Autor: Joana Santos Silva, professora e diretora de Inovação ISEG Educação Executiva e Consultor de Estratégia do Conselho de Administração ISEG
Em Portugal deveríamos estar muito orgulhosos! Ultrapassamos os 85% de população vacinada. Sobram poucos por vacinar. Estamos em primeiro lugar do pódio. Somos a encarnação da história da tartaruga e da lebre. (somos claramente a tartaruga…). Os números da pandemia parecem estar estabilizados, mas estamos com dificuldade em voltar ao “business as usual.” (contrariamente ao que sentimos no trânsito).
Todas as semanas interajo com inúmeras empresas, de sectores e áreas distintas que reclamam sobre as dificuldades em motivar o regresso dos colaboradores ao espaço do escritório.
Confesso que entendo a atração de trabalhar a partir do sofá, à frente de uma lareira, enrolado numa mantinha quando vier o inverno, mas as nossas casas não foram feitas para serem escritórios satélites. O ser humano, é um ser social e o momento do cafezinho com os colegas é por vezes mais importante para o bom decorrer do negócio do que qualquer reunião de equipa.
Na realidade, eu trabalho “a partir de casa” desde 2016, mas sempre em formato híbrido. Conheço bem o meu ritmo de trabalho, sei quais as tarefas que executo melhor no meu “bunker” caseiro e quais são mais bem executadas em comunidade. Tenho ainda uma vantagem acrescida, desde 2016 que não giro equipas ou pessoas. Giro-me a mim própria e nem isso é fácil… Para quem lidera pessoas, é notório a maior facilidade na concertação de tarefas quando estamos fisicamente próximos.
Na semana passada almoçava com um diretor de uma empresa que afirmava que as pessoas têm contratos que estipulam o local de trabalho e que o mesmo deveria ser cumprido. Na sua opinião, quem não quisesse aceitar estava no seu direito, mas para tal deveria rescindir o contrato. Apesar de concordar com a extrema racionalidade deste argumento, tenho dúvidas sobre o poder motivacional do mesmo juntos dos colaboradores.
Afinal, o que se passa? Porque é que temos um número significativo de pessoas que não querem regressar ao escritório? O preço da gasolina só justifica uma parte…
A nível mundial fala-se de uma tendência de abandono de emprego, de dificuldade em recrutar e de escassez de talento. Passámos de um mercado centrado e controlado pelo empregador para um mercado ditado pelo trabalhador. Em países com mercados laborais mais competitivos as estatísticas apontam para mais de 50% dos trabalhadores a considerarem abandonar o emprego.
Portugal não tem o privilégio de ter um mercado de trabalho tão robusto, mas acompanhamos no nosso estilo tímido esta tendência. Existem queixas em vários setores acerca da dificuldade da retoma da atividade por falta de pessoas. Em determinados negócios, a escassez de pessoas é ainda mais crítica do que a escassez de chips. Aliás, na semana passada a capa da revista Economist, anunciava a era da escassez. Será que isto também diz respeito às pessoas?
O que mais me choca neste regresso ao “novo normal” é que empresas criaram novas regras, mas com o mesmo mindset. Enquanto na era pré-covid os colaboradores tinham de estar presentes no local de trabalho das 9h às 18h, segunda a sexta, hoje proclamamos (por exemplo) 40% do horário a partir de casa em sistema rotativo por semana. Ora, mudámos a decisão, contudo estamos a prescrever uma solução “one size fits all”, sem flexibilidade e customização ao indivíduo.
Dito isto, quem define a forma de trabalho deverá ser a organização e não o colaborador. Foi sempre assim e para mim faz sentido. Contudo, esta definição deveria levar em linha de conta a estrutura, as funções, as capacidades e a vontade do colaborador. Acima de tudo, para qualquer sistema funcionar, o mesmo precisa de ser organizado em torno de outputs e medidas de produtividade objetivas. Assim, asseguramos equidade entre o colaborador que está todos os dias no escritório e aquele que trabalha a partir de casa.
Os modelos de flex-work não são novos e não foram inventados no COVID. As multinacionais contam com sistemas e procedimentos que permitem trabalhar à distância com inúmeros países e equipas virtuais há anos. (mesmo antes da existência do Zoom…) Há mais de 10 anos fiquei fascinada por uma empresa brasileira, Semco, que mudou totalmente a forma de gerir recursos humanos numa empresa de produção industrial, conseguindo aumentar performance e rentabilidade. O livro “Maverick- Virando a própria mesa” provoca o pensamento ao questionar a utilidade de horários rígidos e regras de assiduidade, introduz formas de concertação de equipas através da própria pressão dos pares, avaliação 360º e decisões de remuneração de grupo, como formas de garantir a eficiência produtiva ao invés as regras que nasceram na revolução industrial.
Hoje é o momento de questionar tudo, de realmente aprender com estes dois anos de revolução. Para tal, temos que evitar a decisão por regra única. Estas decisões baseadas em regras (rule-based decision making) são “business as usual” pré-covid. Não refletem nenhuma evolução na forma de tratar colaboradores e pensar o mundo de trabalho. Esta tomada de decisão não distingue o talento, não premeia as pessoas fora de série e não acomoda inovação. Na procura de manter uma equidade para todos, esquecemos que somos todos diferentes. Profissionais diferentes irão brilhar com “regras” diferentes e desenvolver-se-ão em modelos distintos.
Hoje, a luta pelo talento é global e os gestores portugueses precisam de realizar que o futuro do trabalho é hoje. A forma de integrar um colaborador, de avaliar o desempenho e de estruturar o seu trabalho é um fator crítico sucesso das organizações e pode constituir uma vantagem ou desvantagem competitiva para a organização (e para o país).