Autores: Maria Leonor Araújo, Doutoranda em Comportamento Organizacional no ISCSP – Universidade Lisboa; Helena Águeda Marujo, Professora Associada e Coordenadora-Adjunta da Unidade de Coordenação do ISCSP – Universidade de Lisboa; Miguel Pereira Lopes, Professor Associado e Coordenador da Unidade de Coordenação de GRH do ISCSP – Universidade de Lisboa.
Apesar do número considerável de estudos desenvolvidos sobre a compaixão a nível individual, associada a uma atitude empática com a condição humana ou com o sofrimento dos demais, surgiu a necessidade de se proceder à compreensão deste fenómeno nos contextos de trabalho.
Enquanto instituições humanas, as organizações são locais onde inevitavelmente as situações de sofrimento ou de maior vulnerabilidade dos indivíduos ocorrem, às quais os líderes e colaboradores não poderão ficar indiferentes. A título de exemplos, destacam-se as perdas de familiares ou de colegas de trabalho, as situações de doença ou de divórcio, ou ainda, a nível de gestão interna, mudanças organizacionais, restruturação ou despedimentos, com impacto negativo e doloroso nos colaboradores. Neste sentido, as situações de sofrimento ou de maior vulnerabilidade pessoal passam a ser consideradas pelos líderes, colaboradores e pela própria cultura institucional como aspetos significativos dos locais de trabalho e pelos investigadores como um importante tema de estudo.
O presente artigo define o que é a compaixão organizacional, identifica os seus principais benefícios para colaboradores e organizações e enumera um conjunto de características e práticas organizacionais que promovem a compaixão nas organizações.
A evolução do conceito de Compaixão Organizacional
O desenvolvimento do conceito de compaixão aplicado aos contextos de trabalho foi impulsionado pelo movimento teórico de estudos organizacionais positivos (Cameron, Dutton & Quinn, 2003), com o intuito inicial do aprofundamento de fenómenos positivos que funcionam nos contextos de trabalho como, por exemplo, forças e virtudes, tanto para as organizações como para os seus membros.
Um maior conhecimento do conceito de compaixão organizacional e da sua aplicabilidade enquanto resposta coletiva nos contextos de trabalho tem sido possível através do recente desenvolvimento de investigações, nacionais e internacionais. Nestes trabalhos, têm sido desenvolvidos modelos teóricos sobre a definição deste fenómeno, sobre os seus benefícios nos contextos de trabalho (a nível individual, relacional e organizacional) e analisando o papel facilitador de características e de práticas do sistema organizacional na legitimação dos pressupostos teóricos do processo de compaixão organizacional (Madden, Duchon, Madden, & Plowman, 2012).
A nível das pesquisas desenvolvidas sobre este fenómeno, na literatura dos estudos organizacionais foi dado um forte suporte ao modelo teórico sociológico tripartido de compaixão no trabalho (Kanov, et al., 2004) baseado em três subprocessos (ou dimensões): a) a perceção do sofrimento do outro; b) a expressão de sentimentos que se assemelham à preocupação empática face a esse sofrimento; e c) a resposta compassiva (ação) de modo a minimizar esse sofrimento no outro. Estes três subprocessos interagem, e em conjunto fazem aumentar a auto-organização da resposta coletiva de compaixão para minimizar o sofrimento dos colaboradores.
O desenvolvimento de modelos teóricos sobre o constructo de compaixão organizacional tem permitido uma maior compreensão deste complexo conceito. Por conseguinte, a concetualização deste fenómeno tem vindo a ser alvo de várias reformulações.
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A teoria sociológica constitui-se como um contributo fundamental para a redefinição de compaixão organizacional, sendo esta, por este prima, caracterizada como um fenómeno mais complexo, constituído por dimensões de âmbito interpessoal e social, e sujeito a influência de características a nível do contexto organizacional. São disso exemplo as interações sociais e as relações de poder, o estilo de liderança, as práticas e os valores preconizados. Complementarmente, foi defendido que, segundo a perspetiva sociológica, a legitimação da aceitação ou da recusa da ação de compaixão está pendente do tipo de julgamentos (perceções) efetuados entre o “doador” e o “recetor” face à situação de sofrimento. Considera-se também pendente do tipo de políticas, culturas e estruturas organizacionais (Simpson, Clegg, & Cunha, 2013).
Ao ser entendido como um processo interpessoal, social, dinâmico e de grande complexidade (Dutton, Workman & Hardin, 2014), a compaixão organizacional pressupõe, para além dos três subprocessos preconizados por Kanov e colaboradores (2004) já referido, um subprocesso cognitivo de carácter “avaliativo”, ou de “julgamento” de legitimação ou de recusa da ação (resposta) compassiva entre ambos os intervenientes (“doador” e “recetor”) relativamente ao episódio de sofrimento.
O modelo de compaixão organizacional desenvolvido por estes autores (Dutton et al., 2014) integra assim quatro dimensões, a saber: a) o “reconhecimento ou consciência” do sofrimento do outro (que ocorre quando o “sujeito que ajuda” toma consciência do sofrimento do outro no contexto laboral); b) “empatia”, que implica a tomada de perspetiva da dor/sofrimento do sujeito em sofrimento – “recetor”); c) “avaliação” (diz respeito à interpretação/perceção do sofrimento e das causas do merecimento por parte de ambos (“dador” – ator focal e “recetor” – em sofrimento) de modo a legitimar ou a recusar a ação compassiva; e d) “resposta compassiva” (diz respeito à promulgação de ações específicas com o intuito de reduzir o sofrimento de outras pessoas, podendo estas ações assumir várias formas, como: gestos de apoio emocional, fornecimento de bens materiais, escuta, expressões de empatia, flexibilidade no trabalho ou bens materiais.
A capacitação da auto-organização da resposta compassiva está pendente, a um nível contextual, conforme já foi referido, de características, práticas, recursos organizacionais, políticas e valores facilitadores ou inibidores de uma cultura de humanização das organizações (Dutton et al., 2014). Neste sentido, é considerada importante a existência de um alinhamento de características, de práticas e de valores compassivos (humanizados) no contexto organizacional.
De facto, quando uma organização é caracterizada pelo conjunto de características e valores como permeabilidade de normas, autonomia, flexibilidade, práticas de expressão e de reconhecimento, partilha de sentimentos, uma cultura caracterizada por valores humanos e por modelos de liderança compassiva, a capacidade de coordenação, interna à organização, de uma resposta coletiva compassiva, terá maiores probabilidades de emergir (Araújo, Marujo, & Lopes, 2016; Madden et al., 2012). Assim, ao percecionar a sua organização com tendo práticas e políticas compassivas, os profissionais tenderão a exibir comportamentos alinhados com essa cultura organizacional, como a preocupação, o cuidado com os demais ou a adoção de um estilo de liderança compassivo.
De referir ainda que o desenvolvimento de um estudo recente sobre a concetualização da compaixão organizacional (Araújo, Simpson, Marujo & Lopes, 2019) permitiu reformular a caracterização deste fenómeno como mais complexo e multidimensional, em particular, contendo dimensões contraditórias. Neste sentido, para além de envolver dimensões “interpessoais” que enfatizam a importância da empatia com o sofrimento e o cuidado com o outro (altruísmo), o conceito de compaixão organizacional está ainda associado a outras dimensões, de caráter racional, a nível “estratégico” ou “institucional” (sistema). A “compaixão estratégica” refere-se a iniciativas promovidas nas rotinas e práticas a nível institucional, que têm como objetivo, para além da redução do sofrimento, o alcance de outros aspetos, destacando-se a título de exemplo a satisfação dos profissionais, a criação de boas condições de trabalho e a reputação a nível de responsabilidade social.
Em alguns contextos de trabalho e sistemas (estruturas), quando as práticas de compaixão estratégica são apenas justificadas pelo lucro pessoal ou pela necessidade de maior reputação económica, não se poderá falar em compaixão (Simpson, Clegg, & Pitsis, 2014), na medida em que, nessas circunstâncias, os valores humanos compassivos poderão ser “colonizados” pelos sistemas (estruturas) e pelas culturas.
De facto, na ciência organizacional têm sido enfatizados os pressupostos teóricos de que, nos ambientes de trabalho, as práticas estão enquadradas nas características do sistema estrutural das organizações – como o tipo de políticas, normas, cultura e valores (Wagner, Newell, & Picooli, 2010). Neste sentido, a mobilização da resposta coletiva compassiva estará pendente das características e práticas preconizadas nas organizações.
Neste sentido, é defendido que as ações compassivas são legitimadas pelas características compassivas organizacionais, quando os ambientes de trabalho estão em consonância com uma cultura preconizada por valores humanizados, práticas de valorização, flexibilidade, autonomia (Araújo et al., 2016), de suporte dos colaboradores e um estilo de liderança compassiva (Dutton et al., 2014).
Benefícios de Compaixão Organizacional
Paralelamente aos estudos teóricos sobre a definição deste constructo, têm sido desenvolvidas várias pesquisas sobre os efeitos deste fenómeno nos locais de trabalho, a nível organizacional e individual.
Quanto aos benefícios deste fenómeno a nível individual e relacional destacam-se, a título de exemplo, o aumento de espirais de confiança partilhada e um maior compromisso afetivo; melhorias na capacidade de percecionar o sofrimento do outro; a expressão de emoções positivas nos contextos de trabalho; uma maior motivação para o trabalho e o bem-estar e o desenvolvimento de atitudes prosociais por parte dos colaboradores, como a preocupação e o cuidado com os demais (e.g., Rego, Ribeiro, & Cunha, 2010).
De facto, ao percecionarem atitudes de suporte da sua organização a práticas compassivas, com base nos pressupostos teóricos de trocas sociais recíprocas, os profissionais estarão mais motivados para, nestas circunstâncias, retribuírem semelhantes comportamentos prosociais, culminando esta espiral na melhoria da qualidade de relacionamentos. Os profissionais poderão estar, nessas circunstâncias, mais atentos, empáticos e recetivos face aos colegas em sofrimento ou que estão em posição de maior vulnerabilidade, de modo a minimizar o sofrimento e as dificuldades dos demais o que, por seu turno, potenciará a generalização de emoções positivas, como o sentimento de honra em pertencer à organização e a motivação para o trabalho (e.g., Lilius et al., 2008).
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O desenvolvimento de outras pesquisas sobre benefícios de compaixão organizacional a nível material, relacionados com as tarefas de trabalho, permitiu ainda a constatação de repercussões destas práticas a nível de um maior compromisso, envolvimento e dedicação dos profissionais com a organização e, também, numa melhoria do seu desempenho no trabalho (Dutton et al., 2010).
É igualmente preconizado que, quando os profissionais percecionam a sua organização com valores e respostas coletivas compassivas (como por exemplo de reconhecimento, atenção e de valorização), tenderão a generalizar os mesmos e a procurar novos significados e propósitos nos seus trabalhos (Wrzesniewski, LoBuglio, Dutton & Berg, 2013). Nestas circunstâncias, prevê-se que os indivíduos possam estar mais envolvidos no seu trabalho e em melhores condições para mobilizar, por sua iniciativa, comportamentos que visem a redefinição das suas tarefas ou dos seus relacionamentos, com vista a alcançarem um maior ajustamento às suas motivações e aos seus interesses no trabalho.
Adicionalmente, outros estudos demonstraram uma relação positiva entre perceção de virtudes (incluindo a capacidade de resposta de compaixão no trabalho) e os comportamentos de moldagem individual do trabalho (Hur, Moon & Rhee, 2015), que se referem a iniciativas por parte dos profissionais para a redefinição/alteração e ajustamento dos seus papéis, tarefas e relacionamentos nas organizações (Wrzesniewski & Dutton, 2001).
Conclusão
O maior conhecimento teórico deste constructo, entendido como um fenómeno complexo e multidimensional, com efeitos benéficos para os indivíduos e organizações, constitui uma oportunidade para a reflexão quanto à forma de integração das dimensões (ainda que contraditórias) de compaixão nos contextos de trabalho, de modo a que este fenómeno se constitua como benéfico nas práticas e políticas de gestão das pessoas e das organizações.
Na gestão organizacional, os líderes deverão estar atentos aos aspetos que poderão limitar a prática do fenómeno de compaixão organizacional, como o tipo de estruturas, de valores, de cultura e de sistemas (político, social…).
Os líderes e gestores deverão, também, estar atentos ao que facilita essas práticas compassivas. Para além do maior conhecimento de quais são as caraterísticas e práticas sistémicas (ver Tabela 1) que parecem facilitar o processo de compaixão no trabalho (e.g., flexibilidade, qualidade dos relacionamentos, práticas de suporte e de reconhecimento), deverão estar recetivos a práticas de comunicação, ou um diálogo alinhado e de partilha com os colaboradores sobre os valores humanos e de respeito, que poderão facilitar com que a compaixão no trabalho se torne benéfica (ou positiva) para os indivíduos e organizações.
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Referências:
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