de especialidade, vem reforçar, com competências complementares, a formação que atualmente é ministrada, preparando melhor os estudantes para um mercado de trabalho cada vez mais exigente e escasso, para além de potenciar a criação do autoemprego (empreendedorismo), sem prejuízo de estes conhecimentos serem também importantes para o emprego «convencional» (desenvolvimento de novas ideias, etc.).
No novo perfil curricular é obrigatória a lecionação correspondente à transmissão de competências complementares, designadamente: «Competências Transversais para Ciências e Tecnologia» (1.º ano) (apresentação pessoal, preparação de CV, comunicação, utilização avançada de ferramentas informáticas, gestão do tempo, noções de ética e deontologia); «Ciência, Tecnologia e Sociedade» (2.º ano) (compreensão do mundo tecnocientífico contemporâneo, em constante mutação, incentivando os estudantes a pensar e a agir de forma ativa e crítica perante os impactos, positivos e/ou negativos, da ciência e da tecnologia na sociedade de hoje); «Programa de Introdução à Investigação Científica» (3.º ano) (contacto com investigação, colaboração em projetos de I&D, entre outros) ou «Programa de Introdução à Prática Profissional» [contacto com empresas (estágios, trabalho pontual ou outros)]; «Empreendedorismo» (4.º ano) (despertar e promover a potencial vocação dos estudantes para a criação de valor a partir de uma ideia, bem como a sua capacitação básica para o desenvolvimento de novos negócios). Por outro lado, os estudantes podem frequentar, à sua escolha, mais de 60 atividades oferecidas pela faculdade, nomeadamente: cursos de línguas (inglês, francês, espanhol, mandarim, japonês, preparação para o TOEFL), liderança, fotografia, cinema, teatro, música, pintura, gastronomia molecular, etc., visitas guiadas a museus, desporto e outras atividades.
Considera-se assim ter-se conseguido uma abordagem pedagógica que contribuirá significativamente para a valorização pessoal dos estudantes e para a sua futura inserção profissional. Como alguém disse: «Os hard skills garantem a entrevista, mas os soft skills garantem o emprego».
Aquela abordagem, descrita a título exemplificativo e sem recusar que outras possam conduzir a objetivos idênticos, mostra que há sempre espaço para fazer melhor.
No entanto, esta responsabilidade, com a qual as instituições se identificam e estão comprometidas, dificilmente se compagina com a intensidade com que o Estado tem apostado no ensino superior. De 2005 a 2013, a comparticipação do Estado no funcionamento das instituições reduziu-se mais de 25%, num sinal pouco encorajador da importância que lhes é atribuída para o desenvolvimento do país.
Com efeito, num país em que os ativos de recursos naturais correspondem, no essencial, àqueles que potenciam o turismo, nomeadamente a qualidade do ambiente e o mar, estrategicamente, importa valorizar o conhecimento, criando riqueza pela inovação e pelos serviços. Poder-se-á reduzir o custo direto das instituições do ensino superior, continuando a diminuir a comparticipação do Estado, mas não se ignore a inerente fatura: menos investigação, menor qualidade do ensino, quadros mais preparados para operar as tecnologias de outros e menos capacitados para gerar mais-valias para o país.
Numa crise, é tão importante cortar nos desperdícios como não confundir a importância relativa dos objetivos que constroem o futuro.
Sem profissionais bem preparados, certamente que o país sobreviverá, mas encetará uma deriva descendente, pouco aliciante, desmotivadora mesmo de, algum dia, poder evidenciar que não é a capacidade dos portugueses que determina os fracos níveis com que nos comparamos com outros países, em particular com os parceiros da União Europeia.
Há, assim, que esperar que os decisores não apenas tenham discernimento para analisar opções, mas também, e sobretudo, que tenham coragem para optar sem se refugiarem em cortes transversais cujos efeitos estão longe de serem equivalentes.