A Aon desenvolveu este ano um estudo sobre a resiliência dos colaboradores nas empresas, o «Rising Resilient Report». O estudo veio revelar que, apesar das empresas estarem a trabalhar cada vez mais em estratégias de saúde e bem-estar, apenas 32% dos colaboradores são resilientes.
Esta falta de resiliência é refletida, sobretudo, em três fatores: sensação de insegurança no trabalho (42%); falta de sentimento de pertença à organização (55%); e falta de motivação para o trabalhador atingir todo o seu potencial (52%). Alguns dos desafios que as empresas enfrentam ao nível da resiliência passam pela falta de segurança e problemas na comunicação interna.
De modo a perceber melhor os resultados deste estudo, mas também a perceber onde é que as empresas podem estar a errar e o que podem fazer de modo a melhorar a resiliência dos seus colaboradores, a RHmagazine foi falar com Joana Coelho, HR Solutions Senior Associate da Aon Portugal.
BC: Dados do estudo «Rising Resilient Report» mostram que 80% das empresas acreditam ser benéfico colocar em prática iniciativas de saúde e bem-estar. Na prática, e enquanto profissional de HR, que tipo de estratégias holísticas podem as empresas projetar nesse campo que despertem o interesse dos colaboradores nesta fase?
JC: Vivemos tempos ímpares, pelo que seguir uma abordagem dispersa e casual com iniciativas de saúde e bem-estar desconetadas, por si só, já não é suficiente para dar resposta ao paradigma que enfrentamos. É necessário ir além do que foi feito até agora. Todos os colaboradores têm diferentes necessidades, pelo que uma intervenção one-size-fits-all deixa de fazer sentido quando a nossa prioridade é o bem-estar do colaborador.
É por isso fundamental que as organizações definam e construam a sua própria estratégia de promoção de saúde e bem-estar, e que esta seja consistente e alinhada com a identidade organizacional e com a realidade e a diversidade da sua força de trabalho.
A partir dessa estratégia, cada organização deverá começar por garantir que trabalha com os seus colaboradores numa lógica de proximidade, apostando numa comunicação clara e regular, para perceber que tipo de apoio é necessário e em que medida os recursos existentes estão a cumprir o seu objetivo; deve também recorrer a métricas que ajudem a perceber os níveis de bem-estar, os comportamentos e as tendências das suas equipas. Este será o ponto de partida para a construção de um plano de saúde e bem-estar abrangente e flexível com iniciativas apelativas, benefícios e regalias relevantes, que respondam às diferentes dimensões de bem-estar e às necessidades da sua força de trabalho. Em simultâneo, é fulcral que este plano esteja alinhado com a liderança, a visão e o propósito da organização. Por muito sofisticado que seja um programa, se não for implementado num contexto significativo onde existe um alinhamento entre o que se diz e o que se faz, rapidamente se farão sentir os prejuízos na confiança e no empenho dos colaboradores. A existência de congruência e envolvimento de toda a organização torna-se imperativa. Todo este processo deve partir de uma posição de confiança e de cuidado genuíno, e ter por base uma cultura de empatia, cuidado e transparência.
À primeira vista, garantir uma estratégia de bem-estar tão ampla, pode parecer um processo ambicioso, demasiado caro ou mesmo difícil de concretizar. No entanto, não podemos esquecer que cada passo, por mais pequeno que seja, pode gerar resultados positivos, levando os colaboradores e as suas empresas a prosperar. Neste sentido, cria-se um ciclo virtuoso em torno do bem-estar, geram-se experiências que incentivam referências positivas e que contribuem para a atração e retenção de talento, produtividade e engagement, e impulsionam o valor da sua marca.
Será que se pode dizer ser uma utopia atingir os três indicadores de resiliência da força de trabalho (sensação de segurança no trabalho, sentimento de pertença à organização e adaptabilidade e motivação) neste momento? Ou existe um ingrediente secreto que pode estar a escapar a grande parte das empresas?
Ao olharmos para a base de empresas que participou no estudo, assim como para outras que se têm revelado num constante processo de adaptação proativa para promover uma cultura de resiliência, podemos constatar que não estamos perante uma utopia. Temos conhecimento de uma série de empresas que (ainda antes da pandemia) já se encontravam a alinhar os seus objetivos, estratégia e abordagem organizacional em relação à saúde e bem-estar das suas pessoas, com intuito de desenvolver uma cultura de resiliência.
O Rising Resilient teve como objetivo juntar os testemunhos destas organizações, desmistificando este tema, mostrando que é possível transformar o contexto organizacional através da promoção da resiliência e do bem-estar dos colaboradores e, consequentemente, a sustentabilidade dos negócios.
Contudo, sabemos que não existe um ingrediente mágico, nem tão pouco uma solução a curto prazo. O desenvolvimento de colaboradores e forças de trabalho resilientes é um processo complexo, que requer uma visão holística e a conjugação de diferentes fatores. É preciso criar uma estratégia integrada de médio e longo prazo, apoiada por um diálogo aberto entre o colaborador e a empresa e impulsionada por uma liderança clara, empática e transparente.
Ao longo do nosso relatório procurámos ouvir diferentes stakeholders de várias organizações EMEA que aceitaram o desafio de se superarem e de investirem na resiliência das suas equipas. No estudo foram identificados 4 fatores-chave para criar o ambiente certo para o desenvolvimento da resiliência das forças de trabalho, sendo estes:
- Impulsionar o engagement dos colaboradores através da comunicação interna e de ciclos de feedback regular, que permitam à organização avaliar as necessidades da sua força de trabalho e a efetividade do seu programa;
- Estratégia de saúde e bem-estar abrangente que forneça um conjunto de benefícios, políticas, programas e iniciativas que respondam aos diferentes pilares de bem-estar e que permitam aos colaboradores ter flexibilidade no processo de escolha;
- Compreender os fatores mais valorizados pelos colaboradores quando se trata do seu bem-estar e incluir os mesmos na estratégia definida;
- Criar alinhamento da estratégia com a liderança, a visão e o propósito organizacional, garantindo que a mesma tem significado e congruência.
Num momento em que a comunicação interna se torna cada vez mais crucial, faltará aos líderes a sensibilidade de receber feedback por parte dos seus colaboradores e colocar os resultados em prática?
É verdade que é crucial impulsionar o engagement dos colaboradores através dos canais internos de comunicação disponíveis, criando um ciclo de feedback regular e avaliação que permita à organização avaliar as necessidades da sua força de trabalho com frequência. Em todo o mundo temos visto organizações a transformar a sua forma de trabalhar, comunicando que se preocupam e que pretendem colmatar as lacunas existentes, de forma a impulsionar a resiliência das suas forças de trabalho. O diálogo entre as organizações e as suas pessoas evoluiu significativamente.
Não obstante, a pandemia levou todas as organizações e respetivos decisores a repensar as suas estratégias, quer de negócio, quer de gestão de pessoas. Não acreditamos que falte sensibilidade para receber feedback, diríamos antes que os principais decisores e gestores de pessoas enfrentam o maior desafio dos últimos tempos: garantir sustentabilidade dos negócios – num momento em que a incerteza é uma realidade – e, simultaneamente, garantir o bem-estar, motivação e produtividade das forças de trabalho.
55% dos colaboradores considera não nutrir sentimento de pertença na empresa. Onde está o grande erro das empresas a nível de cultura e integração que possa causar este sentimento nos colaboradores e como podem as organizações diminuir estas percentagens?
Se considerarmos a atual conjuntura, uma organização que pretende manter produtividade, reter talento, reduzir o risco, aumentar os níveis de produção e perceber quais são as reais necessidades dos seus colaboradores, terá necessariamente de trabalhar a resiliência. Com este investimento, vai contribuir para que os seus colaboradores se sintam motivados, satisfeitos com o trabalho que desempenham, capazes de atingir o seu potencial máximo e de cuidar da sua própria saúde, e sentirem-se confortáveis em partilhar eventuais problemas ou dificuldades que estejam a gerir.
Do nosso ponto de vista, quanto mais a organização melhorar a experiência do colaborador, maior a probabilidade de este nutrir esse sentimento de pertença. Mas como?
- Comecemos pela flexibilidade no local de trabalho enquanto reflexo do investimento da organização na auscultação das reais necessidades dos colaboradores. Existem muitas opções económicas disponíveis para todos os empregadores, com muitos dos benefícios a serem alcançáveis com uma simples mudança das práticas de trabalho e permitindo mais flexibilidade às forças de trabalho.
- Antecipar a mudança é também uma competência que todos os empregadores terão de desenvolver. A melhoria na vida das pessoas através do trabalho remoto não era um segredo antes da pandemia por Covid-19 e, na verdade, a maioria dos colaboradores já pedia mais flexibilidade nas suas vidas profissionais.
- Já demonstrar empatia terá um efeito de cascata. Em todo o mundo, assistimos a uma verdadeira onda de empatia e entreajuda entre colegas, sendo a prova de que não só nos conseguimos adaptar a circunstâncias adversas, como conseguimos ajudar os outros.
No fundo, criar um mundo onde as pessoas possam tomar as suas próprias decisões sobre o que é importante para si próprias, ao mesmo tempo que lhes é permitido encontrar o equilíbrio do que precisam, é o garante para que encontrem significado nas suas vidas.
A saúde mental adquiriu finalmente o seu spotlight: embora fosse já um assunto debatido e preocupante, toma hoje uma importância significativa. Este estudo vem identificar a dificuldade dos colaboradores em adaptarem-se à mudança, gerirem o stress e manterem-se motivados. Enquanto profissional de HR, que conselhos deixa a quem se tem debatido com estas dificuldades nas suas empresas e com uma saúde mental enfraquecida pelo contexto atual?
Efetivamente verificamos que a Saúde Mental é um tema que está na ordem do dia. A complexidade das circunstâncias vividas atualmente e a crescente volatilidade e a incerteza no futuro são fatores que colocam em risco a nossa segurança, que aumentam os níveis de stress e afetam a nossa saúde mental. As organizações não são exceção. É cada vez mais evidente o impacto que a saúde mental tem nas empresas a nível mundial, com quase 15% de pessoas a enfrentar problemas de saúde mental derivados de fatores relacionados com o seu trabalho. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 13% de todos os dias de ausência ao trabalho por doença estejam relacionados com problemas de saúde mental. Esta é uma situação difícil de ignorar, principalmente quando existem dados que apontam para uma tendência de agravamento: a OMS calcula que em 2030, a depressão será a doença mais comum em todo o mundo, tendo um impacto superior a doenças como a diabetes, doenças cardíacas ou cancro.
Sabemos que o impacto é bilateral e sistémico: o ambiente organizacional afeta a nossa saúde mental e a nossa saúde mental afeta o ambiente organizacional. A saúde mental desempenha, por isso, um papel significativo na nossa segurança e bem-estar, quer a nível pessoal, quer a nível profissional, uma vez que baixos níveis de saúde mental estão associados a um aumento da probabilidade de erro e de acidentes, assim como afetam a qualidade da tomada de decisão e deterioram o planeamento e controlo do trabalho. A necessidade de mudança é óbvia e urgente.
Assim, face à complexidade e abrangência do tema, é fundamental que as organizações consigam identificar e focar os seus recursos nos fatores que poderão controlar (condições e ambiente de trabalho, equilíbrio vida pessoal e profissional, comunicação e suporte) e nos fatores que poderão influenciar (escolha estilos de vida, estratégias de coping, sentido propósito e pertença).
Sugerimos que as empresas construam um framework para uma estratégia a médio-longo prazo e um plano de ação que reflita não só a meta como também o caminho escolhido para lá chegar. É necessária uma abordagem holística, que inclua respostas para a promoção das diversas dimensões de bem-estar e cuja intervenção seja feita a diferentes níveis, nomeadamente ao nível da intervenção primária (prevenção), secundária (identificação e encaminhamento) e terciária (apoio e acompanhamento), e que seja apoiada por políticas organizacionais coerentes, por um ambiente de trabalho positivo e uma cultura empática. Importa ainda acrescentar que, de acordo com os dados e experiência que dispomos, quanto mais precoce for a fase de intervenção, maior o impacto e menores os custos para o empregador.
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