A profissão de consultor, nas áreas de gestão e GRH, confronta-se hoje com um desafio verdadeiramente crítico: criar um valor acrescentado distintivo num mercado extremamente agressivo e competitivo, onde a oferta de serviços é claramente superior à procura. Para superar esse desafio, é imperativo que os consultores se dotem de um «sistema operativo mental», apoiado por práticas que, de um modo inequívoco e evidente, se traduzam em helping clients succeed.
Os desafios da consultoria
A profissão de consultor nem sempre foi (ou é) muito bem vista em vários setores profissionais.
Por um lado, assinalam-se as reduzidas «barreiras à entrada» para esta profissão, sendo invocado que, para se ser considerado consultor, basta ter um endereço eletrónico e um ícone de 500+ no LinkedIn e uma legião de amigos no Facebook, um cartão profissional com designações apelativas (obrigatoriamente em inglês) e cartões de crédito para exibir em restaurantes mais ou menos caros ou em bares in.
Por outro lado, aponta-se a ligeireza, no mínimo, com que, com indesejável frequência, são encarados os aspetos éticos e deontológicos desta profissão.
Por outro lado ainda, os consultores são frequentemente acusados de, na sua prática profissional, tenderem a cuidar mais dos seus interesses pessoais, ou das empresas que representam, do que propriamente das necessidades dos clientes que contratam os seus serviços.
Na verdade, e do ponto de vista do «racional» desta atividade, consultor e empresa cliente funcionam numa lógica de coevolução no interior de um ecossistema socioeconómico e a notoriedade e o futuro desta profissão, se dependem naturalmente da dinâmica do desenvolvimento empresarial e da sua intensidade e direcionamentos, dependem igualmente dos posicionamentos específicos que os consultores adotam nas suas práticas do dia a dia.
Os problemas inerentes a esta atividade (e muitas outras, bem entendido) podem ser apresentados também como desafios, sendo um dos mais relevantes o da integridade do consultor, entendendo por este conceito a congruência entre as suas práticas e os interesses dos clientes a quem elas se destinam. A ausência de integridade nesta profissão ocorre quando os consultores adotam práticas que, de modo intencional, procuram gerar dependência nos clientes, em vez de produzirem um efeito de transferência de know-how que lhes permita (aos clientes) incorporar à sua realidade os produtos entregues pelo consultor.
Nas atividades de consultoria, a pessoa do consultor é parte integrante do produto que entrega, sendo a essência da sua atividade determinada pelas atitudes que adota no estabelecimento do contrato com o cliente e no posterior respeito pelas regras através das quais esse contrato se cumpre.
Neste contexto, julgo que o desenvolvimento da atividade de consultoria passará por uma crescente personalização e customização, migrando da lógica do «produto» para a lógica da «solução» e produzindo deliverables mais adaptados às necessidades (ou expectativas) específicas, às caraterísticas e às culturas dos seus clientes.
Associada à questão da integridade, o consultor enfrenta também o permanente desafio de articular o abstrato com o concreto, o geral com o particular e o conhecimento técnico especializado com a realidade global do seu cliente.
Considerando que os mercados das atividades de consultoria procuram frequentemente soluções técnicas altamente especializadas e conhecimento atualizado sobre novos métodos e novos modelos, existe muitas vezes a tendência de os consultores se deixarem influenciar por uma certa «perversão tecnocrática», convertendo-se numa espécie de produtores de «soluções a priori», propondo aos clientes as omnipresentes e incontornáveis «verdades» do seu know-how técnico especializado.
O resultado destas práticas, quando ocorrem, é o de, muitas vezes, o cliente ficar com um altamente sofisticado (e caro) trabalho técnico em cima da secretária, sem a possibilidade de o aplicar, pela ausência de articulação real entre a generalidade da técnica e a particularidade do contexto específico onde ela deveria ser aplicada.
Também neste aspeto a evolução desta atividade profissional será, na minha perspetiva, cada vez mais orientada para a realização de contratos de intervenção, nos quais os consultores se envolvam e se comprometam com os objetivos de eficácia dos seus clientes, como verdadeiro imperativo de garantia da qualidade neste tipo particular de serviços.
O «SOM» («sistema operativo mental») do HPC (high performance consultant)
Das considerações feitas no ponto anterior, resulta que o trabalho dos consultores e sobretudo os resultados que entregam dependem de um mix permanente entre as suas atitudes e confiabilidade pessoal, o seu «caráter», para usar uma expressão de Stephen M.R. Covey, e as «competências» técnicas que atualizam no exercício da sua prática profissional. Ora, tanto um (o «caráter») como as outras (as «competências») têm os seus alicerces nos paradigmas mentais de cada consultor, ou seja, o sistema de valores e de crenças em torno dos quais se estabelece o sentido de propósito das suas missões profissionais.
Por isso, apresento a seguir uma sistemática de um «sistema operativo mental» que estabelece um conjunto de regras práticas que podem constituir uma ferramenta útil para que cada consultor possa ser «altamente eficaz» na sua prática profissional.
Regra 1: «Deixe o seu ego à porta»
Na atividade de consultoria, a comunicação interpessoal é uma «ferramenta de trabalho» e o consultor deve procurar interagir de acordo com os modos de significação do seu cliente. Trata-se, no fundamental, de aplicar o «Hábito 5» do modelo de Stephen R. Covey, ou seja, «procurar primeiro compreender para depois ser compreendido», que é a melhor plataforma para «criar sinergias» com o cliente.
Regra 2: «Não antecipe soluções»
É fundamental ter em consideração a realidade do cliente e fugir da tendência de propor soluções a priori. Os consultores deverão saber entrosar-se na matriz cultural e no ambiente organizacional dos clientes, envolvendo-os e comprometendo-os nas soluções que vierem a ser adotadas.
Regra 3: «Obtenha evidências»
Os consultores deverão procurar obter evidências do(s) modo(s) como a realidade é percebida pelos seus clientes de referência e desconfiar da sua própria tendência para a produção de «evidências autoconfirmadas» (self-fulfilling sense of evidence). Na impossibilidade de serem obtidas «evidências hard» (objetivas), o consultor deverá procurar «evidências soft» que, sendo embora mais fluidas e subjetivas, podem constituir fontes de informação relativamente fiáveis. Afinal, uma subjetividade partilhada por um conjunto significativo ou relevante de pessoas pode ter o valor de uma objetividade.
Regra 4: «Calcule as consequências»
O consultor deve procurar antecipar, com a precisão possível, as consequências que advirão, para o cliente, da adoção de um determinado sistema ou ferramenta de gestão e ainda as possíveis repercussões que a sua aplicação possa vir a ter. Esta regra é fundamental para evitar o efeito on the desk que ocorre, como já foi assinalado no ponto 1 deste artigo, quando o cliente fica com um trabalho técnico em «cima da secretária», sem nunca realmente o aplicar.
No conjunto, estas regras simples podem, de facto, fazer a diferença no contexto desta atividade, sujeita a uma forte e aguerrida concorrência, e gerar, em cada cliente, a perceção de estar perante um consultor que é realmente um high performer.
É que, nesta atividade, «ser apenas bom» é… «pôr-se a jeito» para ser despedido.