Graça Quintas
CCR Legal | Head of Labour Law
Joana Fernandes Bernardo
CCR Legal | Labour Law | Associate Lawyer
O mundo laboral, tal como o conhecemos, é hoje pautado por uma aceleração sem precedentes, por elevados níveis de exigência profissional e por uma multiplicidade de competências e de saberes impostos a uma escala cada vez mais global, quer às equipas técnicas, quer aos gestores/equipas de liderança. O advento das novas tecnologias e a sua plena integração no mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, veio impactar de forma muito significativa, o modo como se passaram a desenvolver as relações profissionais e interpessoais em contexto empresarial. Esta mudança de paradigma a que assistimos – fundada na conectividade permanente, na imediaticidade da demonstração de resultados e numa dinâmica de processos em constante mutação tecnológica – tem trazido às organizações a necessidade de dotarem as suas equipas de novas competências que lhes permitam enfrentar novos desafios, num quadro de eficácia, de elevado desempenho e de colaboração interpessoal cada vez mais efetiva.
Por outro lado, é inegável que a progressiva eliminação de barreiras entre a vida pessoal, familiar e profissional veio para ficar, o que, aliada às exigências de aumento dos índices de produtividade e de competitividade são fatores que contribuem, cada vez mais, para uma miscigenação de papéis que será necessariamente nociva para todos os profissionais que não consigam impor limites de razoabilidade a si próprios neste campo. É precisamente neste cenário que a síndrome de burnout (“SB”, do inglês “to burn out”, que significa “queimar por completo”, e que em português é traduzido para situação de esgotamento profissional, (mental e físico extremo) tem terreno fértil para se desenvolver. Com efeito, grande parte das situações de SB começam com fases de dedicação intensa aos projetos profissionais, a ponto de os profissionais negligenciarem a satisfação das suas necessidades pessoais mais básicas. Impõe-se, pois, perguntar: como poderão os empregadores diagnosticar a tempo, mitigar, ou até tentar erradicar das suas estruturas a eclosão deste tipo de fenómeno? Que recursos se terão que alocar para “apagar esses fogos”? Como evitar, como sucede no combate aos incêndios, a “Fase Charlie” – i.e., a fase mais crítica, em que os meios estão na sua máxima força – neste caso, aplicada a situações de potencial burnout de membros das suas equipas?
É evidente que o ambiente em que se exerce a atividade profissional é absolutamente preponderante na prevenção e no combate das situações de stress ocupacional, mas, apesar de este ser um fenómeno amplamente comentado e estudado, até como “potencial” doença relacionada com o trabalho, a lista de doenças profissionais ainda não contempla o burnout em todo o território nacional.
No entanto, a circunstância de o ordenamento jurídico não acompanhar, ainda, a velocidade a que a realidade laboral se desenvolve não deve, porém, desonerar ou afastar os empregadores de um exercício atento e responsável sobre as causas e impactos verificados na potencial afetação das suas equipas por esta síndrome. Nesse sentido, entendemos que (i) uma comunicação transparente, transversal e eficaz do projeto estratégico global da organização a toda a estrutura; (ii) uma definição concreta dos objetivos definidos para cada equipa e individualmente exigidos a cada colaborador; (iii) uma estipulação clara sobre as incumbências principais e responsabilidades cometidas a cada colaborador; (iv) uma eficaz gestão das expectativas recíprocas das partes e uma descrição detalhada do quadro dos seus direitos e deveres; (v) o fomento do desenvolvimento das capacidades e competências das equipas através de um adequado plano de formação; (vi) um sistema de avaliação de desempenho que tenha em linha de conta fatores objetivos e subjetivos aliados a um diálogo aberto, franco e permanente entre o “topo estratégico” e os colaboradores e respetivas estruturas representativas; (vii) uma adequada distribuição de trabalho e comunicação do que é esperado em cada etapa, em termos de delivery; (viii) a atribuição de boas condições de trabalho; (ix) uma negociação equilibrada de condições contratuais flexíveis e customizáveis face a cada colaborador são, entre outras, variáveis que contribuem para um grau de compromisso elevado da parte dos colaboradores, que se sentem considerados e “tidos em conta” no âmbito da estratégia de crescimento delineada por cada organização, sendo este provavelmente um caminho a seguir para evitar situações “incendiárias” e de deficiente comunicação, cujo foco advém, não raras vezes, de um sistema de gestão de recursos humanos com desconformidades na relação que estabelece com a sua força motriz: os seus colaboradores.
Neste campo, a adoção de um conjunto de boas práticas laborais que considerem, em interação de papéis, a posição relativa de cada um dos interlocutores, a capacidade de trabalho em equipa, o contexto geracional e cultural de base dos colaboradores e um conjunto de outras premissas relevantes será, sem dúvida, a chave de sucesso para a criação de ambientes de trabalho que sejam fortemente potenciadores do fomento de relações profissionais de qualidade no âmbito de cada organização e que sejam simultaneamente dissuasores de situações de burnout. Perante todos os desafios que se lhe deparam, e em detrimento da perspetiva positivista tradicional, fundada apenas em competências hard e no cumprimento estrito do quadro regulatório, sem olhar a outros aspetos de igual relevo que lhe deverão ser complementares, entendemos que o justo equilíbrio que almejamos só poderá ser atingido se puderem ser congregados para este processo relacional – quer da parte dos empregadores, quer dos colaboradores ao seu serviço – domínios que privilegiem a posição absoluta e relativa dos sujeitos, num clima de bom senso e de diálogo permanente, aberto e franco e de partilha de expectativas e responsabilidades recíprocas, que possam ser ajustáveis em função das circunstâncias concretas que, em cada momento se lhes deparam, sem esquecer uma vigilância periódica da saúde mental e física dos colaboradores como forma de combate e prevenção de problemas associados ao burnout.
Neste domínio, não podemos igualmente ignorar que parte muito relevante desta “sementeira” se verifica, de forma unilateral, a montante, apenas na esfera individual/pessoal de cada colaborador, em função de fatores de natureza psicossomática, familiar, da maior ou menor resistência pessoal e de desgaste físico e psicológico de cada indivíduo. Factores estes a que os empregadores são alheios mas que impacta na maior ou menor eficiência na resolução de desafios e na ultrapassagem de dificuldades que se podem vir igualmente a refletir em contexto organizacional.
É pois, no equilíbrio e na contínua interação deste binómio que residirá, segundo o entendemos, a capacidade de ambas as partes adotarem boas práticas em sinergia de esforços, o que em contexto real de trabalho, possam ser catalisadores de uma reinterpretação das valorizações de cada indivíduo, de uma avaliação em permanência do seu estado de saúde física e mental e de resistência e permeabilidade à mudança, bem como do nível de engagement corporativo evidenciado em cada momento, como forma de prevenir situações de emergência de colapso físico e mental, que se poderão evidenciar, se este acompanhamento for negligenciado ao longo da execução contratual. Como nota final o apelo é pois dirigido à congregação de esforços, no sentido de promover de se promover a adoção preventiva de boas práticas de gestão de RH que impactem positivamente sobre esta realidade, como forma de amortizar os indícios e de aniquilar a “Fase Charlie” deste flagelo, antes mesmo de o mesmo eclodir e provocar danos irreversíveis no indivíduo e na organização ao serviço do qual o mesmo se encontra.