Não é segredo que o setor da hotelaria e do turismo português têm se deparado com grandes oportunidades e desafios desde o início da terceira década do século XXI.
Um destaque do INE revelou que, em janeiro de 2023, o setor do alojamento turístico registou 1,5 milhões de hóspedes (+72,5%) e 3,5 milhões de dormidas (+74,5%), correspondendo a 212,4 milhões de euros de proveitos totais (+99,0%) e 153,9 milhões de euros de proveitos de aposento (+102,3%).
Comparando com janeiro de 2020, quando ainda não se observavam efeitos da pandemia, registaram-se aumentos de 21,6% nos proveitos totais e 24,0% nos relativos a aposento.
De forma a compreender melhor os desafios e oportunidades que o setor enfrenta, a RHmagazine recolheu a opinião de três profissionais do setor.
Desafios no recrutamento
Por outro lado, algumas unidades hoteleiras apontam um claro problema no “estado” do mercado de Recursos Humanos. No caso do Corinthia Lisboa, João Vieira, diretor de Recursos Humanos da entidade, destaca dois desafios que têm permeado o setor: a hotelaria e o turismo foram dois setores que enfrentaram enormes dificuldades de recrutar novas gerações no pós-pandemia; e o “inferno demográfico”, pautado pelo envelhecimento da população e uma taxa de natalidade incapaz de dar resposta ao mercado de trabalho.

“Tratando-se de um sector de mão-de-obra intensiva, com uma parte significativa das suas atividades a serem forçosamente desenvolvidas presencialmente, está em desvantagem quando confrontado com novas modalidades que outros sectores podem oferecer, como é o caso do trabalho remoto”, acrescenta João Vieira.
Por outro lado, o diretor de Recursos Humanos do Corinthia Lisboa, também aponta a “má fama”, nem sempre fundamentada em realidade, do setor da hotelaria e do turismo não serem atrativos para trabalhar. “A verdade é que nos últimos anos, apesar do que teve de enfrentar com a pandemia, o sector conseguiu recuperar rapidamente de um contexto altamente adverso. Hoje apresenta melhores propostas para quem pretende desenvolver a sua atividade num sector altamente dinâmico e que continua a ser o motor do desenvolvimento económico do pais e dos que mais cresce a nível mundial.”
Valorizar o “capital humano” como garantia de qualidade e diferenciação
Um dos recursos mais valiosos apontado por Vítor Silva, diretor de Recursos Humanos no InterContinental Lisbon, são os colaboradores: o capital humano. “A preocupação com o capital humano tem levado ao surgimento de novos conceitos, processos e práticas para ajudar no desenvolvimento e sucesso das organizações e tal é crucial pois a dignificação do sector passa, obrigatoriamente, por elevar a importância dos nossos profissionais e a investimentos que salvaguardem a qualidade e a diferenciação dos serviços que prestamos”, explica.

Por isso, Vítor Silva ressalva que o mote e contributo que os Recursos Humanos devem exercer passa por uma gestão pautada pelo paradigma tecnocrata para uma gestão que “vive de pessoas, para pessoas e pelas pessoas”.
Verónica Soares Franco, CHRO e membro da Comissão Executiva do Pestana Hotel Group, sublinha que com a aproximação da época alta, existe uma maior procura de talento do setor da hotelaria e turismo com a abertura de centenas de vagas para várias posições na operação, incluindo contratos sazonais e estágios, que podem representar a porta de entrada de muitos jovens para a atividade turística.
“Após dois anos de pandemia, a retoma voltou em força em 2022 e, apesar da incerteza, tudo indica que se mantenha em 2023. A necessidade de reforçar equipas nos hotéis mantém-se e isso constitui uma oportunidade também para quem quer iniciar uma carreira na hotelaria”, afirma.
O processo de recrutamento e seleção em curso
Tendo em conta estas alterações, o InterContinental Lisbon têm apresentado dois programas distintos para promover o recrutamento: o “Join Our Extraordinary World” e “Welcome to Our Extraordinary World”.
“Através do nosso programa ‘Join Our Extraordinary World’ apresentamos uma série de vantagens para enriquecimento curricular dos candidatos entre as quais benefícios sociais; parcerias; formação e desenvolvimento; acompanhamento na saúde, nomeadamente saúde mental, saúde financeira, saúde social, saúde física entre outras vantagens que poderão vir a usufruir como nosso colaborador”, explica Vítor Silva. Decorrente do processo de seleção, surge o programa “Welcome to Our Extraordinary World”, cujo propósito é ser adaptável a cada talento desde a primeira sessão de acolhimento, visita guiada ao hotel e posteriormente uma sessão de onboarding.

No caso do Pestana Hotel Group, Verónica Soares Franco sublinha que o grupo recruta uma grande diversidade de perfis para a operação e serviços partilhados. “Na operação, estamos neste momento a finalizar a preparação da época alta, onde temos ainda vagas em aberto, sobretudo nas áreas de cozinha, restaurante e receção no Algarve, Madeira e Porto Santo”.
Verónica Soares Franco também informa que o Pestana Hotel Group está a recrutar em Lisboa, com a abertura de duas novas unidades, e nas Pousadas de Portugal nas regiões Norte, Centro e Alentejo.
Fazer um acompanhamento completo do processo do candidato
Para João Vieira, diretor de Recursos Humanos do Corinthia Lisboa, explica que o processo de recrutamento do Corinthia começa, em primeiro lugar, pelo “desenvolvimento de uma estratégia de employer branding” que permita atrair os melhores talentos para a organização.
“‘Elevar a Vida dos que nos rodeiam, clientes, colegas, parceiros e comunidade’ em tudo o que fazemos”, acrescenta João Vieira.
Com base nesses pressupostos, a procura assenta em estagiários, candidaturas espontâneas na base de dados, networking pessoal dos profissionais do Corinthia, pesquisa direta, recrutamento de trabalhadores temporários, entre outros. Depois disto, é enviada uma proposta formal para o candidato selecionado e é estabelecido um contacto constante. “Em seguida, todos os candidatos passam por um processo de dois dias de formação de acolhimento e posteriormente dão início ao plano de integração no seu setor específico“, acrescenta João Vieira. O processo conclui com um follow-up para avaliar a forma como o processo de recrutamento do candidato está a decorrer e assegurar que não existam questões que estejam a prejudicar a experiência do trabalhador.
Organização hoteleira
De momento, Vítor Silva explica que o InterContinental conta com uma equipa de 185 colaboradores, composta por talentos sénior e júnior, que estão separados entre as estruturas operacionais de Alojamentos e R&B e Gestão e Business Support. Nos Alojamentos e R&B, a equipa está repartidas nas funções de: Housekeeping; Welcome & Farewell Experience; Stay Experience; R&B Service Experience; C&B Experience; e Equipa de produção e gestão alimentar (Cozinha, Pastelaria e Copa).
Nas estruturas de Gestão e de Business, cada elemento pode ser designado para as funções de: Estruturas Financeiras; Recursos Humanos e Desenvolvimento de Capital Humano; Comercial; Marketing Reservas; Revenue; e IT.
Relativamente ao Pestana Hotel Group, Verónica Soares Franco explica que o grupo emprega em Portugal mais de 3000 colaboradores, a que acrescem 500 sazonais no período de verão. “No total das geografias onde o grupo está presente, são 5000 colaboradores”, acrescenta.
Gerir a sazonalidade
Apesar de não divulgar quantos colaboradores pertencem ao Corinthia Lisboa, João Vieira explica que o hotel tem desenvolvido uma estratégia que lhe permite ter um quadro de pessoal ajustado às necessidades do negócio e que lhe permite ter capacidade de resposta às oscilações e “sazonalidade” características do setor.
“A equipa de gestão executiva conta com as principais áreas de gestão, onde se encontram representadas as áreas financeira, recursos humanos, vendas, engenharia, yield & revenue e naturalmente a Direção Geral. Ao nível operacional e dada a dimensão do hotel, conta com duas grandes divisões compostas pela direção de Rooms Division (alojamento), onde se integram as áreas de house seeking, front office, concierge, guest service, guest relations e lavandaria e Direção de Food & Beverage (alimentos e bebidas), responsável pela gestão operacional dos diversos restaurantes, bares, banquetes, room service e atividades de catering.
As áreas de apoio são compostas pela Direção Comercial, Direção Financeira, Direção de Recursos Humanos, IT e Manutenção”.
Os perfis mais procurados
Vítor Silva, enquanto diretor de Recursos Humanos no InterContinental Lisbon, não esconde que se procuram “valores”, valorizando mais as competências sociais de cada um do que as competências técnicas. Deste modo, o InterContinental Lisbon têm apostado em perfis com atitude, resiliência e que se “identifiquem com as nossas promessas em cada ‘Um tem Espaço para Crescer, tem Espaço para Pertencer e tem Espaço para Marcar a Diferença’”.
Verónica Soares Franco refere que os perfis mais procurados para o Pestana Hotel Group são os de pessoal para os departamentos de manutenção, financeira, IT, comercial e de recursos humanos.

No caso do Corinthia Lisbon, João Vieira aponta como principais dificuldades de recrutamento as áreas operacionais, embora também existam ofertas para outras áreas de apoio como o departamento comercial, manutenção e financeiro.
Estratégias de atração e retenção de talento no setor
“Capacitar, valorizar e potenciar são o mote do nosso saber ser e estar em hotelaria”, refere Vítor Silva. Uma das estratégias que implementaram no âmbito da atração e retenção de talento no InterContinental é o “True Hospitality at Work”, cujo propósito, segundo Vitor Silva, é garantir que todos os esforços são realizados para garantir, não só, o bem estar físico e psicológico da equipa, mas também uma cultura diversa e inclusiva.
O diretor dos Recursos Humanos do InterContinental Lisbon também sublinha a implementação de estratégias Full ESG (Environmental, Social and Governance), que olham para a sustentabilidade como um pleno propósito e valor da missão do hotel.
No caso do Corinthia Lisbon, João Vieira explica que a aposta têm sido procurar oferecer uma experiência de empregador que não só atraia como retenha o talento. Vieira acrescenta que uma liderança positiva, transparência, comunicação regular, colaboração, reconhecimento e desenvolvimento de carreiras serão fatores determinantes para criar o “ambiente certo”.
“A nível corporativo, o grupo está a procurar definir o seu caminho em políticas de maior flexibilidade, quer de horários, quer de aplicação de um regime híbrido para as funções que o permitem, assim como de salários que se complementam com bónus e benefícios”, explica. Acrescenta também o grupo teve como meta apresentar um pacote de benefícios competitivo para todos os trabalhadores, o que motivou uma revisão extraordinária das remunerações oferecidas.
Fidelizar os trabalhadores através de benefícios de saúde
O Pestana Hotel Group também tomou passos para atrair e fidelizar talento, ao fixar em 2023 o valor do salário mínimo, incluindo retribuição e subsídio de alimentação, nos 1000 euros. “A este valor acresce um conjunto de benefícios, no qual se inclui seguro de saúde, apoio psicológico, desenvolvimento e formação contínua, programa de mobilidade nacional e internacional, modelo híbrido de trabalho para serviços partilhados, entre outros”, explica Verónica Soares Franco.
Alguns dos benefícios oferecidos pelo Pestana Hotel Group são: Cartão Staff Descontos & Parcerias; Bem-estar & Saúde; Pestana Academy; Mobilidade & Oportunidades Internas; Modelo Híbrido de Trabalho; ou Apoio à Comunidade e Voluntariado.
“Queremos trabalhar com os melhores”
Outro ângulo que as cadeias de hotelaria e turismo têm apostado cada vez mais, como forma de renovar os quadros internos, são as parcerias e protocolos junto de instituições de ensino. Vítor Silva acrescenta que, nos últimos anos, cerca de 60% das admissões do InterContinental Lisbon provém de projetos que decorrem de estágios.
“Após a identificação do verdadeiro talento como formando, queremos trabalhar com os melhores”, sublinha. Entre os protocolos e parcerias de longa data que o InterContinental possui junto de instituições de ensino, Vítor Silva lista: a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa; o ISEC (Instituto Superior de Educação e Ciências), a Universidade Europeia, o ISCE (Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo), a Escola Profissional de Hotelaria e Turismo de Lisboa, a Escola Augusto Roseta, a Escola Gustavo Eiffel, o IEFP Amadora e de Lisboa, a Nova SBE, a Universidade Lusófona, o Instituto Superior de Gestão; entre outros.
O ISEC, a Gustavo Eiffel, o IEFP, a Nova SBE, a Universidade Lusófona ou a Escola Profissional de Hotelaria são alguns dos parceiros do InterContinental Lisbon.
Estar perto das instituições de ensino
João Vieira também considera importante as parcerias estabelecidas com as instituições de ensino. “Têm-se revelado fundamentais na estratégia de atração de talento jovem”, explica o diretor de Recursos Humanos do Corinthia Lisboa.

O Corinthia Lisboa têm estabelecido parcerias diretamente com diversas instituições de ensino, participação em ações de escolha de carreira com jovens estudantes do ensino secundário ou colaboração com universidades nacionais e internacionais.
No caso do Pestana Hotel Group, Verónica Soares Franco explica que o grupo mantém ao longo do ano uma ligação próxima às escolas e universidades, potenciando estágios, desenvolvimento de projetos em conjunto com os alunos, participando em feiras sempre que possível.
“Damos a conhecer a realidade do grupo, os vários negócios – a hotelaria, hoje com 108 hotéis, mas também as áreas imobiliária, vacation club, casinos e os SPA, a presença global em 16 países que potenciam inúmeras oportunidades de carreira a nível internacional”, elabora.
Criar políticas de desenvolvimento profissional
Ao mesmo tempo que se procede a atração de novo talento, o setor da hotelaria e do turismo também procurou novas políticas de desenvolvimento profissional.
Vítor Silva explica que, no caso do InterContinental Lisbon, é valorizado o desenvolvimento profissional de cada um. Através de plataformas como “Merlin” e “MyLearning”, são disponibilizados aos colaboradores programas, temáticas e conteúdos de formação que são geridos em linha “com as ambições de cada um, com as expectativas de cada um e com as necessidades de cada um”.
“Promovemos também oportunidades de consolidação ou de ‘experiencias’ diferentes através do nosso ‘My InterContinental Lisbon Passaporte’, um programa que convida colaboradores a Cross Training e/ou Cross Exposures. Recentemente foi lançada a IHG University, composta por quatro Universidades especializadas com ofertas personalizadas para o público-alvo. Oferecemos uma nova estrutura de aprendizagem que promove o desenvolvimento de carreira, a aceleração de talentos e as melhores práticas na IHG Hotels&Resorts. O nosso objetivo é maximizar as oportunidades para os nossos colaboradores e dar-lhes espaço para crescer”, explica Vítor Silva.
Desenvolvimento profissional como uma promessa
No caso do Corinthia Lisbon, o desenvolvimento profissional é uma das “18 promessas” a todos os que trabalham ou desejam trabalhar na cadeia de hotéis. “O desenvolvimento profissional começa no momento do processo de recrutamento, em que procuramos identificar junto dos candidatos as suas expectativas de crescimento, áreas de interesse e disponibilidade para mobilidade entre hotéis da cadeia Corinthia no estrangeiro”, explica João Vieira.
O Diretor de Recursos Humanos do Corinthia Lisbon também explicou à RHmagazine outros exemplos de formações internas que o Corinthia oferece às equipas de diferentes hotéis. Como um programa de “cross-exposure”, que consistiu em diferentes equipas do hotel terem uma experience de trabalho em outra unidade da cadeia e num contexto e realidade completamente diferente da que vivem diariamente, permitindo aos participantes desenvolverem novas competências.