Autor: Mário Ceitil, Presidente da APG (Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas)
Há assuntos que, não sendo novos, vão adquirindo com o tempo e, sobretudo, com a investigação e a prática, novos contornos, novos significados e, a eles associados, nova importância nos contextos da gestão.
Um destes temas é, sem dúvida, a gestão das emoções ou, como talvez seja mais adequado dizer-se, a gestão do importante papel que os sentimentos são chamados a desempenhar em praticamente todas as áreas e domínios de intervenção, e muito particularmente no que respeita à gestão das pessoas nas organizações.
Como exemplo deste papel, e da respetiva importância, podemos começar por citar algo que hoje já toda a gente sabe, embora nem sempre se faça disso o devido uso: Refiro-me em concreto ao peso e relevância que a relação com os líderes tem na motivação dos seus colaboradores, sendo um dos elementos mais fortemente determinantes na retenção dos talentos… ou na sua fuga.
Esta relação tornou-se evidente e mereceu ampla divulgação mundial a partir da publicação de um estudo realizado pela Gallup Organization (Zipkin, 2000), que abrangeu dois milhões de empregados de setecentas empresas e que concluiu que o tempo de permanência de um empregado numa mesma empresa e a sua respetiva produtividade eram basicamente determinados, e passo a citar, “pelo relacionamento que estabelecem com o seu responsável imediato”. Por outras palavras, “as pessoas com bons chefes (good bosses) apresentavam quatro vezes menos probabilidades de deixar a sua empresa do que as pessoas com maus chefes (poor bosses) (op.cit)”.
Esse estudo, a par de outras contribuições de relevo, veio chamar a atenção da comunidade empresarial para a importância do desenvolvimento, nos líderes, de competências de liderança onde a emoção e a empatia tinham um papel de relevo e onde a sensibilidade e a abertura aos aspetos mais especificamente humanos da relação de trabalho deveriam tornar-se prevalecentes.
Este efeito de transformar a gestão num tema mais “emocionante”, se marcam realmente uma viragem histórica para que as relações de trabalho passem a tornar-se mais humanas, também tem sido aproveitado, como é aliás habitual acontecer nestas áreas, para que líderes menos escrupulosos possam aproveitar algumas das técnicas inspiradas nestes modelos para as usarem menos como estratégias de suporte ao crescimento pessoal dos seus colaboradores mas mais como simples táticas de manipulação.
Que os mais crédulos se não choquem com esta afirmação, porque esta prática de “liderança” é, como se costuma dizer, “mais velha do que a terra”.
O ponto é que, todavia, as coisas evoluem e a evolução para uma maior “inteligentização” do trabalho, a par de outras tendências que se têm traduzido numa efetiva maior dignificação do “ser humano organizacional”, têm gerado alterações realmente importantes em todos os processos que implicam relacionamento humano. Essas alterações, que têm inequivocamente vindo a ser caracterizadas por uma progressão do “simples” para o “complexo”, e do “uniforme” para o “multiforme”, são elas próprias instituintes de uma nova forma de encarar a gestão das pessoas, consideradas cada vez mais a partir de uma perspetiva de “pessoa total”.
E é aí que o papel dos sentimentos pode ser de enorme importância para dar “mais verdade” aos processos de influência motivacional.
Partamos de uma premissa simples: Hoje, as pessoas são mais inteligentes, mais maduras, mais conscientes de si próprias e até mais seguras da sua própria autorregulação emocional. Por isso, já não se deixam manipular facilmente com discursos ou atitudes que, operatoriamente, são pensados e executados mais como coreografias de espetáculo do que expressões de uma atitude de verdadeira autenticidade e integridade por parte dos seus líderes.
Essas coreografias são pensadas e executadas para gerar as reações químicas e espontâneas a que chamamos “emoções”. No entanto, uma emoção é, por definição, uma coisa passageira e a excitação concomitante só se torna significado consistente e coerente quando for permeabilizada pela mente.
Ou seja, se procurarmos influenciar uma pessoa apenas com base em coreografias emocionais, sem uma relação clara com conteúdos relevantes, o efeito produzido será meramente ocasional e não contribuirá para uma alteração do modo de pensar dessa pessoa. Pelo contrário, se o processo emocional for permeabilizado pela mente do recetor da mensagem e for considerado por este relevante, a “ressonância “ emocional perdurará e poderá ter uma influência mais profunda no mindset do recetor.
As três palavras mágicas para que tal possa acontecer são: Integridade, Autenticidade e Relevância. E se é possível fazer uma mímica de disfarce quando queremos exibir a alguém uma emoção que realmente não sentimos, já não é tão fácil fazê-lo se não formos autênticos, íntegros e se o assunto em causa não tiver relevância para o nosso interlocutor.
Só através de práticas que evidenciem estas três entidades podemos suscitar no recetor sentimentos que perdurem e que possam corresponder à função mais nobre e profunda que Damásio lhes atribui: “os sentimentos servem de sentinela” e “assistem à gestão da vida” (Damásio, 2020).
É por isso que certas práticas de liderança não conseguem nem conseguirão alcançar o objetivo final a que supostamente se propõem: porque aos respetivos líderes, embora exibam com facilidade artefactos e posturas que possam suscitar estímulos emocionalmente competentes, faltar-lhes-á a profundidade do sentimento que lhes dê o “toque humano” para os tornar realmente credíveis.
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REFERÊNCIAS
Damásio, A. (2020). Sentir e Saber. Lisboa: Temas e Debates – Círculo de Leitores
Zipkin, A. (2000, May 31). The Wisdom of Thoughtfullness. New York Times, pp. C1, C10