Em 2020, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, em conjunto com o Instituto de Saúde Ambiental da Universidade de Lisboa e da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental identificava que 25% da população portuguesa apresentava sintomas de burnout.
O facto de, em 2020, Portugal (como o resto do mundo), estar a enfrentar uma situação nunca antes vivenciada, com consequentes confinamentos, contribuiu em larga escala para este paradigma.
No entanto, o STADA Health Report 2022 revelou que mais de metade dos portugueses (57%) consideram já ter estado perto de sofrer um burnout. Além de todas as consequências que o Covid-19 trouxe para a saúde mental dos portugueses, na origem deste agravamento pode estar, também, o facto de em Portugal, segundo a OCDE, se trabalhar uma média de 39,6 horas semanais.
No ranking da OCDE, Portugal está entre os países onde se trabalham mais horas semanais, em média, estando em pé de igualdade com a Polónia e estando apenas melhor do que Israel (40,7 horas), Chile (42,7 horas), Costa Rica (44 horas) e México (44,8 horas).
Ao mesmo tempo, estima-se que as empresas estejam a enfrentar grandes taxas de absentismo, o que lhes pode custar até 1,4% do seu volume de negócios, indicou a Ordem dos Psicólogos Portugueses num relatório publicado no início do ano.
As doenças mentais estão, na grande maioria dos casos, na origem das elevadas taxas de absentismo registadas. “Há, de facto, um aumento do absentismo nas empresas por problemas de saúde mental“, comenta Gustavo Jesus, médico psiquiatra e diretor clínico do PIN (Partners in Neuroscience) / consultor PIN Corporate. Para o profissional de saúde, o burnout é uma das patologias que mais está presente entre os colaboradores portugueses.
Nas suas causas, identifica, estão “o número de horas de trabalho e o excesso de carga de trabalho, mas também variáveis relacionadas com a organização do trabalho e com a cultura e valores organizacionais”.
Gustavo Jesus desmistifica, porém, que quando se fala em problemas problemas de saúde mental, deve ter-se em conta várias premissas, nomeadamente, “os quadros que não correspondem a doenças e, por outro, as próprias doenças mentais”.
“O primeiro grupo inclui o burnout (que se relaciona sempre com o trabalho) e situações transitórias de mal-estar mental com sintomas de tristeza ou ansiedade reativas a acontecimentos (dentro ou fora do trabalho). A vivência de stress psicológico intenso e sobretudo mantido no tempo é o que está na base da maior parte dessas experiências”. Tal como explica, estas variáveis incluem “fatores individuais”, como a fase da vida específicas de cada indivíduo e alguns traços da personalidade que “aumentem a tendência para a ansiedade (e que até podem ser agravados por certos contextos ambientais)”.
Por outro lado, devem considerar-se as variáveis relacionadas com os próprios fatores de stress: “maior duração e intensidade do stress aumentam a probabilidade de causar problemas”, diz Gustavo Jesus.
Assim, quando analisado o mercado de trabalho português e o panorama global, verifica-se que nas empresas, ainda não haverá a consciencialização mais eficaz da necessidade da promoção de um ambiente de trabalho saudável.
O que está, então, ao alcance das empresas para mitigarem o absentismo?
Primeiramente, devem analisar as causas da sua taxa de absentismo. O absentismo tem um alto impacto na força de trabalho total da empresa, sendo que as suas causas podem ser internas ou externas, passando, por exemplo, por doenças ocupacionais, sobrecarga de funções ou más condições de trabalho.
Depois, as empresas têm de repensar a forma como gerem as suas pessoas. Tal como explica Gustavo Jesus, “por vezes, na tentativa de otimizar os recursos humanos, dá-se a tentativa de aumentar a quantidade de trabalho sem alterar o número de pessoas para fazê-lo, à medida que se valoriza muito o ‘atingimento de objetivos’. Mas a carga de trabalho excessiva é precisamente um dos principais fatores de risco para o burnout“.
A autonomia para desenvolver o seu trabalho de forma livre e sob orientações claras é outra das apostas a ter em conta por parte das empresas, uma vez que uma maior autonomia no seio das equipas se irá refletir numa maior produtividade e motivação. “É tão potenciador de ansiedade a total ausência de autonomia, com vigilância permanente do que se faz e nenhuma liberdade para tomar qualquer tipo de decisão sobre o trabalho, como, no extremo oposto, total autonomia sem nenhuma orientação”, comenta o médico psiquiatra.
Ao mesmo tempo, afiança Gustavo Jesus, “a cultura empresarial é importante”. “Não basta que o CEO seja muito sensível ao tema, interessa que todas as lideranças intermédias contribuam para um clima de ‘segurança psicológica’, um conceito muito importante que implica que as pessoas sintam que as suas ideias são valorizadas, mesmo que não sejam seguidas, e que os seus erros não vão ser uma fonte de problemas ou de humilhação pública, até porque todos podemos errar”.
As empresas que não conseguirem ser bem-sucedidas em fomentar a segurança psicológica através dos estilos de liderança adequados correm, assim, o risco de obter um ambiente “tenso, de alto stress, pouca criatividade e baixa produtividade – para além de aumentarem o risco das doenças mentais mais comuns”, remata.
É cada vez mais premente a necessidade de as empresas investirem na promoção do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos seus recursos humanos. Não só do ponto de vista de atração e retenção de talento, mas devido ao facto de que numa empresa em que os colaboradores se sentem valorizados, terão mais interesse em dar mais de si, resultando em ganhos significativos para a empresa.
Assim, no dia em que se assinala o Dia do Trabalhador, Gustavo Jesus deixa o repto às organizações: “por um lado, para além da óbvia necessidade de respeitarem os tempos de trabalho e a razoabilidade na atribuição de tarefas, bem como o respeito pelo tempo livre das pessoas (em muitas empresas o telefone continua a tocar depois da hora de saída e ao fim-de-semana), é necessário que as organizações forneçam ferramentas aos colaboradores para que estes possam reconhecer quando estão em risco de burnout ou de doença mental”.
O profissional reforça ainda a necessidade de capacitar as lideranças através de programas de formação com vista à obtenção de competências necessárias para saberem identificar e agir perante possíveis casos de burnout nas suas equipas.