Em entrevista à RHmagazine, Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, faz o ponto de situação sobre a Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho – designadamente, dos projetos-piloto dos novos modelos de organização do trabalho – e revela os planos do Governo para a requalificação profissional.
No âmbito da Agenda do Trabalho Digno, a oposição apresentou, no final de junho, 17 propostas para a revisão das leis laborais. O que é que evoluiu desde aí?
É importante começar por dizer que a Agenda do Trabalho Digno é um processo – com cerca de dois anos – que tem tido alguma maturação, sendo que, primeiramente, foi construído o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho. A partir deste, gerou-se um conjunto de conclusões sobre aquilo que deveria e poderia ser alterado na legislação laboral, mas também em termos de instrumentos de apoio e políticas ativas de emprego.
Trata-se, portanto, de um processo muito discutido, com objetivos voltados para o reforço da promoção do trabalho digno, da conciliação da vida pessoal, familiar e profissional e da dinamização do diálogo social e da contratação coletiva – os três grandes pontos da Agenda do Trabalho Digno, que foi aprovada em Conselho de Ministros e apresentada à Assembleia da República (AR). É, naturalmente, no espaço de discussão da AR que serão discutidas as afinações que se poderão, ou não, efetuar.
Em setembro, a Agenda do Trabalho Digno estará, certamente, nos trabalhos da AR, para que esta seja uma prioridade, sob pena de não ser possível posicionar Portugal como um país com boas condições para trabalhar. Contamos que, rapidamente, se possa concluir o processo legislativo.
Em que fase está o projeto-piloto para teste de novos modelos de organização do trabalho, designadamente a semana de trabalho de quatro dias?
Neste momento, está a ser feita uma avaliação comparativa com os restantes países do mundo, para saber de que modo estão a avançar neste tipo de projetos-piloto. O objetivo é pensar novas formas de organização do tempo de trabalho, porque é evidente que uma melhor conciliação da vida pessoal e familiar com a vida profissional se trata, cada vez mais, de um fator de atração dos trabalhadores.
A partir do levantamento de projetos realizados noutros países, está a ser preparado um grupo de trabalho que irá definir os requisitos para as empresas entrarem no programa. A ideia é que possamos começar os projetos piloto no início de 2023.
Que impacto considera que a regulamentação de modelos de trabalho flexíveis teria no mercado laboral nacional?
Num inquérito feito aos jovens, este ano, em vários países da Europa foi-lhes perguntado se se encontravam numa situação de precariedade ou de contrato não permanente por vontade própria ou por incapacidade de encontrar no mercado um contrato permanente. As respostas mostraram que cerca de 50% dos jovens estão numa situação involuntária de contrato não permanente, sendo que, em Portugal, isto aplica-se a mais de 80%.
É por isto que a Agenda do Trabalho Digno é tão importante, ao demonstrar, desde logo:
1) Preocupação em garantir trabalho digno no que toca à estabilidade no emprego, procurando combater a precariedade sem justificação, dado que não é aceitável que tenhamos 62% dos jovens em regime de contrato não permanente;
2) Preocupação com a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional, trazendo a regulação do teletrabalho, que prevê, entre outros aspetos, o direito à desconexão;
3) Valorização dos rendimentos do trabalho, procurando chegar àquela que é a média europeia do peso dos salários no PIB (Portugal está num diferencial de três pontos percentuais face à média europeia);
4) Uma grande aposta na flexibilidade ao nível do diálogo social, de modo a dar poder às partes – aos representantes de trabalhadores, às empresas – para encontrarem soluções que se customizem em função das realidades concretas.
Este tipo de medidas terá influência na proteção dos colaboradores?
O modelo que está a ser definido, referente aos projetos-piloto, pretende garantir que nunca haja diminuição de retribuição do trabalhador, mas sim uma redistribuição da forma como a organização de trabalho se executa. A Agenda do Trabalho Digno também teve a preocupação de enquadrar novas formas de trabalho, precisamente, para garantir que os trabalhadores não ficam de fora do sistema de proteção social – por exemplo, pela primeira vez, estamos a regular e a enquadrar os trabalhadores das plataformas digitais e criámos um visto para trabalhadores remotos exatamente com a preocupação de atrair profissionais para Portugal, garantindo que estes têm a sua situação claramente definida do ponto de vista de proteção social.
Além de limitar a quatro vezes a renovação dos contratos temporários, que outras medidas prevê o Governo no âmbito da Agenda?
Prevê-se que haja um quadro mínimo de recursos estáveis nas empresas de trabalho temporário, no fundo, para que aqueles trabalhadores que estão sempre a ser colocados em empresas diferentes tenham um vínculo estável com a empresa de trabalho temporário.
Foram, também, definidas regras exigentes quanto ao licenciamento de empresas de trabalho temporário. O objetivo é tentar eliminar do mercado empresas cujos administradores tenham sido condenados por trabalho não declarado, trazer a moralização do sistema e a credibilização das empresas de trabalho temporário. Neste âmbito, prevê-se, ainda, a fiscalização mais inteligente dos fenómenos de precariedade, com base no cruzamento de dados entre a Segurança Social e a Autoridade para as Condições do Trabalho, sem necessidade de deslocação às empresas.
A ideia é que possamos começar os projetos-piloto (para teste de novos modelos de organização do trabalho) no início de 2023
O Governo tem em vista planos de requalificação da população para nos tornarmos um país de mão de obra altamente qualificada?
Em 2021, assinou-se um acordo de formação em sede de concertação social, que assume com os parceiros sociais três grandes dimensões de intervenção:
1) Um investimento massivo no Programa Qualifica, um programa transversal para elevação das qualificações da população em geral.
De momento, temos cerca de 994 mil pessoas abrangidas por este programa, que as auxilia a terem a formação necessária para a conclusão do 12º ano;
2) Uma aposta estratégica focada nas competências e qualificações que acrescentam valor, das quais são exemplo as competências tecnológicas e digitais, competências na área ambiental e competências na área social.
Em 2020, em plena pandemia, foi lançado o programa “UPskill”, que é um compromisso tripartido entre empresas tecnológicas, sistemas de formação – o IEFP e o ensino superior – e os trabalhadores. As empresas tecnológicas definiram as competências de que precisavam, os sistemas de formação definiram os currículos à medida destas necessidades e muitos dos trabalhadores aceitaram mudar de vida para entrarem no projeto.
O IEFP paga uma bolsa de formação e as empresas de TI comprometem-se a absorver, pelo menos, 80% das pessoas, com um contrato permanente e com um salário que perfaz, no mínimo, duas vezes o salário mínimo nacional; 3) Programas de reconversão de trabalhadores, que ajudam pessoas e empresas a readaptarem-se às novas realidades no mercado, como o projeto “Reskilling for Employment”, iniciado no ano passado.
E o que tem sido feito para resolver a escassez de mão de obra para determinadas áreas em Portugal?
Acho que se deu um passo gigante na aprovação da lei que simplificou os vistos, criou-se o visto de procura de trabalho e os já referidos vistos para o trabalho remoto e para os nómadas digitais. Ao nível da simplificação de vistos, de referir também o acordo de mobilidade dos países da CPLP, que pode ser o transformador completo da capacidade de mobilidade de trabalhadores, para que estes não caiam em redes irregulares de migração.
Estamos também, pela primeira vez, a assumir a necessidade de nos posicionarmos internacionalmente como país para trabalhar, seja através de campanhas, seja através de uma feira de empregabilidade em Portugal, fora do país. A primeira feira vai acontecer no último trimestre deste ano, em Cabo Verde, para mostrar que oportunidades de emprego existem e quais as regras, de forma a garantir que as pessoas vêm de uma forma completamente inclusiva, integrada e digna.
Criámos um visto para trabalhadores remotos, com a preocupação de atrair profissionais para Portugal
Entrevista publicada na edição n.º 142 da RHmagazine, referente aos meses de setembro/outubro de 2022.
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