Utopia? Ou um futuro inevitável?
Autor:
Gonçalo Gil Mata
Managing Partner at MIND4TIME
O contexto da revolução
Novo ano, e uma vez mais o laborioso processo da Avaliação de Desempenho inunda um grande número de organizações. Perante o implacável policiamento RH, mais ou menos alavancado pela necessidade de calcular prémios, aumentos e promoções, as chefias lá acabam por aceder a desviar o foco do negócio para dedicar umas horas valentes à bem intencionada tentativa de medir/gerir performance. A título de exemplo, em 2015, antes de abandonar o método, a Deloitte – com os seus 65.000 colaboradores – estimava investir 1.8 Milhões de horas anuais na sua rigorosa odisseia interna de avaliação.
É difícil trabalharmos de forma empenhada sem um bom feedback. Os objetivos de uma Avaliação de Desempenho tendem justamente a centrar-se em áreas como o reconhecimento do esforço e do contributo de cada um, a definição de melhorias e áreas de desenvolvimento individual, o planeamento do futuro e o alinhamento estratégico com os objetivos organizacionais. Intenções louváveis e estruturantes na relação de cada colaborador com o seu trabalho, e também com a sua chefia.
Como todos sabemos, porém, um número alarmante de colaboradores terminam o seu processo de Avaliação de Desempenho reportando fortes sentimentos de descontentamento, injustiça, frustração e desmotivação. Claramente contrários, portanto, ao propósito inicial.
Muitas vezes a Avaliação de Desempenho redunda em desmotivação, contrariando o propósito inicial.
O que estamos então a fazer de errado? Como evitar esta consequência? Que retorno estamos verdadeiramente a tirar deste gigantesco dispêndio de tempo e energia? Que alternativas poderiam ser equacionadas?
Uma tendência global
Estas foram justamente as preocupações que levaram já um número notável de organizações a abandonar o método tradicional da Avaliação de Desempenho anual. Começando como é habitual pelos grandes nomes da tecnologia, como Adobe, IBM, Dell e Microsoft, vimos num passado recente empresas de serviços como a Accenture, Deloitte ou a PWC seguirem a tendência. Mas não faltam exemplos em todos os outros setores, incluindo a banca e até nomes tão tradicionais no âmbito industrial, como a General Electric.
Que viram então os especialistas da gestão de talento e performance destas grandes organizações? Por que quiseram e como conseguiram abandonar aquele que é aparentemente o mais importante – e muitas vezes único – instrumento de regulação de desempenho nas empresas?
Um genial texto de Ashley Goodall e Marcus Buckingham (“Reinventing Performance Management”) – dá-nos pistas importantes nesta matéria, relatando o que se passou na Deloitte para a tomada de decisão. Numa análise objetiva, os responsáveis pelo desenvolvimento de talento concluíram alguns pontos sobre o processo de Avaliação de Desempenho:
- consumia um número gigantesco de horas;
- tendia a concentrar-se mais no passado do que no futuro;
- ofeedback distava demasiado tempo das ações no terreno, falhando o propósito de orientação;
- as avaliações – tão dependentes da chefia – tinham uma precisão fraca, e pouco equalizada.
2 principais orientações da mudança
Um dos objetivos desta revolução é orientar o sistema de Avaliação de Desempenho para a ação. Isto é, o que queremos fazer como consequência das pontuações atribuídas? Premiar, promover, deslocar, corrigir, substituir, alienar, recrutar, etc…
Ora, uma vez provado que o sistema de pontuação é tão pouco fiável, porque não saltar o passo da pontuação e perguntar diretamente às chefias:
“se a organização fosse sua, o que faria com este colaborador?”.
O outro objetivo é apontar o sistema ao futuro – mais focado em prevenir próximos passos do que em avaliar passos já dados. E isto tem uma implicação direta na frequência de reuniões e pontos de orientação entre chefia e colaborador. No caso da Deloitte, o sistema acabou por impor no mínimo uma reunião semanal, mas o que considero mais importante é que colocou a responsabilidade destes check-points do lado do colaborador e não da chefia. Isto é, pede-se à chefia a disponibilidade para aceder ao pedido de orientação do colaborador, mas acima de tudo pede-se ao colaborador uma sensibilidade mais apurada para pedir feedback quando vir necessário.
Obstáculos culturais
Alinhar nestas tendências requer uma cultura especial. Em Portugal, diria que poucas serão as organizações com o mind-set necessário para uma revolução tão radical do seu sistema.
Por outro lado, um sistema destes assume que o número de check-points regulares para orientar o trabalho da equipa é justamente o centro do trabalho de um líder, e não uma mera tarefa adicional na sua lista. O que pressupõe um dimensionamento confortável da estrutura, que muitas vezes simplesmente não existe. Se temos os líderes ocupadíssimos como principais executores de uma equipa sempre em redline, nunca terão disponibilidade para realizarem bem o trabalho de feedback frequente.
Por outro lado ainda, o nível médio de qualificação dos líderes para um método destes é baixo. Muitas vezes, o trampolim das promoções é a competência técnica. E é fácil encontrar líderes muitíssimo capazes de fazer bem, mas mal preparados para as componentes emocionais de gerir pessoas. Compreender motivação, conflito, identidade, frustração, empenho, e toda a panóplia de instrumentação afim, é complexo. Implementar uma novidade destas no sistema de Avaliação de Desempenho sem primeiro preparar devidamente os profissionais que serão os reais timoneiros da coisa, sairá certamente furado.
Afinal de contas, um colaborador que não reconheça na sua chefia competência de liderança, ou não lhe reconheça a disponibilidade para reunir e orientar, nunca assumirá a responsabilidade de tocar a sineta quando precisar de feedback.
Um momento de liderança
Independentemente da frequência, e da atualização do método, uma reunião de Avaliação de Desempenho é um momento de liderança por excelência. E enquanto não conseguirmos dotar os líderes de competências superiores no âmbito da gestão emocional e da compreensão dos fundamentos motivacionais que levam cada colaborador a posicionar o seu esforço perante os desafios que se lhe colocam, nunca teremos um bom resultado.
No mínimo, as chefias têm que ser relembrados anualmente, aquando da eminente ronda de avaliações, dos aspetos elementares deste momento de liderança. A saber:
- o foco da avaliação é o desempenho, não é a pessoa:evite confundi-los;
- o reconhecimento do que foi bem feito é a alavanca da melhoria: comece pelo positivo;
- cada colaborador esforça-se diariamente para fazer um bom trabalho, nunca sendo demais reclarificar o que isso significa:use mais exemplos concretos e menos generalizações;
- cada colaborador tende a adoptar o comportamento cultural que vê no seu contexto, e em particular no seu líder:avaliar um chefiado é, em parte, avaliar a sua chefia;
- um bom desempenho depende do meio, dos processos, do ambiente:avalie também com o colaborador que fatores contextuais podem estar a impedir uma melhor performance.
Em resumo
Existe uma forte tendência global de abandono dos tradicionais processos de Avaliação de Desempenho anual. Entre os principais motivos estão: o enorme custo, a fraca fiabilidade dos resultados, a grande distância temporal e a típica desmotivação consequente.
As orientação da mudança são um maior foco no futuro e não tanto no passado, e a frequência muito maior de feedback, responsabilizando também cada colaborador na sua obtenção.
Estas inovações no método exigem um mind-set evoluído, preparando os líderes nas competências emocionais que o exercício exige, bem como um dimensionamento confortável da estrutura que os liberte da execução para se focarem mais na orientação da equipa.
Independentemente do método, o ponto nevrálgico de melhoria é uma preparação adequada dos líderes para as competências emocionais obrigatórias a estes momentos de avaliação.
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