Autora: Joana Santos Silva, Diretora de Inovação e Professora de Estratégia do ISEG Executive Education
“The real competitive advantage in any business is one word only, which is ‘people’.” — Kamil Toume
A
o longo dos últimos meses e nas reuniões que tenho tido com empresas, são raras as ocasiões em que o tema da cultura está ausente. Tem sido uma tendência cada vez mais presente. Sinto que este é um tema de preocupação iminente para a maioria das organizações e que o mesmo é transversal.
O que estará a alimentar esta preocupação com a cultura organizacional? E será que este tema é apenas importante neste contexto de teletrabalho e de incerteza futura?
As organizações têm sofrido com a crescente dificuldade em atrair e reter talento. E parece que uma das chaves para resolver este desafio é a cultura da empresa.
Definir cultura organizacional é complexo, pois é algo intangível. A cultura é algo que se sente mais do que se descreve. A cultura de uma empresa molda a experiência diária dos colaboradores, faz que com o colaborador se sinta ou não integrado na empresa. A cultura emerge e nasce a partir do exercício estratégico da definição de valores, missão e visão. Contudo, não existe um modelo ou framework de tradução prática do exercício estratégico para a construção de uma cultura organizacional forte.
Existem vários desafios a respeito da cultura neste novo contexto. Por um lado, o facto de estarmos menos tempo fisicamente no local de trabalho traduz-se numa dificuldade acrescida de onboarding, engagement e disseminação da “rádio alcatifa”, que são todos elementos de extraordinária importância e que contribuem para a cultura da empresa. Eu própria mudei de organização há pouco menos de um ano e é difícil captar a cultura de uma organização a partir de um corredor essencialmente vazio. É difícil ficar enturmado num contexto que não permite interação presencial e informal. É fácil sentir-se a trabalhar por tarefas e sem real relação com a empresa. E ainda é muito mais provável perder um colaborador que não tenha sentimento de pertença.
Por outro, um estudo da Quantum Workplace também refere que os colaboradores sentem que o seu reconhecimento no local de trabalho diminui com o contexto pandémico e aumento do tempo de trabalho à distância. Uma cultura que não reflete reconhecimento e mérito dos colaboradores dificilmente atrai e retém colaboradores.
A forma como os seres humanos trabalham, se comportam e pensam transformou-se radicalmente nas últimas décadas. De acordo com um estudo de Harvard, 81% dos colaboradores pretendem mudar permanentemente a sua forma de trabalho. O “business as usual” do futuro será certamente outro. A pandemia teve um efeito acelerador e criou um ambiente de experimentação à escala global de flexwork e work from home, mas todos estes temas já se encontravam presentes no mundo do trabalho. O futuro do trabalho era um tópico já muito discutido. Assim, seria inevitável que a forma de gerir, formar e desenvolver pessoas tivesse de sofrer uma transformação radical. Contudo, a maioria das organizações continua a tentar aplicar modelos de gestão de pessoas desajustados da nova realidade e motivações pessoais dos colaboradores.
Isso reflete-se também na cultura. Inspirada no CEO da Hubspot, “a maioria das empresas tem culturas ancoradas nos anos 90 sendo que a cultura é para o recrutamento, o que o produto é para o marketing”. Ora, isso dificilmente faz sentido na perspetiva competitiva. Hoje, se uma organização tentasse vender um produto desenhado para as necessidades e gostos dos clientes de há três décadas a probabilidade de sucesso seria limitada (excetuando a tendência de “revival” da moda). Assim, o mesmo se aplica à cultura. O mundo mudou e as necessidades dos colaboradores são outras.
Atualmente, se uma empresa pretende transformar-se num íman de talento, tem de ter uma cultura única, porém adequada à realidade efetiva. A cultura ajuda a distinguir a empresa e destaca-a da concorrência de forma positiva ou negativa. Ajuda a atrair as pessoas com o “fit” certo para a empresa. Reflete bem o conceito de contratar baseado em valores e não em competências. Esta ideia é forte, pois reconhece que as competências hard são fáceis de ensinar, mas valores e personalidade são difíceis de moldar.
De acordo com o professor de estratégia, Jim Collins, as empresas mais bem-sucedidas são aquelas que têm uma cultura muito forte. Na sua perspetiva, uma cultura forte e coesa é algo que se traduz de forma clara a stakeholders internos e externos. É algo que, por exemplo, um cliente consegue sentir e descrever mesmo tratando-se de um “outsider”. Conseguimos descrever a empresa como se de uma pessoa se tratasse – a idade, o género, os seus hobbies, entre outros.
Não existe dúvida de que estamos no mundo da guerra do talento. Uma cultura forte reduz o turnover, melhora a performance, melhora a satisfação do cliente e retém o talento. Uma cultura forte envolve, reconhece, mas mais do que tudo inspira e apaixona as pessoas.
Como diz o CEO da Airbnb – “A cultura é simplesmente uma forma partilhada de fazer algo com paixão”. E, em última instância, é isso que qualquer organização pretende – pessoas apaixonadas, pois são as pessoas que fazem a diferença.