As novas formas de organização do trabalho desafiam a gestão de recursos humanos (GRH) a reinventar os seus modelos e a integrar no seu portefólio ferramentas que ajudem as empresas a lidar eficazmente com as mudanças ao nível tecnológico e comportamental que estão a emergir no trabalho e nas empresas.
As tendências…
O relatório «Creating people advantage 2013», conduzido pelo Boston Consulting Group (BCG) em parceria com a European Association for People Management, coloca no topo das prioridades das empresas europeias três tópicos no âmbito da gestão de recursos humanos: 1) talent management and leadership, 2) engagement, behavior and culture management e 3) HR analytics: strategic workforce planning and reporting. Esta hierarquização resulta da perceção das empresas europeias sobre a importância no futuro de cada uma destas áreas e da sua capacidade para gerirem de forma eficaz as questões que as mesmas suscitam. Em relação aos tópicos tradicionais da GRH, o mesmo relatório assinala que as empresas se sentem bem preparadas para lidarem com os assuntos relativos aos processos de 1) training and people development e 2) recruiting: branding, hiring and onboarding, ao mesmo tempo que sublinha a relevância que ambos continuarão a ter no futuro na GRH, embora antecipando uma diminuição dessa importância deste último. Já a área de performance management and rewards situa-se a meio da tabela em ambos os critérios − importância futura e capacidade das empresas para gerirem as questões que lhes estão associadas.
Estas conclusões do estudo do BCG merecem ser analisadas.
A inevitabilidade do talento
Algumas das expectativas mais vincadas das pessoas com talento crítico numa dada empresa são: quererem preservar e fazer respeitar os seus sistemas de valores, manter e evidenciar a sua identidade, satisfazer as suas motivações e aprofundar os seus interesses de vida. É por isso que um dos grandes desafios das empresas é o de serem capazes de se tornarem espaços de satisfação de tais expectativas, ao mesmo tempo que fortalecem os seus modelos e processos de negócio e reforçam a sua produtividade. Caso não o façam, quem perde são as empresas. E porquê? Porque os talentos têm e não abrem mão da sua própria agenda. E, como encaram o trabalho como uma forma de realização individual e de bem-estar pessoal e não um meio de ganhar dinheiro para viver, não estão dispostos a alterá-la, pelo que abandonam a empresa quando percebem que não têm essa oportunidade, deixando os gestores à beira de um ataque de nervos, porque sabem que a sustentabilidade das empresas que gerem depende mais do que nunca deste tipo de pessoas.
Lidar com o talento
Admito que uma das razões que levaram as empresas europeias a colocar no topo da sua lista de prioridades no estudo do BCG a gestão e a liderança do talento é o reconhecimento da sua inevitabilidade conjugado com a necessidade de aprenderem a trabalhar e a conviver com ele no trabalho e nas empresas, porque tal implica modelos e ferramentas diferentes dos que têm e ainda são dominantes − modelos que precisam que a gestão compreenda que é preciso substituir práticas de planeamento e controlo castradoras da manifestação do talento por sistemas e procedimentos de trabalho que otimizem o esforço e os recursos utilizados, mas que não matem a ação, a inovação e a criatividade indispensáveis à competitividade das empresas, e ferramentas que promovam uma cultura que sobreponha a autoridade ao autoritarismo e em que a necessidade de satisfação dos impulsos do ego seja substituída pela análise objetiva das situações e dos resultados obtidos, para que as decisões sejam tomadas com critério sem serem influenciadas por desejos pessoais que nada têm que ver com o trabalho e com a sua gestão.
Criação de cultura de compromisso
Mas se o talento é incontornável, as empresas precisam de ter presente que a crescente complexidade associada aos modelos e processos de negócio requer mais especialização e, por conseguinte, mais diferenciação, mais e mais aprofundado conhecimento, mais e mais diversidade de pessoas. Terá sido esta nova realidade que colocou na agenda das empresas europeias a preocupação com a gestão do compromisso, do comportamento e da cultura. Porquê? Porque, nas empresas, quanto maior é a diferenciação, maior é a necessidade de integração. E se a tecnologia resolve as questões relacionadas com a integração ao nível dos sistemas e dos processos, ficam por resolver os imperativos de alinhamento do comportamento e da ação das pessoas, um aspeto não despiciendo, pois são elas que detêm, partilham e usam esse recurso crítico e diferenciador na criação sustentada de valor nas empresas de hoje − o conhecimento.
Modelação da ação e do comportamento
O estudo do BCG, ao relevar a necessidade de as empresas gerirem a cultura, o comportamento e o compromisso, desafia a GRH a desenvolver e a implementar modelos e ferramentas que contribuam para definir princípios que parametrizem a ação e o comportamento das pessoas, de modo a emergir uma cultura que alicerce uma identidade que expresse valores consistentes com a visão e com a ambição da empresa, porque quando os princípios que enformam a cultura e a identidade das empresas são traduzidos na prática do dia a dia, a implementação da visão e a concretização da ambição ficam mais facilitadas e a sustentabilidade de posicionamentos diferenciados e únicos garantida: os produtos e os processos são copiáveis pelos concorrentes, mas a cultura e a identidade corporativa que os sustenta dificilmente são transponíveis de uma empresa para outra. E, já agora, reduz-se a probabilidade de ocorrerem situações, no mínimo inconvenientes, como a da Enron, empresa cujos dirigentes expunham com orgulho na entrada principal das instalações os valores corporativos de «integridade», «comunicação», «respeito» e «excelência», apesar de a terem levado à bancarrota e à falência em 2001.
Projeção da força de trabalho
Em relação à antecipação da força de trabalho necessária no futuro, as empresas inquiridas no estudo relevam a importância dos modelos HR analytics, dada a sua eficácia na antecipação das necessidades em termos de qualidade de talento, de conhecimento e de expertise para fazer avançar as empresas, tornando-as mais competitivas. Trata-se de ferramentas que permitem medir o retorno potencial dos investimentos efetuados em capital humano, ao mesmo tempo que antecipam o contributo das pessoas para o desempenho, a produtividade e a rentabilidade futura da empresa, criando assim condições para alinhar a GRH com a estratégia. Procuram, no fundo, medir para avaliar tendências na evolução e no impacto da força de trabalho no desempenho futuro da empresa, através de processos estruturados de tratamento de dados e de gestão de informação. São modelos complementares das ferramentas de HR metrics, porque estas últimas centram-se no tratamento de dados sobre o desempenho e a caraterização da força de trabalho no presente e no passado, mas não antecipam o perfil e a dimensão da força de trabalho requerida para fazer face à estratégia no futuro.
Antecipar o futuro através da informação
Produzir informação que permita às empresas antecipar e planear necessidades de talento, conhecimento e expertise não é uma prática corrente na generalidade das nossas empresas, mas é indispensável, porque as ferramentas HR analytics produzem informação estruturada sobre como: 1) elevar os índices de compromisso e de motivação de grupos específicos de pessoas, 2) desenvolver novas capacidades e atualizar competências através da aprendizagem e da partilha de conhecimento entre áreas da empresa, 3) compreender o impacto das qualificações das pessoas no desempenho do todo e 4) identificar os fatores que tornam os processos de liderança mais eficazes. Trata-se, em suma, de ferramentas crescentemente requeridas nas empresas que querem mais do que uma GRH que aborda casuisticamente e à pressa as necessidades de capital humano requerido no futuro para operacionalizar com sucesso estratégias de negócio.
Formação e posicionamento
Em relação à formação e ao desenvolvimento de pessoas, o relatório do BCG considera que se trata do tópico tradicional da GRH que mais vai acentuar a sua importância no futuro. É também a área que as empresas europeias consideram estar mais bem capacitadas para gerir. Estes resultados fazem sentido: afinal são os modelos e as ferramentas de formação e desenvolvimento que mais têm contribuído (e contribuem) para atualizar as competências das pessoas, para responderem com sucesso aos desafios decorrentes da inovação tecnológica, da evolução dos conteúdos das funções e da implementação das estratégias de negócio e de operações. Em certa medida, as empresas europeias sentem que se trata de uma área que tem contribuído e vai continuar a contribuir para atualizar as competências funcionais das pessoas e das equipas necessárias à operacionalização de competências empresariais requeridas por posicionamentos percebidos como distintos e únicos pelo mercado.
Desafios da formação e desenvolvimento
Todavia, sendo uma área tradicional da GRH, é também a que conhece e conhecerá transformações mais significativas, por três motivos: 1) a aprendizagem nas empresas não pode ignorar as oportunidades que a web proporciona ao nível do tratamento pedagógico e de distribuição de conteúdos, da estrutura dos processos e respetivas atividades formativas e dos suportes de operacionalização das práticas e ferramentas facilitadoras da aprendizagem − as novas técnicas de operacionalização do método ativo, como a combinação do jogo e das simulações em plataformas digitais ou da utilização da história como elemento de simplificação da complexidade concetual e de reforço do foco e da atenção dos formandos, técnicas conhecidas pelas expressões anglo-saxónicas gamification e storytelling, são dois bons exemplos dessas oportunidades; 2) os millenials (geração nascida entre 1980 e 2000 e que vai acentuar a sua influência nas empresas) têm um conjunto de interesses, um sistema de valores, motivos de vida e até uma estrutura cognitiva muito diferentes dos das gerações que os antecederam, desafiando as abordagens e as metodologias tradicionais de formação e desenvolvimento a ajustarem-se para responderem ao perfil de exigências de aprendizagem que esta importante força de trabalho irá colocar nas empresas, do ponto de vista dos conteúdos e das metodologias de aprendizagem; 3) pela primeira vez na história da humanidade coabitam nas empresas quatro gerações distintas (tradicionalista, baby boomers, geração x e millenial), cada uma com atitudes, comportamentos, expectativas e motivações diferentes, o que, parecendo num primeiro momento uma ameaça, é, em si mesmo, uma oportunidade, uma vez que proporciona às empresas a possibilidade de acederem, transferirem e disseminarem internamente, entre estes quatro grupos de profissionais, conhecimento, nomeadamente na sua forma tácita, indispensável à atualização de competências empresariais e funcionais, críticas para a implementação dos seus modelos, processos e estratégias de negócio, bem como para as suas operações.
A diferença está na aprendizagem
As empresas que participaram no estudo do BCG consideram que estão bem capacitadas para gerir o recrutamento, embora considerem que a sua importância vai diminuir no futuro. Estes resultados, na minha perspetiva, não retiram qualquer valor a este processo tradicional da GRH. Penso, isso sim, que as empresas inquiridas no estudo sentem que a sua configuração atual precisa de ser repensada, em termos de conteúdo e de processo, para responder às interrogações que levantam, em linha, de resto, com outros sinais que surgem em relação ao paradigma tradicional na área do recrutamento: Laszlo Bock, head of people da Google, afirmou recentemente numa entrevista ao New York Times que privilegia mais a atitude e a habilidade para aprender demonstrada pelos candidatos às posições que pretendem preencher do que o respetivo quociente de inteligência. Mais: afirma que as escolas e as universidades que hoje são tidas como referência estão a produzir graduados sem a «humildade intelectual» necessária à manifestação de uma atitude que considera indispensável ao sucesso das empresas nos dias de hoje: saber aprender com os outros. Porque, para ele, mais do que nunca, são precisas pessoas que sejam capazes de pensar no mérito e na bondade do que ouvem ou veem naqueles com quem convivem e trabalham no dia a dia, sem se colocarem num patamar de superioridade ou «arrogância intelectual».
Primado da pessoa sobre a técnica
As empresas parecem estar, assim, a antecipar uma abordagem ao recrutamento em que os aspetos cognitivos dos candidatos precisam de continuar a ser avaliados mas, em paralelo, é tão ou mais importante atender aos aspetos relacionais e carateriais. Trata-se de uma nova realidade a que não deve ser alheia a necessidade que as empresas sentem de adaptar as suas formas de organização do trabalho às exigências de mobilidade e de disponibilidade das pessoas: hoje há empresas que deixaram de controlar a pontualidade e a presença no posto de trabalho para passarem a controlar a qualidade e os resultados do trabalho. Modelos em que as competências técnicas são obviamente necessárias, mas que não bastam per se: precisam de estar alicerçadas num sistema de valores e de interesses individuais que potencie a manifestação de comportamentos alinhados com as metas e os objetivos corporativos e consistentes com a cultura da empresa. É uma perspetiva que tem na base a firme convicção de que o know-how técnico é necessário à manifestação das competências requeridas na função, mas sobrepô-lo aos princípios e valores dos candidatos não faz sentido.
Gestão do desempenho: do eu ao nós
A gestão do desempenho e das remunerações são os tópicos da GRH que as empresas europeias se sentem menos capacitadas para abordar. O estudo antecipa ainda uma diminuição da sua importância relativa no futuro, comparativamente aos restantes cinco tópicos aqui abordados, provavelmente porque se torna cada vez mais difícil ligar desempenhos específicos a pessoas específicas, uma vez que o desempenho é crescentemente uma contingência da qualidade e da eficácia dos relacionamentos profissionais que se estabelecem entre as pessoas e no seio das equipas de trabalho. Cada um, por si, dificilmente concretiza algo de significativo, pelo menos de forma continuada. Uma tendência que se acentua, porque nos atuais contextos de trabalho a construção de um dado resultado requer pessoas que mobilizam competências multifacetadas, dificultando assim a indexação, de forma consistente, rigorosa e direta, do desempenho x à pessoa y. Ou seja: os desempenhos e os resultados alcançados nas empresas acomodam crescentemente os contributos de diferentes pessoas, sendo muito difícil alocá-los a pessoas específicas.
Olhar em frente
Os resultados do estudo do BCG, em matéria de gestão de desempenho e de compensações, deverão estar relacionados com a necessidade sentida por muitas empresas de repensarem os seus sistemas e processos de gestão de desempenho, porque o propósito que esteve na base da sua implementação foi a necessidade de identificar, de forma rigorosa e com critério, as pessoas que deveriam ser compensadas devido à exceção dos seus desempenhos. Mas como tais ferramentas assentam na avaliação do desempenho numa lógica passada e, como vimos, é cada vez mais difícil associar os desempenhos a pessoas, hoje sentem necessidade de as redesenhar de modo a focá-las na melhoria do desempenho e no desenvolvimento das pessoas no futuro. Ou seja: mais do que gerir o desempenho para avaliar e compensar os contributos individuais para o resultado final, gere-se o desempenho para desenvolver as pessoas e melhorar o desempenho individual no futuro. Porque, cada vez mais, o que marca a diferença são empresas e pessoas que olham em frente, com atitude, confiança e a certeza de sucesso, em vez de pessoas que perdem tempo excessivo a discutir o passado. E em muitos dos modelos de gestão de desempenho e de compensações ainda impera essa lógica.
POR: José Duarte Dias – Managing partner da Paradoxo Humano
Artigo publicado na RHmagazine (Edição nº 91)