Tornou-se CEO muito novo numa empresa para a qual já trabalhava há muitos anos. Quer-nos contar um pouco como foi o seu percurso?
Fiz um percurso, felizmente, muito diversificado. Iniciei a minha carreira numa área técnica como administrador de sistemas (e formador também) e só mais tarde numa área comercial, na altura dentro do setor da Administração Pública que estava ainda a dar os seus primeiros passos na Capgemini em Portugal. Posteriormente, assumi a responsabilidade por uma área dedicada a soluções para negócio, que mais tarde foi incorporada dentro da área de consultoria de alta direção, da qual fui responsável vários anos. Aqui destaco o facto de já nessa altura, sensivelmente em 2009, haver por parte do Paulo Morgado (meu antecessor, agora responsável pela Capgemini Espanha) uma visão clara de combinar ofertas de tecnologia com negócio, à semelhança do que hoje se tenta fazer noutros concorrentes com as áreas de digital. Em 2012 assumi a responsabilidade pela área de projetos e, em 2013 e 2014 pelas áreas de outsourcing e tecnologia, respetivamente. Em julho de 2014 assumi as funções de CEO da Capgemini Portugal, e embora novo de facto, o grupo entendeu que já tinha a experiência necessária para assumir esta responsabilidade.
São já muitos anos na Capgemini. Concordará que é uma situação pouco comum…
Concordo, mas acho sobretudo que a Capgemini sempre soube dar-me desafios e projetos motivantes, na minha opinião o segredo desta longevidade (sorrisos).
Ao longo do seu percurso profissional teve de gerir pessoas em situações muito diversas. Qual foi, na sua opinião, o maior desafio que teve de enfrentar a gerir pessoas?
Creio que o maior desafio foi conseguirmos motivar e mobilizar uma equipa muito distinta do ponto de vista etário e de conhecimentos, para um vasto programa de qualificação em novas competências, num contexto particularmente desafiante, atendendo à velocidade com que a tecnologia nos entra em casa e na dos clientes. Para perceber melhor, a Capgemini Portugal tem atualmente cerca de 400 pessoas, das quais cerca de metade ainda trabalha sobre tecnologias legacy – a outra em tecnologias cloud. No entanto, atualmente, todos os meus colegas, sem exceção, entendem o valor e a relevância dessa necessidade constante de atualização de competências, bem como o esforço que todos fizemos para possibilitar que todos os dias possam evoluir os seus conhecimentos técnicos e também comportamentais.
Falou no plural, da equipa e não na primeira pessoa. Posso inferir que é uma característica do seu estilo de liderança?
Acho que sim. Obviamente que há um trabalho que faço de guidance, mas prefiro apostar na clarificação das regras e rituais de acompanhamento e gestão das equipas. Em paralelo sempre gostei de ser interventivo, incluindo o acompanhamento de projetos, que transmitem por um lado mais confiança às equipas, por outro permitem-me conhecer melhor o potencial e o trabalho de todos. Acho que há mais propensão à perda de talento com estruturas muito hierarquizadas, e nos dias que correm o talento é claramente um “bem” a proteger.
Fala-se muito hoje em novas tendências no mundo do trabalho, especialmente com a chegada dos millennials ao mercado de trabalho. Como lidam com esse fenómeno?
Julgo que são temas diferentes. Há claramente novas tendências no que respeita à mobilidade e à descentralização do posto de trabalho, muito proporcionado pela tecnologia. Não obstante, julgo que ainda estamos longe de nos aproximarmos de outros países onde o trabalho remoto, por exemplo, é mais comum e até natural. Em Portugal, não havendo uma clarificação de regras (e até da própria flexibilização da legislação laboral), receio que rapidamente o conceito se desvirtuasse. Já sobre os millennials tenho uma opinião provavelmente um pouco diferente do mercado. Não acho que sejam super homens/mulheres, nem tão pouco mais dotados que outras gerações anteriores. Acho sim, que têm perspetiva diferentes no que respeita à carreira e aos desafios profissionais. Para mim, é apenas uma questão de gestão das suas expectativas e de encontrar a melhor forma de os enquadrar e motivar nas empresas, mas repito, nada de diferente comparativamente a outras gerações. Afinal de contas, julgo que qualquer empresa quer colaboradores felizes e motivados, e isso não mudou.
Uma das vossas bandeiras é a formação que dão aos colaboradores, e fala-se que têm um programa de certificações muitoinovador. Quer-nos contar como funciona?
Na sua essência privilegiamos as qualificações de forma constante e permanente. Sou defensor do princípio que pessoas mais competentes têm desempenhos mais competentes também. O que fizemos foi disponibilizar uma base de cursos maioritariamente tecnológicos a todos os colaboradores, desde que tenham no final um exame. O sucesso no exame é premiado com pontos, que podem ser ou utilizados para efeitos da sua progressão na carreira ou trocados por dinheiro. Por isso, como imagina, temos na qualificação também uma forma de progressão, ou de retribuição adicional, como se de um variável se tratasse. Sendo um programa que abrange todos os colaboradores, tem servido também para requalificar aqueles que ainda possuem competências em tecnologias mais legacy, possibilitando o seu enquadramento em projetos mais inovadores.Como nota adicional, refiro que temos ajudado outras empresas em projetos desta natureza que não têm nada a ver com o setor das TI, mas que obviamente têm uma exposição à tecnologia cada vez maior.
A inovação é um motor do desenvolvimento da vossa organização? Se sim, como gerem o esforço de inovação com as exigências que um mercado como o vosso coloca?
A inovação é vista por nós como um pro cesso contínuo, infinito, de melhoria constante. Felizmente para nós, a exposição permanente dos nossos colegas a tecnologias de ponta, quer seja nas áreas da Inteligência Artificial, Cloud, Internet das Coisas, entre outras, permite-lhes ter ideias interessantes que tentamos sempre explorar e aprofundar. Temos sabido manter essa prática ativa, cabendo-nos sobretudo capacitar a empresa dos meios técnicos necessários que lhes possibilitem desenvolver essas experiências ou ideias inovadoras.
Num mercado tão quente como o do IT, como é que conseguem estar sempre a alimentar a vossa empresa com talento?
Os cursos de engenharia informática não dão para as encomendas… A nossa base de recrutamento mudou
bastante nos últimos anos e, felizmente, temos sido bons parceiros da maioria das universidades ou politécnicos em Portugal. No entanto, olhamos para o recrutamento de forma significativamente diferente da maioria das empresas. Para ter uma ideia, o recrutamento de jovens provenientes de licenciaturas em sistemas de informação é, nos últimos 5 anos, de apenas 5%. A principal razão prende-se com o facto de privilegiarmos o curriculum académico, nomeadamente as cadeiras que tiveram componentes muito desenvolvidas de pensamento lógico ou matemática, por exemplo, porque percebemos que os jovens são muito mais eficientes na interpretação de linguagens de programação. Por outro lado, este fator faz com que tenhamos uma diversidade de jovens dentro de casa muito maior, com bases académicas tão distintas como biotecnologia, física, engenharia mecânica, educação física, psicologia, entre outros, trazendo uma riqueza curricular muito positiva para o ambiente da empresa.
Acha que este modelo tão distinto, é percebido da mesma forma pelas universidades em Portugal?
Uma excelente questão! Acho que sinceramente não. Vou-lhe dar um exemplo. Há um ano tive a felicidade de ter uma cadeiracom o ex-dean do Insead, que nos explicou que quando decidiu, há cerca de 30 anos, apostar na sua formação e doutoramento em matemática, o fez porque queria seguir uma carreira na área do marketing. Bem,
para além de pessoalmente achar que para a época mostrava ser um indivíduo com uma inteligência superior, hoje prova-se que afinal estava mais que correto. Não estou, por exemplo, a ver a mesma facilidade no sentido inverso, ou seja, uma especialização em matemática a um indivíduo que se formou em marketing. Por isso, há um trabalho importante a fazer nas universidades, que têm que perceber que cadeiras são hoje fundamentais versus outras que são acessórias. Por outro lado, há temas que não são abordados nas universidades, e que hoje são determinantes para o sucesso dos alunos aquando a sua inserção no mercado de trabalho, como por exemplo execução. Na
minha opinião pessoal, o sistema de ensino também precisa de uma reestruturação.
Para gerir as pessoas num negócio tão exigente e volátil, que requer um grau de atenção e sofisticação tão elevado, uma estrutura de RH tradicional não deve ser suficiente. Quer-nos contar como na Capgemini Portugal lidam com esse constrangimento?
É verdade, as empresas ainda se socorrem de modelos muito tradicionais na gestão de RH, e nesse sentido, sinto também que evoluímos para ir ao encontro do que seria melhor para a empresa e para as pessoas. Neste momento temos uma organização onde a função RH é capilar, chegando a todos ao mesmo tempo, por unidade de negócio.Só assim conhecemos as pessoas, entendemos o que precisam e como devem evoluir. Por outro lado, é também uma forma de prepararmos os consultores para temas diversos sobre a gestão de pessoas, e não apenas quando são promovidos ou iniciam a sua atividade de gestão de equipas. Sinceramente, não entendo como é que alguém pode ser exposto à gestão de pessoas apenas porque foi promovido, sem nenhuma experiência anterior.
E o que se imagina a fazer nos próximos 5 anos?
Sabe, curiosamente, nunca estabeleci um plano pessoal de carreira. O meu foco sempre foi muito na determinação e na capacidade de trabalho. O estar na Capgemini há quase 25 anos apenas significa que me foram dando projetos que me motivassem e me permitissem fazer o que gosto. Nesta medida, sou ainda muito novo e tenho a certeza que daqui a 5 anos estarei com a mesma motivação pessoal, ou seja, a fazer aquilo que gosto, criando valor e preparando sempre bases para os anos seguintes.
Entrevista in RHmagazine, n.º 111, Julho/Agosto 2017
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