Por: Vera de Melo
CEO e partner da Your People
Não devemos, jamais, deixar morrer no nosso espírito aquela criança que um dia fomos. É fundamental manter o nosso lado infantil e inocente sempre vivo dentro de nós. É ele que nos impulsiona a viver alegremente a vida numa sociedade que nos faz esquecer, todos os dias, da magia da infância.
No mês em que internacionalmente se assinala o dia da Criança lanço o desafio de refletirmos sobre esta afirmação, que considero extremamente válida, nos nossos dias: necessitamos, nas organizações, de líderes com “espírito de criança”. Ninguém discorda de que a criança em si é símbolo de humildade e simplicidade. Uma criança nunca procura ser maior, ou melhor, mas ser o que é: criança. Para uma liderança eficiente o líder deve preocupar-se, igualmente, em ser apenas o que é – líder.
A criança sabe perdoar, não cria mágoas, não fica com ódio, rapidamente resolve e dali a pouco, tudo fica bem. Parece que não aconteceu nada. O líder, tal como a criança, necessita de resolver os conflitos, no imediato, não adiar.
Toda a criança é inocente, até que alguém a ensine a não ser. Ela não vê maldade nas pessoas. Quem constrói atitudes e sentimentos negativos são os adultos, que passam a ver quase sempre, em primeiro lugar, o lado mau de tudo. Ninguém está livre de sofrer e realmente precisamos de nos resguardar diante de algumas situações, mas, por vezes, os adultos tendem a ver maldade mesmo onde não existe. É natural presenciar a alegria no rosto de uma criança, independentemente da circunstância em que ela se encontra. Não há problema, crise ou dificuldade para ela. A criança só pensa em brincar, divertir-se e aproveitar a vida. Para ela, tudo é festa, é só alegria. Enquanto líderes é fundamental, tal como as crianças, ver o lado positivo das coisas e adotar uma visão otimista da realidade, ser alegre. A alegria é um verdadeiro bálsamo para a vida. Uma pessoa triste não tem ânimo para realizar as suas atividades.
A criança exala pureza. Ela não tem maldade naquilo que faz ou recebe. O grau e pureza existente na vida de uma criança é algo incalculável. A genuinidade é igualmente uma característica fundamental para o líder de hoje.
Sabe-se que grandes progressos científicos e tecnológicos surgiram a partir de uma curiosidade aguçada, de uma brincadeira tenaz, levada às raias da obstinação. O brincar e a curiosidade precisam de estar no quotidiano do líder, mesmo que esteja mergulhado em compromissos, problemas, trabalho, horários, objetivos. O brincar tem vários ângulos e o líder que preserva a criança que há dentro dele não é só mais feliz, mas seguramente tem mais saúde física e mental. O brincar convida o sentido de humor para se expressar, tornando os problemas mais leves e as soluções mais criativas.
As crianças não ficam presas ao medo, pensando no que têm a perder ou avaliando cada passo que dão com medo das consequências. Elas simplesmente acreditam que podem e que vão conseguir. Às vezes magoam-se, noutras circunstâncias conseguem, ou então os seus planos não funcionam mas algo ainda melhor acontece. Mas elas arriscam porque sabem e acreditam no que querem e têm a certeza que se não tentarem nunca saberão se é possível. Esta capacidade de arriscar, não ficando preso ao medo, é uma competência, que tal como as crianças, os líderes deviam estimular e preservar.
Criança é sinónimo de perguntas. Aliás, para elas a única forma de conhecer e entender o mundo é perguntando. A propósito, para os adultos também. Num determinado momento da vida, nós, adultos, passamos a acreditar que fazer perguntas é algo desadequado e ficamos com vergonha de perguntar o que não sabemos. Deixamos de aprender muito por esse desnecessário receio do julgamento dos outros. O líder, tal como as crianças, não deve ter este receio. Deve perguntar sempre o que não sabe.
A criança pede ajuda sempre que necessário, o mesmo é importante que um líder faça, afinal qual é o problema em pedir ajuda? Criança e fantasia estão interligadas. Para a criança, um objeto é algo mágico, encantado, que se transforma em múltiplas coisas e vive diferentes aventuras. Seria ótimo se a nossa cabeça funcionasse para sempre assim. É bom o líder olhar à sua volta com os olhos de criança, colocar a imaginação a funcionar e ver além do que é óbvio.
Colocar limites na própria vida é característico da fase adulta. As crianças acreditam que podem tudo: voar, tornar-se um super herói, ficar invisível, fazer magia, ser uma princesa ou um dragão. E nunca se frustram porque não deixam de acreditar depois do primeiro fracasso. Quando crescemos a nossa imaginação dá lugar a sonhos mais reais, porém a nossa capacidade de acreditar diminui. Colocamos empecilhos aos nossos sonhos antes mesmo de tentar e acabamos por não realizar nenhum deles. O líder, tal como as crianças, nunca deve deixar de acreditar em impossíveis, pois só assim se contagia a si próprio e à sua equipa.
Começar a andar, aprender a falar, ler e escrever são algumas das coisas que precisamos de aprender na infância. Se as crianças desistissem, teríamos um conjunto de adultos a gatinhar e a chorar para obter a satisfação das suas necessidades. É muito difícil aprender a andar e falar, assim como hoje é difícil tornar-se um líder competente e realizar os seus maiores sonhos. Se todos desistissem, ninguém faria nada. O líder precisa de ser persistente como foi nos seus primeiros anos de vida.
Se uma criança não tem um brinquedo, ela usa a imaginação e cria um. Já os adultos, se não tiverem tudo o que querem, revoltam-se e dizem que a vida é injusta, sem sequer tentar encontrar uma solução acessível. O líder, tal como, a criança deve usar a imaginação e a criatividade no seu dia a dia.
Em suma, parece que os líderes das nossas organizações alcançariam muito mais sucesso se mantivessem o “espírito de criança”. Urge assim, cultivar o “espírito de criança”, resgatando a leveza, a confiança e a brincadeira, para interagirmos com mais prazer e criatividade com os outros.
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