Por Sandra Pinheiro
Dramaturga e Formadora
Didaskalia – Teatro empresarial
Nas conversas sobre liderança há, quase sempre, um tema que surge de forma recorrente: a liderança deve ser algo espontâneo (ou inato) ou uma competência que se desenvolve?
Trabalhando eu com líderes há quase 20 anos, a minha resposta é fácil de adivinhar. Acredito no desenvolvimento da liderança, mas também defendo que é fundamental que a ferramenta por excelência do líder (a comunicação) seja espontânea. E é aí que as técnicas teatrais de improviso fazem uma grande diferença.
De que forma?
O improviso é fundamental no teatro e faz parte da preparação do ator. Um espetáculo de teatro demora, por norma, mais de um mês a preparar, com trabalho diário intensivo. A preparação passa por compreender o texto, o contexto, o enredo, as personagens, as motivações… para mencionar apenas alguns aspetos. São raros os gestores se preparam para uma reunião com um cliente, colaboradores, ou uma apresentação perante centenas de pessoas, como um ator quando sobe ao palco. O ator tem tudo controlado, e sabe que, se algo falhar, irá ter sucesso, porque a sua formação os preparou também para o improviso. Ou seja, se algo não correr como o previsto, todos os atores em palco ativam os princípios do improviso e agem de acordo com os mesmos. E isso dá-lhes uma segurança redobrada.
As técnicas de improviso não substituem a formação em liderança. São, isso sim, um poderoso complemento, com benefício para o líder e para os elementos das suas equipas. Garantem ao líder uma maior tranquilidade com a sua capacidade de resposta perante o imprevisto, com reflexos diretos nos colaboradores, independentemente dos modelos de liderança utilizados.
Existem vários princípios de teatro de improviso, na Didaskalia trabalhamos fundamentalmente com seis, preparando os líderes para os ativarem sempre que necessário. Vivendo em pleno mundo VUCA, esta necessidade torna-se quase uma recorrência, o que torna a necesidade de usar as técnicas de improviso ainda mais premente.
1 – A confiança
A confiança é a base nas equipas de improvisadores. Se não existir confiança plena, o improviso não funciona e o espetáculo está condenado ao fracasso. É neste tópico que a formação e Improv’ed Leadership mais se aproxima da formação tradicional de liderança. É fundamental que o líder confie na sua equipa e que a confiança seja mútua. Enquanto o líder não desenvolver essa confiança, será mais difícil implementar os outros princípios de forma articulada.
Como se pode desenvolver a confiança? Em relação com o outro, conhecendo cada elemento da equipa. No nosso caso, trabalhamos com arquétipos de personagens, cenários e um conjunto de exercícios que permite aos líderes conhecer melhor os seus colaboradores e definir a medida da confiança e um plano de desenvolvimento para a mesma.
2 – Espontaneidade
A espontaneidade na comunicação diária com os colaboradores e colegas é fundamental e um dos pilares através dos quais se desenvolve a confiança. A autenticidade valoriza a pessoa, a criatividade, mas também traz riscos. O nosso papel é refletir com os líderes que os benefícios da espontaneidade superam largamente os riscos e que, cabe ao líder não só ser espontâneo e autêntico com a sua equipa, mas incentivar a espontaneidade no seio da mesma, mitigando os riscos e criando um ambiente seguro para todos os envolvidos. Como é que isto se faz? Não censurando ideias, cultivar a experimentação e celebrar o fracasso como forma de aprendizagem, para referir alguns exemplos.
3 – Aceitar ofertas
Aceitar ofertas é um dos princípios basilares do teatro de improviso. Tal como na liderança, existem escolas e modelos diferentes de improvisação teatral, mas são unânimes na importância deste princípio: aceitar ofertas. Como se traduz este princípio em liderança? Numa capacidade que o líder deve desenvolver para identificar como pode usar aquilo que lhe é trazido e construir em cima, acrescentando, complementando. Por outro lado, e não menos importante, na disseminação de uma cultura de aceitar ofertas na sua equipa, premiando a colaboração e a comunicação positiva entre todos. Construindo assim uma equipa mais coesa e otimista.
4 – Escuta e atenção
A escuta é outra das competências que os líderes desenvolvem amplamente na formação tradicional. Em teatro de improviso a escuta é uma das ferramentas mais importantes. Tudo o que é dito, a forma como é dito, e o que acontece quando é dito, são aproveitados para integrar no espetáculo. Por um lado, para uma oferta poder ser aceite, tem de ser identificada enquanto oferta. Por outro, quando existe espontaneidade, a escuta ganha toda uma nova dimensão. A escuta pressupõe atenção a três dimensões: factos, emoções e intensões e expressam-se tanto verbalmente como não verbalmente. O nosso papel consiste em utilizar um conjunto de jogos e técnicas para conseguir decifrar estes três pilares.
5 – Storytelling
O storytelling é o segredo mais bem guardado dos líderes mais inspiradores. Aqui não falamos do storytelling/narrativa numa apresentação, como tem sido banalizado. É muito mais do que isso, é a criação e um propósito para a equipa, uma missão que o líder pode incutir nos seus colaboradores. Quando isto acontece, a motivação aparece, vinda de cada uma das pessoas que constitui a equipa. O storytelling na comunicação é importante e falamos sobre ele, mas para o líder, o storytelling tem de estar ligado ao objetivo da equipa e a forma como conduz a equipa para esse objetivo, os protagonistas, os antagonistas, o percalços que surgem e a forma como os superam, constituem a verdadeira história. O improvisador (líder) tem de ser isto presente e esta narrativa é que deve orientar todas as suas opções.
6 – Atuar com presença
Atuar com presença é o último dos princípios do teatro de improviso que adaptamos para a liderança. Está intimamente relacionado com a autoconfiança do líder e com a forma como é percecionado pelos seus colaboradores. Quem sou eu enquanto líder? Que características tenho? Sou reconhecido pelos meus pares e colaboradores pelos pontos que considero mais importantes? Que imagem projeto perante os outros? Que imagem tenho de mim enquanto líder? São estas algumas das perguntas que os líderes devem colocar, de forma a criarem a sua personagem de líder. Nunca no sentido de representação, mas numa ótica de interpretação, fazendo brilhar as competências que lhe permitam ser o protagonista da sua história de liderança.
Paul Simon disse uma vez que “o improviso é demasiado bom para ser deixado ao acaso.” Enquanto ferramenta, é das melhores que um líder pode ter, porque na verdade, até para improvisar é preciso saber.