Autora:
Rita Fontinha, Co-coordenadora do “Programa-Piloto Semana de 4 Dias”
O tópico da semana de quatro dias tem gerado opiniões bastante diversas, não só na sociedade portuguesa como no resto do mundo. Enquanto alguns a encaram como uma solução de futuro, com vantagens para empresas e trabalhadores, outros consideram-na irrealista e nefasta.
A melhor forma de abordar este tópico perpassa então por contemplar os dados conhecidos até ao momento.
O que é uma semana de trabalho de quatro dias?
Importa primeiro clarificar no que consiste a semana de quatro dias. Será que uma semana de trabalho de quatro dias pode significar trabalhar 40 horas em 4 dias? Este modelo de semana de trabalho comprimida é usado por algumas empresas. Contudo, as empresas que o utilizam têm a jornada diária bastante alargada, o que pode trazer problemas em termos de equilíbrio trabalho-vida para os trabalhadores.
Partindo desta premissa, todos os testes-piloto à semana de quatro dias, coordenados pela associação sem fins lucrativos Four Day Week Global, implicam uma redução do número médio de horas de trabalho semanal. O programa-piloto que agora decorre em Portugal também pressupõe que terá de haver uma redução efetiva do número de horas de trabalho médio semanal. O modelo mais desejável seria o da transição de uma semana de 40 para 32 horas de trabalho. No entanto, o processo de transição, nalgumas empresas, poderá ser mais prolongado, não permitindo uma transição imediata de 40 para 32 horas semanais. Assim, para que uma empresa possa integrar o estudo piloto em Portugal, terá de reduzir uma semana de trabalho de 40 horas, para uma média de 36 horas semanais, no mínimo.
Esta redução horária não poderá nunca implicar uma redução salarial! Oferecer uma semana de quatro dias, não significa passar os trabalhadores para um regime de tempo parcial com cortes salariais.
Como a pandemia reavivou o interesse pela semana de quatro dias?
A ideia de reduzir o número de horas de trabalho com vista a uma semana de trabalho de quatro dias adveio do raciocínio keynesiano de que o desenvolvimento tecnológico iria aumentar a produtividade, o que diminuiria a necessidade de trabalhar um número tão elevado de horas (Keynes, 1930).
Ao longo das últimas décadas, os tópicos do equilíbrio trabalho-vida têm sido alvo de grande interesse por parte de gestores de recursos humanos e pela sociedade em geral. Muitos destes debates prendem-se com os elevados níveis de burnout e com a questão do papel da tecnologia e a deterioração das fronteiras entre o trabalho e a vida pessoal (Wepfer et al., 2018).
A pandemia veio criar um contexto forçado no qual muitos trabalhadores foram obrigados a trabalhar a partir de casa. Este contexto catalisou o debate acerca da maior ou menor importância que deve ser dada ao local onde trabalhamos. A ideia de efemeridade da vida exacerbada pela pandemia, o aumento do burnout (Abramson, 2022) e os fenómenos da great resignation e do quiet quitting (Fletcher, 2022) deram também destaque à questão de quanto tempo da vida se deve passar a trabalhar. É neste âmbito que se enquadram os debates em torno da semana de quatro dias.
Benefícios para os trabalhadores
Embora a ideia de implementar uma semana de quatro dias, como forma de reorganizar o trabalho, seja prévia à pandemia, o contexto pandémico aumentou o interesse sobre o tema e alterou as opiniões de gestores e trabalhadores acerca do mesmo, tal como demons- tram os resultados do relatório do estudo conduzido por James T. Walker e Rita Fontinha da Henley Business School (2022).
O referido estudo iniciou-se em 2019, pré-pandemia, com o intuito de inquirir empresas e trabalhadores acerca do tópico da semana de quatro dias. O questionário foi repetido em novembro de 2021, em fase de recuperação da pandemia. Contou com a participação de 500 líderes de negócio e 2000 colaboradores em cada um dos momentos do estudo. Este design longitudinal, com dois painéis independentes de respostas, permitiu concluir que as atitudes dos líderes de negócio e dos trabalhadores em relação à semana de quatro dias, bem como a qualquer formato de trabalho flexível, se tornaram significativamente mais favoráveis no momento pós pandemia.
Os resultados do estudo em questão revelam também que a mudança para uma semana de quatro dias tende a ser encarada de forma bastante favorável pelos colaboradores, os quais reportam maior engagement, satisfação laboral e equilíbrio trabalho-vida. O dia de descanso extra é aproveitado para passar mais tempo com a família (67%) e os amigos (66%), para fazer compras (58%) e cozinhar (59%). Muitos aproveitam também para realizar atividades de lazer relevantes para a economia, nomeadamente, 48% afirmam que comeria em restaurantes, 45% dedicar-se-ia a praticar desporto e 38% a apoiar a prática desportiva como espectador. Por outro lado, 44% dos inquiridos usaria o tempo disponível para melhorar competências a nível da carreira, 36% dedicar-se-ia ao voluntariado e, por fim, 32% trabalharia noutra atividade remunerada.
Poupanças e custos para as empresas
Muitas das opiniões que, atualmente, se opõem à implementação de uma semana de quatro dias elencam os custos iniciais que adviriam da necessidade de contratar mais pessoas. Estas preocupações não devem ser ignoradas.
De facto, há setores nos quais a relação entre a produtividade e o tempo de trabalho estão mais diretamente relacionados. Por exemplo, no setor da saúde, a quantidade de trabalho dependerá muito do volume de pacientes, porém, o médico ou enfermeiro tem de estar presente no serviço. Tal situação ocorre similarmente em setores como a indústria, na qual a produtividade estará mais dependente do tempo trabalhado. Nestes setores, caso haja uma transição para uma semana de quatro dias, é natural que tenham de ser recrutados mais colaboradores, o que implica incorrer em custos adicionais. No entanto, poderá haver importantes poupanças a longo prazo que poderão estar a ser ignoradas.
No inquérito desenvolvido pela Henley Business School perguntámos a líderes de negócio de empresas que já implementam uma semana de quatro dias por iniciativa própria, quais os custos e quais as poupanças que advieram desta implementação. Os resultados indicaram que, em média, os custos iniciais foram suplantados por poupanças a longo prazo. Calculámos quais as poupanças para a economia do Reino Unido, se todas as empresas com caraterísticas idênticas às da nossa amostra implementassem uma semana de quatro dias. Nesse caso, as poupanças seriam de 104 biliões de libras, o que representaria 2.2% do volume de negócios das empresas do Reino Unido em 2021.
A questão que se coloca é a seguinte: como é que estas empresas tiveram poupanças superiores aos custos? Importa salientar que as empresas reportaram um aumento da produtividade. Todavia, será que podemos confiar neste dado? A verdade é que esta é uma medida auto reportada, pelo que as métricas de produtividade podem ser mais ou menos objetivas, dependendo do setor e da função do trabalhador na empresa. Neste sentido, serão necessários dados mais detalhados de modo a afirmar seguramente um aumento de produtividade.
Saliente-se, no entanto, que há outras métricas mais objetivas, as quais refletem importantes poupanças com custos intermédios. As empresas reportaram uma redução significativa das taxas de absentismo, ou seja, o número de pessoas a tirar baixas médicas reduziu substancial- mente. Paralelamente, os custos com a atração e retenção de recursos humanos reduziram drasticamente. Os colaboradores que usufruem de uma semana de trabalho de quatro dias não querem sair das suas empresas e torna-se muito mais fácil atrair novos candidatos. De um modo geral, a imagem social corporativa das empresas melhora e esta publicidade traz-lhes vantagens competitivas.
Os resultados do estudo da Henley Business School são corroborados pelos dados que têm vindo a ser apresentados pela Four Day Week Global, a qual tem coordenado os testes-piloto no Reino Unido, Áustralia, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e Irlanda e está também envolvida na implementação do projeto-piloto em Portugal.
Ainda restam muitas questões acerca da semana de quatro dias. A sua implementação irá ser mais fácil em setores que já usam o trabalho flexível, comparativamente com outros que implicam trabalho presencial. Nestes setores, uma transição abrupta pode trazer custos relevantes, mas os dados indicam que a adoção da medida poderá trazer um importante retorno a longo prazo.
Conclui-se, deste modo, que o mais importante é não crer em opiniões que ditam verdades absolutas e reconhecer as vantagens e limitações deste modelo em diferentes organizações, seguindo as idiossincrasias que indicam os dados.
No que se refere à semana de quatro dias, o importante será encontrar o equilíbrio entre a ponderação e a audácia, no sentido de delinear a vantagem competitiva da sua organização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Abramson, A. (2022, January 1). Burnout and stress are everywhere. APA. https://www.apa.org/monitor/2022/01/special-burnout-stress;
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Fletcher, P. (2022, 9 de Novembro). How quiet quitting became the next big phase in the great resignation. Forbes. https://www.forbes.com/sites/forbeshumanre- sourcescouncil/2022/11/09/how-quiet- quitting-became-the-next-big-phase-in- the-great-resignation/?sh=347cb8672dae;
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Henley Business School (2022). The four-day week: The pandemic and the evolution of flexible working. https:// assets.henley.ac.uk/v3/fileUploads/ Four-day-week-white-paper-FINAL.pdf;
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Keynes, J. M. (1930). Economic Possibilities for our Grandchildren (1930). In J. M. Keynes (Ed.), Essays in Persuasion (pp. 358-373). Harcourt Brace;
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Wepfer, A.G., Allen, T.D., Brauchli, R., Jenny, G. J., & Bauer, G. F. (2018). Work-Life Boundaries and Well-Being: Does Work-to- Life Integration Impair Well-Being through Lack of Recovery?. Journal of Business and Psychology, 33, 727–740. https:// doi.org/10.1007/s10869-017-9520-y.
Artigo Técnico publicado na Edição 145 da RHmagazine, referente aos meses de março e abril de 2023