Autor: Mário Ceitil, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas, Formador, Docente Universitário e Membro do Conselho Nacional dos Psicólogos
O eucalipto é conhecido como uma árvore “que seca tudo à sua volta”, justificando, por isso, toda uma série de críticas em relação à sua proliferação desenfreada nas matas e florestas portuguesas. Na liderança, e de modo semelhante, há líderes que também “secam” os talentos dos colaboradores que estão à sua volta, pela sua constante e obsessiva vontade de brilhar, cujo principal objetivo é acumular talento pessoal e poder para, como refere Liz Wiseman (2017) “parecerem mais espertos e mais poderosos do que os outros”.
Esses líderes, que passarei a designar por “líderes eucalipto”, em vez de agirem de modo a exponenciar o potencial dos seus colaboradores e evocar o melhor que neles existe, estão “tão absorvidos com a sua própria inteligência” que “secam” os reservatórios de energia disponíveis das pessoas que os rodeiam, criando ciclos de declínio de talento que, no mínimo, semeiam a desmotivação e o alheamento à sua volta.
No seu afã de se tornarem as “estrelas da companhia”, os “líderes eucalipto”, apesar de se centrarem dominantemente na sua própria inteligência e capacidades, têm necessidade de reunir à sua volta pessoas devotas e com talento, não para as elevar a novos e mais exigentes patamares de performance, mas para “drenar” a inteligência da equipa para o seu próprio benefício, compondo o “ramalhete” final com discursos equivocamente laudatórios sobre a “grande equipa” que lideram, sem a qual os resultados de excelência não poderiam ter sido alcançados.
Claro que, neste caso, a proclamada excelência não se refere realmente ao contributo dos colaboradores, mas sim à contemplação narcisista do líder relativamente à sua própria magnificência. Neste sentido, e embora aparentando no discurso serem pessoas que valorizam bastante os talentos dos seus colaboradores, tais líderes, em vez de “genius creators”, tornam-se, pela exuberante visibilidade do seu brilhantismo pessoal, que retira “ar psicológico” à equipa, em verdadeiros “genius destroyers” (ibidem).
Pela sua prática obsessivamente auto valorativa, os “líderes eucalipto” criam à sua volta bolsas ou de agressividade ou de resistência passiva que, embora com expressões comportamentais diferentes, constituem duas manifestações inequívocas de desperdício de oportunidades humanas. Em contacto com tais líderes, os colaboradores sentem frequentemente que os seus recursos são desperdiçados perante uma pessoa que, pela exibição exuberante das suas inequívocas e evidentes capacidades, acaba por lhes fazer sentir que são entidades “descartáveis”, apesar de até poderem ser valorizados em discursos “politicamente corretos”.
Este tipo de práticas, quando ocorre, nega de forma frontal e radical alguns dos princípios mais elementares do que é o exercício dessa função nobre e de grande amplitude humana que é a liderança. Na verdade, se, como é extensamente documentado na vastíssima e muito rica bibliografia de liderança, o líder deve assumir-se como um “Multiplier”, na feliz expressão de Liz Wiseman definido como alguém que “aumenta e expande o génio dos outros”, as suas ações devem ser pautadas não por desejos egocêntricos de brilhantismo pessoal, mas sim por entrega discreta e muitas vezes quase silenciosa à difícil tarefa de incentivar e apoiar cada
pessoa para criar o desejo, e a crença, de que é capaz de ser sempre melhor a cada dia que passa.
Ora, este objetivo é totalmente incompatível com os transportes narcisistas de visibilidade pessoal do líder, ainda que ele seja de facto o mais capaz, o mais competente, o “best in class”, de acordo com critérios mais técnicos de performance. Mas mais uma vez, e sempre, é fundamental insistir aqui que a eficácia de um líder não se mede pelos mesmos parâmetros da performance de um colaborador. Se um colaborador tem de manifestar diretamente a sua excelência, a excelência de um líder tem de ser, pelo contrário, percebida pelos colaboradores, intuída, não anunciada, não “vendida” como mercadoria para ser consumida.
Por outro lado, temos ainda o efeito de “comparação autodestrutiva”, que acontece por vezes quando estamos perante uma pessoa que é de facto “excecional” e, ciente disso, exibe essa excecionalidade sem pudor nem discrição. Muitas vezes, quem convive com essas pessoas tem alguma tendência para “se encolher” perante tal “perfeição”, interiorizando a mensagem auto depreciativa de que “faça eu o que fizer nunca conseguirei ser como ele, ou como ela”. Esta atitude, em vez de convocar no observador uma atitude de admiração e vontade de identificação pela positiva, pode muito bem gerar o movimento inverso e levar a pessoa a refugiar-se na sua, pouco heroica, mas consoladora, “áurea mediocridade”.
Mas mais uma vez, e sempre, é fundamental insistir aqui que a eficácia de um líder não se mede pelos mesmos parâmetros da performance de um colaborador
Em contexto de liderança, um líder que assim opera, ou seja, alguém que executa uma coreografia permanente de “I’ll do all the thinking”, acaba por aniquilar as ideias dos outros e minimizar ou mesmo desprezar as contribuições alheias, tornando-se, por isso, um “Diminisher”, ou seja, e ainda citando Liz Wiseman, alguém que “adquire recursos e depois os desperdiça”. Perante os inúmeros e muitas vezes desconfortáveis dilemas que os líderes enfrentam, o aqui apresentado não será porventura de somenos importância: deverei manifestar os meus talentos de líder de forma aberta, entusiasta e com grande visibilidade, de forma a granjear a admiração dos meus pares, dos meus superiores e dos meus colaboradores ou deverei exercê-los sem alarde, de forma silenciosa e discreta, de modo a que os meus colaboradores possam vir por si próprios a perceber e a valorizar
o legado positivo que a minha liderança aportou às suas vidas?
Como não existem respostas definitivas a esta questão, esta é uma das múltiplas tarefas complexas que os líderes terão de enfrentar nas suas vidas. Mas, aqui, como em todas as outras situações, os desígnios da liderança são sempre os mesmos: como reza uma canção antiga, “a tarefa é difícil, mas é nossa”.
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