Autores:
Arménio Rego
Católica Porto Business School
Miguel Pina e Cunha
Nova School of Business and Economics
Rui Lourenço-Gil
Católica Porto Business School
O pedido de desculpas pode ser, além de um dever, uma condição de sobrevivência de um produto, de um serviço ou de uma organização. Nem sempre é formulado e operacionalizado devidamente. Mesmo quando cumpre os requisitos essenciais, a sua eficácia não está garantida. Neste artigo, discutimos essas dificuldades e complexidades e apontamos linhas de reflexão para que os pedidos de desculpa tenham maior potencial de eficácia.
Mea culpa
Em finais de 2009, a Domino’s Pizza divulgou mensagens publicitárias em que admitia que as suas pizzas eram de fraca qualidade[1]. Executivos da empresa davam voz a clientes que haviam comentado que as pizzas eram desprovidas de sabor, ou que a massa da pizza se assemelhava a cartão. O mea culpa, surpreendente pela franqueza e pelo vigor, era acompanhado da promessa de esforços de melhoria. O novo presidente da companhia, Patrick Doyle, afirmou, numa entrevista, que escutariam a aceitariam “brutalmente as críticas”. Meses antes, a empresa havia despedido dois empregados por terem divulgado uma brincadeira de mau gosto (pouca higiene na cozinha) no YouTube.
Os pedidos de desculpa vêm sendo uma prática relativamente comum. Colossos empresariais como a Volkswagen, a Toyota, a General Motors, a Toshiba, a Amazon, a Samsung, a BP e a Apple têm pedido desculpas – por práticas fraudulentas, defeitos nos seus produtos, práticas discriminatórias, ou desconsiderações pelos seus consumidores ou pelos cidadãos. The Wall Street Journal publicou recomendações sobre como pedir desculpas e ilustrou os argumentos com os pedidos de dez CEOs divulgados no YouTube[2]. A chief executive publicou um texto sobre porque e como os CEOs podem fazer mea culpa[3].
Serão os pedidos de desculpa recomendáveis? Em que condições? Que critérios devem cumprir? Como devem ser comunicados? Antes de discutirmos estas questões, importa prestar atenção a dois pontos essenciais. Primeiro: o pedido de desculpas pode criar confiança e suscitar respeito. Muitas pessoas apreciam a coragem de um mea culpa. Um pedido de desculpas, se bem articulado, corajoso e credível, pode reforçar a legitimidade da empresa. Segundo: o pedido de desculpas comporta riscos. As pessoas podem apreciar a coragem e desenvolver bons sentimentos. Mas podem também reagir cinicamente, ignorar os esforços de melhoria – e demandar os serviços ou produtos dos concorrentes. A empresa pode, também, ver a sua credibilidade decair. Se, durante anos, uma empresa de pizzas se publicita como tendo as melhores pizzas, prometendo melhorar continuamente, como podem os consumidores acreditar nos executivos da empresa que hoje assumem que as pizzas, afinal, são pouco saborosas? Há ainda riscos de a conduta reparadora não ser atempada nem apropriada, impelindo os clientes a considerar que a empresa pede desculpas apenas “para inglês ver”, para “sacudir a água do capote” ou porque não dispunha de alternativa.
O tema é complexo. A análise não pode bastar-se com questões simplistas como “deve ou não pedir-se desculpas?” ou “como fazer um pedido de desculpas?”. Por conseguinte, este texto pretende apenas ser um modesto contributo para reflexão e compreensão da complexidade da matéria. Focamos os pedidos de desculpa empresariais, não os destinados a restaurar relações interpessoais. Antes de prosseguirmos, importa sublinhar que um pedido de desculpas não é necessariamente recomendável. Após ponderar as vantagens e desvantagens de um pedido de desculpas, uma empresa pode legitimamente escusar-se a enunciar o pedido. Tratamos o tema noutro local[4], pelo que aqui faremos uma breve discussão sobre as características essenciais de um bom pedido de desculpas. Iniciamos a discussão ilustrando o ocorrido nos EUA, em 1982, com o Tylenol.
Um bom pedido de desculpas[5]
O Tylenol era o analgésico líder, assegurando à Johnson & Johnson (J&J) 37% do mercado em que se posicionava. Era o produto mais lucrativo da companhia. Todavia, no mês de outubro de 1982, sete pessoas morreram em Chicago na sequência da toma de Tylenol extraforte. As vendas do medicamento caíram abruptamente. A quota de mercado baixou para 7%. A reputação do produto e da empresa ficou destroçada. O valor da marca ficou seriamente comprometido. Os colaboradores da empresa ficaram emocionalmente abalados. Os parceiros de negócio ficaram receosos. Muitos peritos e comentadores vaticinavam que a marca não sobreviveria. Os acionistas e a administração ficaram com os nervos à flor da pele.
A investigação concluiu que alguém, nunca identificado, havia corrompido o medicamento, introduzindo 65 miligramas de cianeto (uma dosagem dez mil vezes superior à letal) nas cápsulas que haviam sido colocadas em prateleira para venda. Objetivamente, a J&J não era responsável pela adulteração do produto. Todavia, a publicidade que a empresa fazia ao produto garantia a segurança e a eficácia do mesmo!
A reação ao drama tornou-se um caso clássico. James Burke, o CEO em exercício, assumiu de imediato a responsabilidade pela tragédia, lamentou-a e pediu desculpa sentida. Deu a cara publicamente. Esclareceu a situação, aconselhou o público e deu conta das medidas que a empresa estava a executar para garantir segurança reforçada. Esclareceu que o criminoso não tinha qualquer relação com a empresa. Reafirmou os valores da companhia: “as pessoas primeiro, e a nossa primeira responsabilidade incide sobre os nossos clientes”. Aconselhou as pessoas a não tomarem o medicamento. Recomendou aos clientes que devolvessem as embalagens adquiridas e garantiu-lhes que receberiam em troca um talão para reaquisição do produto quando a segurança estivesse restabelecida.
Simultaneamente, Burke focou os executivos na urgência de, incansavelmente, resolverem a crise. Procedeu à recolha de aproximadamente 31 milhões de boiões com cápsulas de Tylenol, de valor rondando os 100 milhões de dólares. Introduziu mudanças na publicidade do produto. E alterou o embalamento do Tylenol, para maior segurança. Finalmente, executou uma campanha de relançamento do produto fortemente orientada para restaurar a confiança dos consumidores. Apresentou a empresa como a primeira a adotar embalagens resistentes à adulteração, conformes ao regulamento estabelecido pela Food and Drug Administration. Incumbiu mais de dois mil comerciais de fazerem apresentações à comunidade médica sobre a confiabilidade da embalagem. Proporcionou desconto de 25% na aquisição do medicamento a quem apresentasse o talão recebido pela devolução do produto anteriormente recolhido. E publicitou a oferta, durante o período de relançamento, de um cupão de 2,5 dólares a quem adquirisse o medicamento. Como resultado, no período de um ano, a J&J recuperou 90% da quota de mercado do Tylenol antes da crise.
As razões para esta revalorização são várias. A resposta foi célere e a empresa não se perdeu a apontar o dedo a terceiros. A J&J e os seus líderes denotaram alteridade moral e preocupação genuína com as pessoas afetadas. A empresa foi capaz de mostrar que não atuou com dolo ou incúria. Mesmo assim, assumiu responsabilidades pela resolução do problema – o que lhe causou enormes prejuízos financeiros. A liderança deu também mostras de frontalidade e caráter, mostrando que estava disposta a atuar de acordo com o valor-mor da empresa: os clientes primeiro. Reforçou os controlos de segurança, tendo superando as expectativas através de inovação. E comunicou ampla e transversalmente os esforços que levou a cabo. Em suma: a empresa e os seus líderes deram mostras de sério empenhamento na resolução do problema. Traduziram as palavras em atos. Estas demonstrações permitiram restaurar a confiança dos clientes, das autoridades e de outros stakeholders.
O triângulo dos bons pedidos de desculpa
Os bons pedidos de desculpa podem ajudar a restaurar a reputação, a confiança e os relacionamentos. Mas, para que esses efeitos positivos sejam alcançados, algumas condições devem estar presentes. Alguns exemplos ilustram a matéria. Quando a Apple decidiu baixar o preço do iPhone para 399 dólares, “saiu-lhe o tiro pela culatra”. Os protestos emergiram em numerosos clientes que, pouco tempo antes, haviam aguardado horas em filas para comprarem o mesmo telemóvel por 599 dólares. Steve Jobs endereçou uma mensagem aos clientes, explicando que a baixa do preço visava permitir o acesso à tecnologia a maior quantidade de pessoas. Mas reconheceu que a decisão criara desconfiança. Pediu desculpas pela a Apple ter desiludido alguns clientes – os mais leais e expeditos na compra dos produtos da empresa! E decidiu “compensar” os que haviam comprado o iPhone por um preço superior[6]. Foi um surpreendente pedido de desculpas da parte de um homem pouco acostumado a essa prática.
O processo adotado preencheu três condições: justiça, compaixão e ação[7]. Primeiro: a empresa reconheceu o erro e aceitou as responsabilidades. Segundo: pediu desculpas, não apenas com sentido de justiça, mas também mostrando compreensão pela experiência de desconforto dos visados. Terceiro: atuou para reparar o erro e assegurar que o mesmo não seria repetido.
Eis outro exemplo de como as três condições estiveram presentes. Em 2007, a Procter & Gamble confrontou-se com o facto de alguns dos seus produtos para animais de estimação provocarem problemas renais nos mesmos[8]. A empresa recolheu imediatamente os produtos. Suspendeu a sua produção. Partilhou todos os dados com as autoridades norte-americanas. Publicou uma carta aberta, em anúncios de página inteira, em 59 jornais diários. Na carta, os empregados reconheciam o problema e pediam desculpa pela ocorrência. Mostravam preocupação com a situação e denotavam empatia pelos animais e pelos seus donos. E apresentavam planos de ação, designadamente mais apoio no serviço ao cliente e a criação de task forces e comités de especialistas para aumentar a qualidade dos produtos.
Porque são eficazes: justiça, compaixão e ação
Para serem bem-sucedidos, os pedidos de desculpa devem ser capazes de convencer as vítimas de que o ato negativo não reflete a verdadeira natureza da pessoa ou da entidade que o praticou. Ou seja: um pedido de desculpas eficaz impele as vítimas a considerar que o praticante do ato, embora tenha cometido um erro, está genuinamente contrito e não mais voltará a cometer o mesmo erro. A confiança é conquistada se as palavras de contrição forem acompanhadas de atos de compensação pelos danos causados.
Pelo exposto se compreende que o pedido de desculpas será mais eficaz se for genuíno, revelar compaixão pelo alvo ou vítima e se for interpretado como um ato particular que não representa a natureza perversa do ofensor. A menção à compaixão não é aqui anódina. Para ser eficaz, o pedido de desculpas não pode ser um ato simplesmente racional, de reposição da justiça material – deve ser acompanhado de empatia, de compaixão e de compreensão pelas particularidades de cada ofendido ou vítima. O ocorrido com a farmacêutica Roche é ilustrativo. Há anos, a empresa viu-se envolta num problema de contaminação do Viracept, um medicamento antirretroviral de combate à SIDA. Decidiu, de imediato, a retirada do produto do mercado e recompensou extensivamente os visados. Do ponto de vista ético, a empresa agiu corretamente – mas foi deficitária na componente compassiva. A empresa agiu com justiça, mas foi parca no zelo, no cuidado, na empatia, na compaixão[9]. As reações não foram tão positivas quanto a empresa desejava e esperava.
A empatia e a compaixão são apenas um elemento do processo. Devem ser acompanhadas de prudência, promessas de ação, e ações efetivas que resolvam o problema. Não basta a uma empresa mostrar “bons sentimentos” e pedir desculpas públicas pela falha num produto ou na prestação de um serviço. É igualmente crucial que compense o cliente prejudicado e adote ações capazes de evitar que o problema se repita[10]. A Samsung sofreu com os defeitos no Galaxy Note 7. Mas a ira dos clientes reforçou-se quando o problema se manteve depois de a empresa ter prometido que o mesmo já estava sanado[11] .
Boas desculpas são necessárias – mas não suficientes
O que fica exposto não deve ser interpretado como receita infalível. A eficácia de um pedido de desculpas não depende apenas do seu conteúdo. Também é influenciada por quatro fatores adicionais: (1) a pessoa ou entidade que enuncia o pedido; (2) as características e o estado emocional dos ofendidos; (3) as características da situação; (4) o tempo.
As características do líder/entidade que comunica o pedido. Um pedido de desculpas pode ser eficaz se enunciado por um determinado líder, mas menos eficaz se comunicado por outro líder. O tom de voz, as expressões faciais e outros gestos são indicadores de quão genuíno e confiável é o líder. Ademais, uma mensagem comunicada por um líder cuja credibilidade está abalada, ou cujo estatuto seja modesto, pode ser pouco eficaz[12]. O pedido de desculpas que Hillary Clinton enunciou, a propósito do uso de uma conta privada de email, foi relativamente ineficaz porque a sua credibilidade era modesta[13]. Quando, em 2011, os líderes da central nuclear de Fukushima pediram desculpas, fizeram-no apenas seis semanas após o desastre. Acresce que o historial menos transparente da empresa suscitou dúvidas, entre os habitantes, sobre a honestidade do pedido[14]. Do ponto de vista organizacional, a ilação é simples: importa escolher a pessoa apropriada, ou seja, com passado “limpo” e reputação de honestidade[15].
Os ofendidos. As características e o estado emocional dos ofendidos são igualmente cruciais[16]. Alguns ofendidos são muito sensíveis à componente empática do pedido de desculpas, enquanto outros são mais facilmente impelidos a perdoar se a compensação material pelos danos sofridos for significativa. Outros são muito reativos ao grau em que o ofensor reconhece que violou o seu dever e as normas de conduta[17]. O mesmo pedido de desculpas pode, pois, suscitar diferentes reações em diferentes ofendidos.
Se o ofendido imputa dolo e intenções malévolas ao ofensor, o pedido de desculpas pode ser recebido com desconfiança e cinismo. Ou seja, o pedido de desculpas pode ser interpretado como manipulador e encarado como uma demonstração adicional de que o perpetrador não merece perdão[18]. Os ofendidos podem também considerar que, por razões morais, algumas ofensas (como o genocídio) não devem ser desculpadas[19]. Alguns ofendidos podem não ter qualquer desejo de reconstruir a relação de confiança. E, se forem movidos por sentimentos de vingança, poderão retaliar[20]. Simetricamente, se o ofensor não for movido por um genuíno e empático pedido de desculpas, mas o ofendido adotar uma interpretação benevolente, o pedido restaura a confiança.
A audiência mais ampla. A conduta de uma empresa não afeta apenas os clientes diretamente envolvidos. Um pequeno dano causado a um cliente pode adquirir dimensões gigantescas se a empresa começar a ser enxovalhada nas redes sociais. O ocorrido com a Ensitel ajuda a compreender o fenómeno. Em 2009, uma cliente requereu à empresa a substituição de um telemóvel avariado. A recusa em substituir o equipamento desembocou no tribunal arbitral, que deu razão à empresa. Todavia, a cliente contou o sucedido no seu blogue, o que motivou uma avalanche de protestos nas redes sociais. Novas manifestações de desagrado emergiram após a empresa alegar que estava a ser alvo de uma campanha difamatória e ameaçar com novos processos judiciais. A empresa foi então “enxovalhada nas redes sociais”. Acabou por “pedir desculpas” à cliente, anunciando que desistia de todos os processos e prometendo melhorias na relação com os clientes.
A situação: A natureza da situação, em sentido lato, também exerce um papel fundamental. Um pedido genuíno de desculpas de uma empresa do setor automóvel pode esbarrar no clima de desconfiança gerado pelas práticas abusivas de outras empresas do mesmo setor. O mesmo pode ser afirmado a respeito de empresas do setor financeiro. As empresas destes setores têm esbarrado com a desconfiança gerada por práticas escandalosas de outras empresas. Uma empresa específica pode mesmo ser acusada de atos e danos de que não é responsável. E essa pressão pode obrigá-la a pedir desculpas. Ou a situação pode ser de tal modo forte que o pedido de desculpas cai em “saco roto” ou é mesmo contraproducente.
O tempo: À medida que o tempo decorre, a memória das ocorrências tende a perder-se ou a distorcer-se[21]. Os ofendidos poderão reagir melhor ou pior a um pedido de desculpas consoante as memórias que guardam sobre a conduta do ofensor. Ademais, um pedido de desculpas tardio, mesmo que contenha todos os elementos antes recomendados, pode esbarrar na resistência e na má vontade dos ofendidos[22]. Este elemento denota grande complexidade porque é difícil identificar com precisão qual é o tempo mais apropriado.
De facto, uma organização pode sentir necessidade de investigar as causas dos danos antes de se pronunciar sobre se é ou não responsável pelos mesmos. Não deve precipitar-se, sob pena de assumir responsabilidades por danos que não causou. Ademais, pode necessitar de tempo para escutar os alvos ofendidos. Se o pedido de desculpas e as ações reparadoras forem tomados num curto espaço de tempo, os ofendidos podem sentir que não foram devidamente escutados e que os seus anseios e preocupações não foram atendidos.
Mas a organização ofensora também não pode atrasar-se na resposta ao problema, sob pena de, quando responde, os alvos não acreditarem na mensagem comunicada. Se uma ampla audiência formula noções de culpa sobre uma dada empresa, o esclarecimento posterior que a empresa faça pode suscitar um efeito boomerang: a audiência tem a empresa em tão má conta que não leva o esclarecimento a peito. Afinal, pode ser mais fácil à audiência manter a versão da “verdade” – do que assumir que estava equivocada.
Conclusões
Os bons pedidos de desculpa são cruciais para restaurar a confiança dos clientes e de outros stakeholders. Para que sejam eficazes, importa que preencham vários requisitos, que resumimos no Quadro 1. Mas essas são condições necessárias, não suficientes. Numerosos outros fatores, alguns fora do controlo da empresa ofensora, intervêm no processo e podem minar os esforços genuínos da empresa e dos seus líderes.