Autor: Mário Ceitil, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas, Formador, Docente Universitário e Membro do Conselho Nacional dos Psicólogos
Nos múltiplos trabalhos e reflexões sobre o tema da liderança, insistimos muito nas competências, atitudes e modos operacionais que os líderes usam (ou devem usar) para “levar a carta a Garcia”, o que, no caso, significa fazer com que “pessoas normais alcancem resultados extraordinários”. No entanto, ao colocarmos a ênfase no papel e na responsabilidade dos líderes, materializando a famosa máxima das teorias da comunicação que acentuam, quase como pressuposto ético/deontológico, que, nas interações humanas, a responsabilidade da comunicação está sempre no emissor, acabamos por esquecer, ou pelo menos minimizar, o papel crucial dos interlocutores que, no caso das lideranças, são os designados por “subordinados”, “colaboradores” ou, na versão “novo milénio”, os “stakeholders”, na concretização dos objetivos de eficácia dos planos e processos de comunicação.
Nas versões mais extremadas, como por exemplo, em certas aplicações práticas apressadas e acríticas da “liderança situacional”, os colaboradores são (ou, em versão mais otimista, eram) tratados como uma espécie de marionetas de cordel, respondendo aos estímulos condicionados – e condicionantes – dos líderes que os manejavam de acordo com uma agenda clara, para eles, mas muitas vezes escondida dos “marionetados”, que, agindo na maior parte das vezes de boa fé, nem se davam conta de que estavam de facto a ser tratados como meros peões de um jogo de xadrez, cujo verdadeiro alcance e objetivos lhes eram completamente alheios.
Mas hoje, felizmente, e graças às formidáveis conquistas de humanização das nossas sociedades e organizações, estamos já afastados dessa conceção profundamente mecanicista e redutora do papel das pessoas nas organizações, aproximando-nos, cada vez mais, tanto em teoria, como em práticas já muito expandidas, da ideia de que as pessoas – e cada pessoa em particular – têm um papel específico e extremamente importante a desempenhar no processo complexo de tornar as organizações estruturas rentáveis e fazedoras de experiências humanas estimulantes e enriquecedoras.
Ora, este processo, complexo e muito desafiante, não pode, nem deve, estar dependente exclusivamente das lideranças.
Desde logo, porque estatisticamente há muito mais liderados do que líderes e, sem desprimor para a importância das elites, os muitos milhões de pessoas que nunca foram líderes, também deram a sua contribuição, de uma forma ou de outra, para criar realidades menos imperfeitas do que as realidades anteriores.
As pessoas – e cada pessoa em particular – têm um papel específico e extremamente importante a desempenhar no processo complexo de tornar as organizações estruturas rentáveis e fazedoras de experiências humanas estimulantes e enriquecedoras
Por outro lado, quando tanto se fala e se escreve sobre líderes e lideranças, quase que se faz passar a ideia de que ser líder, estar líder ou tornar-se líder, é uma quase garantia para se alcançar um nível de humanidade superior, bem distinta daqueles que, mercê das suas qualidades alegadamente mais limitadas, nunca passarão de meros adereços na iconografia mítica dos heróis.
Sejamos claros: não há nenhuma obra de liderança que se concretize sem a colaboração dos liderados; e, muitas vezes, a ação dos liderados mina de tal modo as ações dos líderes que torna impossível qualquer empreendimento de um líder, por melhor que ele seja e por mais grandiloquentes que possam ser as suas competências.
Por isso, e quando pensamos em criar organizações de sucesso, há efetivamente lugar para um outro tipo de preocupações, e um outro tipo de intervenções, para aqueles que não são, nunca foram e nem quererão nunca ser líderes: uma intervenção que, para além da “leadership”, se foque no desenvolvimento das competências de “followership”.
Na verdade, é imperativo, nas nossas organizações, fazer alguma coisa em relação àqueles que, pelo facto de não serem líderes, enfrentam também o desafio de promover e expandir o seu próprio “human capital”, sem que isso tenha de passar necessariamente pela “batuta” dos líderes.
Cada pessoa tem a sua parte de responsabilidade no processo: se a responsabilidade de um líder é tornar-se num melhor líder, a responsabilidade de um colaborador é também tornar-se um melhor colaborador. Porque, no fundamental, a cada um, e a cada um de nós todos, compete essa derradeira e inalienável responsabilidade de cidadania que é sermos líderes de nós próprios.
Por outro lado, é preciso também fazer alguma coisa em relação àqueles outros que, não sendo líderes e tendo uma visão muito limitada dos limites da responsabilidade individual, acham que o seu papel nas organizações é simplesmente o de “bota-abaixo”, o estar sempre “do contra”, e cuja única utilização que fazem da imaginação é a de criar “alibis honrosos” para justificarem as suas posições reativas. E quando assestamos as nossas baterias apenas na formação dos líderes, estamos realmente a colocar nas suas costas toda a responsabilidade pela transformação dos comportamentos dos liderados, mais uma vez como se eles fossem meros recetáculos passivo-agressivos e apócrifos filiados numa organização de tipo “SARL” (Sujeitos Anónimos de Responsabilidade Limitada).
A cada um de nós compete a derradeira e inalienável responsabilidade de cidadania que é sermos líderes de nós próprios
É preciso, por isso, reinventar novas e mais ousadas ideias para promover o “engagement” e o “commitment” dos colaboradores, não a partir da ação “top-down” das lideranças, considerada aliás sempre indispensável, mas numa abordagem “bottom centered”, definindo o que é um “follower” eficaz e estabelecendo portfolios de competências gerais que todos os colaboradores deverão desenvolver para poderem perspetivar carreiras de sucesso, sem que os seus horizontes passem necessariamente pela ambição de se tornarem líderes (a não ser de si próprios, como já foi referido).
Há mais mundo para além dos líderes. Há a responsabilidade civil dos cidadãos e dos colaboradores das organizações, que não podem (ou pelo menos não devem) passar a vida a criticar, a queixar-se e a boicotar as decisões que vêm “de cima”, seja de que “cima” for. É preciso acabar com o exercício de auto inimputabilidade gloriosa do “eles”, que dá sempre o consolo catártico de haver por aí alguém a quem eu posso atribuir as culpas de todas as supostas “desgraças” que me acontecem.
É preciso, em suma, bafejar essas pessoas, e a todos nós, afinal, com o elixir da boa vontade, com a benesse da confiança e com a consciência ativa de que, qualquer que seja o entendimento que fizermos da nossa missão e qualquer que seja o papel específico que estivermos a desempenhar, é a nós que compete decidir qual o contributo que queremos dar e qual o legado que queremos deixar.
É preciso acabar com o exercício de auto inimputabilidade gloriosa do “eles”, que dá sempre o consolo catártico de haver por aí alguém a quem eu posso atribuir as culpas
Queremos ser “grandes”, mesmo não sendo líderes? Ou vamos placidamente deixar-nos submergir na confortável inconsequência da nossa pequenez?
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