É a esta questão que o mais recente estudo da Fundação Calouste Gulbenkian – “A Equidade Intergeracional no Trabalho em Portugal” – pretende dar resposta. Ou, pelo menos, diversos dados são oferecidos para que possamos tirar as nossas próprias conclusões. Convergência de salários entre gerações, descida salarial por ano adicional de escolaridade, crises económicas com efeito “cicatriz”, prevalência de contratos a prazo para os mais jovens e diferenças intergeracionais no acesso a subsídios foram as principais conclusões da análise do mercado laboral português nos últimos 30 anos.
Foi numa sessão direcionada à comunicação social que a Fundação Calouste Gulbenkian apresentou o seu mais recente estudo, realizado no âmbito do projeto “Justiça Intergeracional” e inserido no Fórum Futuro – a plataforma de reflexão e debate sobre o futuro comum dos cidadãos, criada em 2019. “A Equidade Intergeracional no Trabalho em Portugal” teve a autoria de Pedro S. Martins, professor na Nova School of Business and Economics (NOVA SBE), e tal como o nome indica debruça-se sobre o mercado de trabalho em Portugal, procurando identificar as principais questões de equidade intergeracional que têm afetado as diversas gerações de trabalhadores nas últimas décadas.
A apresentação inicia com as boas-vindas de Isabel Mota, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, que oferece à audiência algum contexto em torno da iniciativa sobre justiça intergeracional, que já levou ao desenvolvimento de três estudos, que avaliam de forma objetiva as principais desigualdades entre gerações em diferentes áreas de política pública: habitação, finanças públicas e mercado de trabalho.
“Com este conjunto de estudos, queremos desenvolver, em fevereiro do próximo ano, um debate alargado com as várias entidades públicas e privadas para levar mais longe o conjunto de reflexões que se impõem na área da equidade intergeracional”, refere Isabel Mota.
Segue-se a intervenção do coordenador do projeto “Justiça Intergeracional” Luís Lobo Xavier, que sublinha o facto de as decisões que tomamos hoje terem impacto nas gerações futuras e, por isso, ser “muito importante que consigamos ter um sistema que seja justo e equilibrado para as várias gerações”.
Mas será que é isso que está a acontecer? Vejamos, em traços gerais, quais foram as conclusões do estudo.
“A Equidade Intergeracional no Trabalho em Portugal” analisou empiricamente o caso do nosso país, no período compreendido entre 1986 e 2018, para oito gerações – nascidas entre 1920 e 1999 –, e no setor privado por conta de outrem, o que perfaz centenas de milhares de trabalhadores considerados.
“Há o objetivo de olhar para várias dimensões do mercado de trabalho em Portugal, o que é algo muito complexo, uma vez que estamos a falar de muitos trabalhadores, muitas empresas, diferentes contextos macroeconómicos e leis, mas o nosso país tem a vantagem de ter acesso a dados muito detalhados, permitindo esta análise em três vertentes: quantitativa, longitudinal [ao longo de vários anos] e uma diferenciação entre as várias gerações”, explica à audiência o autor do estudo, Pedro S. Martins.
Esta análise permitiu chegar a cinco conclusões principais: grande convergência de salários médios entre as diferentes gerações, nos últimos anos, porém num patamar particularmente baixo de rendimentos (600€-650€); aumento salarial médio por ano adicional de escolaridade a descer significativamente para as gerações mais recentes (de 10% para 5%); crises económicas a afetar a evolução profissional a médio prazo das gerações que entram no mercado de trabalho nestes períodos face às outras gerações; contratos a prazo enquanto realidade para dois terços das pessoas nascidas nos anos 90; e diferenças no acesso a subsídios de desemprego, doença e parentalidade, entre gerações.
Convergência forte de salários entre diferentes gerações
Num primeiro resultado, as várias comparações desenvolvidas ao nível dos salários apontam para uma convergência forte entre as diferentes gerações, nomeadamente no que respeita ao salário base e mediano. Grande parte das gerações, ao longo de grande parte do período considerado, incluindo as duas décadas mais recentes, apresentam salários base medianos de apenas 600€. Esta convergência salarial poderá promover a equidade intergeracional, contudo assenta num patamar particularmente baixo de rendimentos e produtividade.
Descida do aumento salarial relacionado com a escolaridade
Ao contrário do que se poderia prever, apesar de as gerações mais jovens serem mais escolarizadas do que as suas antecessoras, isso não se está a refletir em melhores salários, o que pode ser justificado, por exemplo, pela qualidade da escolaridade (tipologia de curso, universidade, etc.). Se na década de 40, o peso da escolaridade refletia-se num aumento salarial de 10% por ano adicional de estudos, nas gerações nascidas nos anos 90 esse peso cai para metade – 5%. Por outro lado, esta quebra é menos pronunciada se considerarmos as remunerações ao longo da vida ativa (de 10% para 7%). Ou seja, a educação continua a contribuir para remunerações mais elevadas e para menores probabilidades de desemprego, ainda que esse contributo seja menor para as gerações mais jovens.
O efeito “cicatriz” das crises económicas
De forma muito sintética, as gerações que têm o infortúnio de entrar no mercado de trabalho em períodos de crise financeira, são prejudicadas, não só no momento de entrada, mas também nos anos subsequentes à recuperação da economia. Fornecendo alguns dados para melhor entendimento, um trabalhador que tenha entrado no mercado de trabalho numa altura de desemprego 5% mais elevado do que a média, vai ter salários 5% mais baixos ao longo da sua carreira.
Domínio de contratos a prazo nas gerações mais jovens
Este estudo verificou uma prevalência na utilização alargada de contratos de trabalho a termo junto dos trabalhadores mais jovens – dois terços das pessoas nascidas nos anos 90 têm contratos a prazo, quase o triplo dos nascidos antes de 1980. Se antigamente se associavam os contratos a prazo ao início de vida laboral, que, posteriormente, se convertiam a contratos permanentes, hoje apenas 15% dos contratos a prazo são convertidos a contratos permanentes. Esta realidade faz com que as novas gerações tardem muito a ter condições para uma vida independente, longe da alçada dos pais.
Diferenças intergeracionais significativas no acesso a subsídios
Nos anos 40, 70% dos descontos eram devolvidos a título das diferentes prestações, enquanto que esse rácio é de apenas 23% no caso de gerações nascidas, por exemplo, na década de 70. Numa análise detalhada, o autor do estudo verificou que grande parte dessa diferenciação não vem do subsídio de doença ou parentalidade, por exemplo, mas sobretudo do efeito do subsídio de desemprego, uma vez que tende a ser utilizado em grande medida por trabalhadores mais velhos.
O que sugere o autor do estudo para contrariar estas tendências?
Passando de uma componente mais prática do estudo para uma componente mais subjetiva, Pedro S. Martins propõe algumas soluções ao nível das políticas públicas, para aliviar a iniquidade intergeracional verificada na análise:
- Equacionar ajustes aos mecanismos de determinação de salário, permitindo maior diferenciação entre empresas e setores com níveis de produtividade diferentes e facilitando a realocação dos trabalhadores, nomeadamente dos mais jovens, para atividades mais produtivas e com melhores remunerações;
- Contrariar a perda do impacto económico da educação junto dos mais jovens, através da melhoria da qualidade da educação, do ajuste dos conteúdos dos diferentes cursos às necessidades das empresas, e do reforço do sistema de informação do mercado de trabalho;
- Redução da volatilidade da macroeconomia – Se o mercado de trabalho for confrontado com variações muito grandes a este nível, isto induzirá efeitos de forma diferenciada para trabalhadores de diferentes gerações. “Tudo o que puder ser efeito a nível da diminuição das crises a nível nacional vai criar condições para uma maior equidade, não condicionando trabalhadores que nasceram numa altura específica. Como medidas específicas, o autor do estudo sugere, por exemplo, políticas orçamentais contra-cíclicas e políticas ativas de emprego, nomeadamente se direcionadas para os desempregados jovens;
- Converter contratos de trabalho a termo a contratos sem termo;
- Corrigir os desequilíbrios entre gerações quanto às contribuições e recebimentos da Segurança Social, nomeadamente na vertente do subsídio de desemprego, evitando a sua utilização como “ponte” para a reforma e considerando o seu alargamento junto das gerações mais jovens.
Em jeito de conclusão Miguel Poiares Maduro, presidente do Conselho Científico do Fórum Gulbenkian Futuro, enfatiza a relevância deste tipo de estudos, focados na equidade intergeracional.
“O objetivo principal do Fórum é, precisamente, contribuir para políticas públicas informadas ao longo de várias gerações e isso faz-se quer promovendo o debate, criando condições para uma opinião pública mais informada, quer através do desenvolvimento de metodologias, como esta, que permitam testar o impacto intergeracional. Desta forma, podemos ajudar também os decisores políticos com dados e ferramentas, no sentido de incorporarem nos seus processos de decisão este tipo de análise.”
Pode consultar o estudo, na íntegra, aqui.