Paula Pina de Almeida
Docente do Instituto Politécnico de Tomar
Sónia P. Gonçalves
Docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
O reforço das medidas legislativas que visam controlar os processos psicossociais associados ao assédio moral em contexto de trabalho. O assédio moral é um tema que tem vindo a ganhar relevância, não porque se trate de uma nova questão nas relações jurídico-laborais, mas sim de um velho problema social e humano que assumiu contornos muito mais preocupantes quando as pessoas passaram a padecer de doenças associadas a tal comportamento abusivo. Estudos nacionais estimam a prevalência de assédio moral em 16,5% (Torres et al., 2016), o que coloca Portugal acima da média europeia de 4,1% (Eurofound, 2015).
A primeira referência normativa ao “assédio” no local de trabalho surgiu no Código de Trabalho de 2003, procedendo-se à transposição da diretiva 96/203, do Conselho e do Parlamento, que sofreu alterações pela reformulação da norma comunitária, por via da diretiva 2006/54, de 5 de julho, que alertou para a necessidade de erradicar tal comportamento que atenta contra os direitos fundamentais do trabalhador, como sejam os de respeito e de segurança no trabalho.
Os recentes estudos revelam que a manutenção e mesmo agudização do fenómeno tem conduzido a jurisprudência nacional a alertar para os perigos dos comportamentos insidiosos, levando o legislador nacional a aprovar uma nova norma, a Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto de 2017, que visa reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio no setor privado e na Administração Pública, tornando mais gravosa a atuação do empregador que consubstancie assédio.
O que é o assédio?
Assim, devemos caracterizar este fenómeno como um conjunto de atos de natureza diversa, intimidatórios, constrangedores ou humilhantes,”(…) nocivos ou indesejados” (Pereira, 2009, p. 72), ocorridos no âmbito de uma relação laboral, que objetivamente atentam contra os direitos fundamentais do trabalhador, designadamente, a sua dignidade e integridade física e moral. Acresce uma exigência de sistematização desses comportamentos, característica que se revela não só através da reiteração das condutas ofensivas, devendo estas ser prolongadas no tempo, mas também pela realização conjunta de vários atos que se complementam na prossecução do fim a que se destinam.
Assim, devemos caracterizar este fenómeno como um conjunto de atos de natureza diversa, intimidatórios, constrangedores ou humilhantes,”(…) nocivos ou indesejados” (Pereira, 2009, p. 72), ocorridos no âmbito de uma relação laboral, que objetivamente atentam contra os direitos fundamentais do trabalhador, designadamente, a sua dignidade e integridade física e moral. Acresce uma exigência de sistematização desses comportamentos, característica que se revela não só através da reiteração das condutas ofensivas, devendo estas ser prolongadas no tempo, mas também pela realização conjunta de vários atos que se complementam na prossecução do fim a que se destinam.
Porém, devemos reforçar a posição dos autores que sustentam a não necessidade de se verificar uma determinada intencionalidade (Pereira, 2009). Na verdade, não se nos afigura que seja requisito de assédio moral um qualquer propósito subjetivo, sendo o critério volitivo “acidental e não essencial” (Navarrete, 2007). A este propósito podemos invocar um provérbio bem popular que nos diz que “de boas intenções, está o inferno cheio” para nos alertar para o facto de a inexistência de intenção não poder funcionar como um fator desculpante do comportamento.
Claro que existem situações de pressão ou desconforto decorrentes do contexto laboral que não podem ser qualificadas como assédio, tais como stress, conflitos interpessoais e organizacionais, agressões verbais ocasionais, condições de trabalho que não respeitem as regras de segurança e salubridade e, mesmo os constrangimentos profissionais, ou seja, o legítimo exercício do poder hierárquico e disciplinar na empresa (Hirigoyen, 2002).
Pelo contrário, podem ser assumidas atitudes que atentam, de forma flagrante, contra os direitos fundamentais de qualquer trabalhador, como sejam: atribuir trabalhos sem qualquer valor ou utilidade; rebaixar a pessoa, atribuindo-lhe trabalhos abaixo das suas capacidades profissionais ou das suas competências habituais; exercer contra a pessoa uma pressão indevida ou arbitrária; subestimar sistematicamente o esforço ou o seu êxito profissional ou atribui-lo a outros fatores, ou a terceiros; avaliar o seu trabalho de forma pouco equitativa ou de forma tendenciosa; ampliar e dramatizar de maneira injustificada erros pequenos e insignificantes ou menosprezar pessoal e profissionalmente a pessoa (Piñue & Oñate, 2002).
Não obstante, tal comportamento pode surgir em diferentes ambientes, algumas características ambientais podem facilitar a cultura desse assédio (Gil-Monte, 2014), tais como cultura organizacional que não sanciona os comportamentos intimidativos presenciados ou denunciados e em que o empregador se escusa ao exercício do poder disciplinar. Por outro lado, a precariedade ou insegurança no emprego que resulta da manutenção de vínculos instáveis. A falta de recursos ou má distribuição do trabalho, a par dos conflitos ao nível das funções desempenhadas também favorecem o surgimento de comportamentos de assédio moral.
A sujeição sistemática a comportamentos que produzem atentados à dignidade da vítima vai ter consequências, uma vez que “apesar de invisível, é concreto o risco à integridade, à saúde e até mesmo à vida do trabalhador, porque a humilhação prolongada pode decorrer desde o comprometimento da sua dignidade e seu relacionamento afetivo e social, como evoluir para a sua perturbação mental, incapacidade laborativa, depressão e até mesmo a morte” (Barreto, 2007, p. 49).
A Lei 73/2017, de 16 de agosto, veio alterar o artigo 127.º do Código do Trabalho, que impõe na alínea k), Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores, e na alínea l) Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho. Esta intervenção normativa denota a relevância das consequências para as vítimas e para as organizações deste fenómeno, tornando premente a adoção de medidas de prevenção práticas como a divulgação de informação sobre o que é assédio, quais as suas consequências, sanções, local e modo de obter ajuda e o compromisso de garantir a inexistência de represálias sobre os queixosos. A operacionalização destes dados fornecidos às vítimas concretizam-se na criação de procedimentos formais de queixa sobre eventuais situações de assédio, criação de uma linha anónima dentro das empresas ou organismos públicos vocacionadas para esta matéria, o envolvimento dos serviços internos e externos de segurança e saúde no trabalho com o objetivo de prevenir e combater situações de assédio e a garantia de confidencialidade. Claro que o pensamento do legislador deve incidir sobre a questão da prevenção, tal como evidenciam as decisões jurisprudenciais sobre o assédio moral que foram proferidas em território nacional, mas, o que fazer quando o risco já se concretizou? De facto, tem-se aceite que possam decorrer ações judiciais não só no âmbito laboral, mas também administrativo, civil e penal, designadamente nos ordenamentos francês, italiano e espanhol. A jurisprudência francesa debateu, ainda, a vantagem de se examinar no mesmo momento (na jurisdição laboral) todos os danos consequência do assédio moral, ou seja, na mesma ação discutir da licitude da rutura do contrato e da reparação dos prejuízos físicos e psíquicos, tendo concluído pela possibilidade de se intentar uma ação com base na responsabilidade civil (Bugada, 2007). O que interessa, fundamentalmente, é certificar que o dever de cuidado e prevenção, implicando a exigência de oferta de boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral (art.º 127.º, n.º1, al. c) do CT) e o dever de prevenção de riscos e doenças profissionais, estão consagrados no nosso Direito Laboral.