Autor: Mário Ceitil, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas, Formador, Docente Universitário e Membro do Conselho Nacional dos Psicólogos
Em vários cursos e conferências em que tenho participado sobre o tema do “work/life balance”, surgem quase sempre referências pessimistas relativamente à possibilidade de esse equilíbrio poder ser realmente concretizado na prática do dia-a-dia.
Há várias razões que são habitualmente invocadas para sustentar tal pessimismo: as pressões do trabalho são cada vez maiores, há cada vez mais objetivos a alcançar e muito menos tempo para dedicar a cada um deles, há constantes interrupções e prioridades de terceiros (especialmente das chefias) que se sobrepõem ao planeamento e à organização pessoal e por fim refere-se o excesso de informação, muitas vezes contraditória, veiculada por essas “instituições totalitárias” que são os telemóveis, os smartphones e os mails, que são apontados como os grandes fatores de dispersão.
Como o acervo de exemplos citados e de (supostas) evidências é habitualmente bastante prolixo, torna-se difícil sustentar a bondade da ideia do tal equilíbrio entre o “trabalho” e o suposto “não trabalho” (que no modelo é equivocamente designado por “life”, já que há muita gente que na “life” também opta por fazer “work”, embora de um género diferente), porque a realidade que nos é apresentada é, alegadamente, de tal modo caótica, que aparentemente não apresenta grandes possibilidades de saída.
O problema, no entanto, ou pelo menos grande parte dele, e ao contrário da nossa tendência para pensar que é fundamentalmente devido a causas externas, só se resolve quando admitirmos realmente que é em cada um de nós que residem as principais bases para a sua resolução, designadamente na nossa capacidade assertiva de disciplina, na clarividência estratégica sobre as nossas prioridades, na nossa capacidade de autorregulação emocional perante situações adversas e, principalmente, na nossa habilidade em treinar o nosso cérebro nessa difícil competência que é a focalização, considerada cada vez mais como a principal ferramenta da produtividade pessoal.
Na verdade, e de acordo com os neurocientistas, o nosso cérebro está programado para se focar numa só coisa de cada vez (e não vale a pena estarmos aqui a entrar nessa discussão peregrina sobre a “ubiquidade funcional” dos cérebros das mulheres, que alegadamente, e ao contrário dos homens, são capazes de fazer várias coisas em simultâneo).
Assim sendo, se dispersarmos a nossa atenção perante a presença de vários estímulos competitivos, o que vai acontecer é que, nas respostas que quisermos ou tivermos de dar a esses estímulos, teremos de repartir a atenção por cada um deles, acabando por gerar alguns défices nos “investimentos de atenção” respetivos, donde vai resultar, naturalmente, uma resposta menos eficaz do que aquela que poderíamos dar se dedicássemos uma mais concentrada atenção a cada um deles.
Se acrescentarmos a isto o facto de vivermos numa época onde, não só no trabalho, como em toda a sociedade, somos quotidianamente “bombardeados” por sobrecargas de estímulos, ainda para mais muitas vezes anacrónicos e contraditórios e carregados de significados emocionais intensos, o risco de dispersão é enorme, podendo mesmo conduzir àquilo que o neurocientista Earl Miller, em declarações ao Jornal Expresso de 27 de maio, designava como “um processo de degradação cognitiva”.
Se dispersarmos a nossa atenção perante a presença de vários estímulos competitivos, o que vai acontecer é que (…) teremos de repartir a atenção por cada um deles, acabando por gerar alguns défices nos “investimentos de atenção” respetivos, donde vai resultar (…) uma resposta menos eficaz
Perante estes cenários, e uma vez que nunca será possível controlarmos todas as variáveis que influenciam as nossas ações, há, sobretudo, que contar com a nossa capacidade pessoal para “fazermos passar o importante antes do urgente” e, sermos os verdadeiros “senhores do nosso destino”.
Claro que os fatores externos podem ser objetivamente dificultadores; a questão é que, muitos deles, embora fazendo parte do nosso grande “Círculo de Preocupação” (Covey), estão completamente fora do universo das coisas sobre as quais podemos agir diretamente, o nosso “Círculo de Influência” (Covey) que, embora sendo obviamente mais pequeno, é aquele onde podemos, e devemos, agir para a construção efetiva da nossa narrativa pessoal. Assim, todo o tempo e energia que dedicamos às tentativas de resolução de problemas que…não podemos resolver, é obviamente um verdadeiro desperdício do nosso capital cognitivo, emocional e até físico, que, esses sim, são os nossos verdadeiros “recursos humanos”.
Neste contexto, há talvez que repensar as lógicas que estão subjacentes às práticas de “multitasking” que, de acordo com as premissas da neurociência, atrás enunciadas, poderão não constituir o ideal de uma produtividade bem estruturada e sustentável.
Mas alguns dirão, e com razão: mas o “multitasking” não é necessariamente uma opção, mas sim uma inevitabilidade dos tempos que correm; as pessoas têm de fazer cada vez mais com menos, têm de responder a múltiplos desafios no tempo “normal” de trabalho, o que leva a que, para cumprir os objetivos que lhes são definidos, ou propostos, tenham que, das duas, uma, ou fazer mais coisas no mesmo período de tempo, ou então, como muitos fazem, “esticar o tempo” dedicado ao trabalho, remetendo o pretendido “work/life balance”, para o domínio mirífico dos lugares imaginários que nunca se alcançam.
A questão não é fácil e as soluções não são nem simples, nem lineares. No entanto, e se atendermos a que, ainda de acordo com Earl Miller, “se praticarmos a ‘monotarefa’ a produtividade melhora e haverá menor degradação cognitiva”, então temos de colocar, na nossa escala de prioridades, conseguirmos esse aparente paradoxo que é praticar o “multitasking”, com métodos próprios da “monotarefa”.
Nesse sentido, deixo aqui quatro sugestões que, não sendo propriamente novas nem sequer super-imaginativas, fazem parte daquele conjunto de ideias que, pertencendo embora ao chamado “senso comum”, não são ainda prática comum para muito boa gente:
- Quando está a realizar uma atividade importante para si, e é interrompido por um “humano”, o melhor é parar, tentar perceber respeitosa e cordialmente qual é a possível urgência do outro, alinhá-la como a sua “bússola interior”, e decidir assertivamente em conformidade. O que não será eficaz é dizer sim, quando queria dizer não e ficar a “remoer” vingançazinhas de pacotilha contra o intruso;
- Faça, em primeiro lugar, as coisas que são de mais fácil resolução e guarde para si um espaço de maior recolhimento para as coisas que exigem maior concentração. No entanto, não deixe essas coisas para o fim do dia porque poderá estar mais cansado e menos disponível animicamente para tratar de tais assuntos;
- Clarifique para si próprio as razões mais profundas que o levam a definir prioridades e não se deixe iludir pelo que é aparentemente óbvio. As nossas prioridades são muitas vezes definidas por razões puramente emocionais, porque, de acordo com Daniel Goleman, os seres humanos só dão verdadeira importância às coisas com as quais estão fortemente conectados emocionalmente. Portanto, quando lhe perguntarem o que é importante para si, reflita, em primeiro lugar, quais são os “time budgets” que aplica nas diferentes situações da sua vida. Não vale a pena dizer que uma coisa é prioritária para si, quando na verdade não investe muito tempo e atenção nessa mesma coisa;
- Por último, não proteste contra os telemóveis, os mails, os smartphones, etc., porque lhe “roubam” muito tempo, quando muitas vezes é você mesmo que os convida para o “parque das merendas”. Por isso, se quer verdadeiramente que esses apetrechos não o incomodem, então faça como sugere o neurocientista já várias vezes aqui citado: quando necessário, “o melhor é guardar o telemóvel e o tablet, desligar os ecrãs de computador extra e o e-mail”. Vai ver que assim já vai ganhar mais algum tempo, nem que seja para aliviar algumas pressões momentâneas.
Temos de colocar, na nossa escala de prioridades, conseguirmos esse aparente paradoxo que é praticar o “multitasking”, com métodos próprios da “monotarefa”
Será que estas sugestões simples podem resolver o problema? Talvez não; ou talvez ajudem. Mas podem contribuir para a concretização de um objetivo que, pela sua importância, deveria estar no topo das nossas prioridades: o treino de sermos nós próprios a dominar as forças interiores que, subtil, mas insidiosamente, nos levam a afastar-nos daquilo que somos e nos encaminham muitas vezes para algo em que não gostaríamos de nos tornar.
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