Pedro Norton de Matos
Diretor do GreenFest
Numa sociedade pouco eficiente na gestão dos recursos em geral, constitui um enorme desafio a gestão do capital humano. Com efeito, vivemos na sociedade do desperdício e na nossa economia desperdiçamos água potável, alimentos, energia, materiais e o talento das pessoas, quer na vertente organizacional, quer na vertente de cidadania. Temos um enorme caminho a percorrer para gerir com eficácia todos esses recursos e uma boa fonte de inspiração deve ser a natureza que nos ensina o desperdício zero ou como Lavoisier enunciou “na natureza, nada se perde e tudo se transforma”. Será uma utopia? Creio que não.
Num passado não muito longínquo, antes da consagração da sociedade do hiperconsumo e do descartável, os recursos eram geridos de uma forma muito mais racional e os princípios da economia circular e da partilha, que agora estabelecemos como objectivo, estiveram bem presentes. Procuremos então voltar para o “back to basics“, agora num enquadramento distinto e numa economia em profunda transformação digital. Apostemos num desenvolvimento sustentável.
No domínio da gestão das pessoas em clima de vertiginosa mudança, impõem-se os valores da colaboração e partilha.
Uma equipa heterogénea poderá ser mais desafiante de liderar, mas seguramente assegura melhor desempenho e tem a capacidade de inovar.
De novo, a natureza é pródiga em exemplos da prática desses valores, seja no mundo animal ou vegetal. A título de exemplo, as colónias de formigas ou abelhas, ilustram-no bem e constituem-se como sociedades extremamente bem organizadas em que o bem colectivo se sobrepõe ao individual. Só cooperando sobrevivem e prosperam. Igual exemplo podemos encontrar nas florestas e bosques autóctones, em que a união faz a força e cada exemplar tem a sua função. Como infelizmente se constata, quando o “Homem” interfere, tende a desequilibrar o sábio ecossistema podendo torná-lo insustentável.
As smart cities e outras facetas do “admirável mundo novo” têm muito a aprender com os exemplos enumerados. Tal implica uma atitude menos arrogante e antropocêntrica, considerando o “Homem” parte do ecossistema e não seu dono e senhor.
A aceleração da mudança que a economia digital vai imprimindo requer pessoas com novas capacidades e competências, resgatando muitos dos valores das comunidades tradicionais. A colaboração, empatia, valorização da diversidade, entre outras, são factores críticos de sucesso. São as chamadas soft skills imprescindíveis no domínio profissional ou no exercício de uma cidadania activa. Em contraste, muitas das hard skills tendem a ser commodities passíveis de obsolescência acelerada, como os avanços tecnológicos na forma de Inteligência Artificial têm vindo a evidenciar. A maior parte dos empregos como os conhecemos hoje desaparecerá num futuro próximo.
Estamos preparados?
Um dos grandes desafios é desenvolvermos competências nas soft skills, que se venham a traduzir em comportamentos observáveis consistentes. Esse é o perfil dos grandes líderes em organizações ou comunidades abertas. É uma grande mudança e desafio civilizacional, pois as últimas gerações cresceram e muitas com “sucesso”, em ambiente de grande individualismo e competitividade não saudável. As organizações e instituições tradicionais estão organizadas de forma piramidal com uma forte e rígida componente hierárquica, muito inspirada em modelos militares e na economia pós-revolução industrial, dificultando qualquer comunicação que não seja unidireccional e no sentido top down. Em algumas instituições tal modelo organizacional e cultura subjacente têm permitido prolongar a burocracia que só pode sobreviver nessas condições, pois é totalmente adversa à fluída comunicação aberta e transversal. Essa inércia organizacional é um enorme obstáculo ao desenvolvimento e inovação.
Segundo Darwin, sobrevivem e prosperam os que melhor se adaptam. A economia digital requer e exige profundas alterações.
O advento de outras formas de organização, nomeadamente em forma matricial e/ou em rede, permite um outro tipo de comunicação, fundamental em economias abertas e globalizadas. A tecnologia é um bom facilitador das organizações em rede, permitindo através de ferramentas colaborativas alterar por completo a noção tradicional de espaço e tempo. As equipas, mesmo que em diversos pontos geográficos, podem comunicar entre si e desenvolver projectos cooperativos. Os mais dinâmicos projectos científicos de investigação e desenvolvimento em vários domínios, adoptam essa aproximação mista com enormes ganhos.
É inevitável que as empresas que operam em mercados abertos incorporem nos seus valores e consequentemente nos comportamentos quotidianos, uma cultura colaborativa e adaptativa. Há que ter em conta que as organizações e as comunidades têm várias gerações e grupos etários nas suas fileiras, que reagem de forma diversa a estímulos, não havendo definitivamente receitas universais. As motivações intrínsecas são diferentes e a forma de gerir e liderar tem que ter em consideração essas variáveis. As boas notícias são que os comportamentos, através do treino, são passíveis de ser alterados apesar da dificuldade e complexidade que implica a mudança de hábitos. Os novos comportamentos têm que ser repetidos muitas vezes para se transformarem em hábitos saudáveis.
As equipas de alto desempenho são constituídas por pessoas que se sentem envolvidas e comprometidas com o projecto(s) e que estão alinhadas com a missão, visão e valores da instituição. A energia é canalizada para objectivos comuns. Zero ou pouco desperdício. Tal aplica-se a colaboradores das organizações, como a cidadãos inseridos nas suas comunidades. Da mesma forma que um carro que esteja desalinhado e que gasta mais energia e pneus se torna mais vulnerável a acidentes, assim estão as organizações cuja cultura de liderança não assegure o alinhamento, envolvimento e compromisso dos seus colaboradores, para com os objectivos comuns.
Concluo, partilhando a convicção que na era digital uma das formas de humanização pode ser feita através das soft skills e da reconexão com a natureza, pois esses atributos podem tornar-se intemporais. Se descurarmos essas capacidades e perdermos a empatia, aí sim os robots saem vencedores.