Como estão a gerir a transformação digital, cada vez mais acelerada, nos vossos RH?
Creio que a transformação na indústria – no geral e não especificamente na automobilística – é, apesar de constante, cada vez mais veloz e complexa. Definitivamente, a pandemia foi um catalisador, por exemplo, para o sistema de formação. Os processos da formação – que, antes, já estavam patentes – foram reforçados e/ou acelerados, e falo, principalmente, da digitalização da aprendizagem.
Do operador de linha ao manager, todos estão, hoje, de alguma forma, em contacto com uma formação digital, muitas vezes incorporada num blended learning, num sistema de aprendizagem assente em novas estratégias, como a gamificação, a realidade virtual, a inteligência artificial…
O conhecimento passou a estar disponível em qualquer altura e lugar, e a aprendizagem pôde ser adaptada da melhor forma às necessidades individuais. Na Volkswagen podemos, de uma forma global, entre as nossas 128 fábricas, trocar materiais de formação de uma forma relativamente fácil e os problemas podem ser resolvidos a partir de um diálogo que envolva técnicos em todo o mundo. Este é o impacto da transformação na formação, em geral.
Há que ter a flexibilidade de nos adaptarmos a esta velocidade e complexidade de uma forma muito eficaz. Portanto, a formação envolve, hoje, técnicos das vossas várias fábricas, o que não seria tão fácil quando esta era necessariamente presencial… Sim.
A título de exemplo, a incorporação de novas tecnologias, como os automóveis híbridos ou elétricos, traz mudanças, e na Autoeuropa podemos aprender a partir de outras fábricas que já tenham enfrentado este desafio, podemos trabalhar com a sua formação ou, inclusive, convidar os seus formadores a darem-nos formação online. É como se não existissem barreiras.
Mas não se trata apenas de globalização da formação, a digitalização também motiva a formação individualizada: as pessoas podem aprender quando e onde mais lhes convier, muitas vezes, a partir de plataformas que proporcionam aulas em tempo real e a grande distância. Estas são possibilidades que, precisamente, com a pandemia, se abriram a todo o mundo e encontraram aceitação – apesar de, inicialmente, alguns grupos terem mostrado uma certa resistência.
Há formação obrigatória para cada função. Porém, as vossas pessoas também podem escolher que conhecimentos adquirir ou que competências melhorar?
Na nossa indústria, existe uma matriz de competências, que é constantemente atualizada – a cada função são atribuídos conhecimentos que as pessoas necessitam de ter e outros que desejamos que tenham. Podem ser conhecimentos técnicos ou skills mais clássicas, como o trabalho em equipa. É muito importante ter uma visão clara do conhecimento necessário e desejável em cada função.
O nosso colaborador, independentemente de ser operador, especialista ou manager, tem a possibilidade de escolher facilmente os conhecimentos que ainda não domina e quer melhorar; depois, essa qualificação é feita da maneira disponível mais eficaz: pode ser presencial – designadamente, em situações que implicam manusear máquinas, e às quais a realidade virtual ainda não chegou totalmente, ou online, em que o indivíduo seleciona numa plataforma o capítulo de aprendizagem desejado. Formação e educação trazem bem-estar para a sociedade.
Pessoas com um alto nível de formação têm, também, um nível de vida mais alto. Posto isto, deveríamos todos procurar investir na qualificação das nossas pessoas, e não a subestimar.
No que respeita à transformação que o próprio setor automóvel atravessa – nomeadamente com o fim do motor a combustão apontado para 2035 – que impactos poderão esperar os RH?
A transformação na indústria do setor automóvel é algo necessário, contudo afigura-se um desafio, sem dúvida. A descarbonização e a eletrificação do produto são importantes para a indústria automobilística conviver num mundo mais sustentável, e os governos criaram as leis necessárias para obrigar a indústria a transformar-se. A tecnologia elétrica não é algo totalmente novo, tivemos décadas de automatização e, hoje, em qualquer fábrica automóvel do mundo vão ver robôs – na Autoeuropa há mais de 600 robôs a operar.
Agora, temos uma outra forma de motor, um motor elétrico em vez de um a combustão, e temos algo, igualmente interessante, que nos atinge antes da eletrificação, que é a descarbonização das nossas fábricas.
Temos fábricas do nosso grupo (ainda não a Autoeuropa) totalmente transformadas, que estão no nível sustentável de geração de energia para a sua própria operação. Para os RH, gerir, junto com o management, esta transformação traz dificuldades, porque tudo tem de acontecer de forma coordenada.
Face a esta transformação, os perfis dos vossos profissionais tiveram de ir evoluindo e são, hoje, ligeiramente diferentes, certo?
O automóvel elétrico necessita de alguns conhecimentos adicionais, sim, e, por isso, temos especialistas em alta tensão na fábrica. Já existem fábricas que apenas fabricam automóveis elétricos, que constituem, por sua vez, uma grande parte dos automóveis que estão a ser vendidos nos mercados europeus. Nem todos os mercados vão ter esta transformação rápida – alguns continentes, como a África e América do Sul, têm uma maior tendência para permanecerem com uma forma alternativa da combustão, mas a Europa – para onde a Autoeuropa produz – terá de fazer, rapidamente, a alteração à combustão. E as nossas equipas estão perfeitamente aptas para proceder a essa transformação.
A Volkswagen Autoeuropa tem sensivelmente 30 anos. Com muitas pessoas a aproximarem- se da idade da reforma, já estão a preparar a mudança de gerações?
Trinta anos é uma idade bastante razoável, mas que é um grande benefício para nós. A Autoeuropa também exporta recursos humanos para outras fábricas do nosso grupo, havendo colegas em cerca de 12 países, porque têm um excelente reconhecimento como especialistas – e a sua experiência é uma vantagem na transformação, que temos de assegurar que se transmite às novas gerações. Há, inclusive, programas para transferir os conhecimentos dos mais antigos para os colaboradores mais jovens.
Procuramos manter os valores da Autoeuropa, ajustando- os às novas gerações – é um desafio, mas o diálogo é uma constante na nossa organização e temo-lo fomentado entre estes grupos. Estou muito satisfeito, porque estamos a conseguir aproveitar os conhecimentos das pessoas com mais anos de casa e acolher a juventude que vem chegando à empresa.
A Autoeuropa também tem sentido dificuldades na retenção de talento, como tantas outras empresas?
É certo que há uma maior competitividade no mercado de trabalho por perfis altamente qualificados, como é o caso dos engenheiros, e isso é, para nós, outro desafio. Contudo, valemo-nos do nosso excelente nome, e não estamos, necessariamente, em desvantagem. Por exemplo, na Alemanha, a Audi e a Porsche – duas marcas do grupo Volkswagen – surgem muito à frente no ranking dos melhores empregadores.
A indústria continua a ser atrativa para os jovens, porque há um certo fascínio em ver uma chapa a entrar de um lado da fábrica e um automóvel totalmente novo a sair do outro, três horas depois. Temos o dever de transmitir esse fascínio, de mostrar que fazemos parte, como empresa, de uma indústria sustentável e descarbonizada. Somos os maiores vendedores de automóveis elétricos da Europa e, tendo alcançado essa meta, somos suf icientemente atrativos para novos talentos.
As pessoas querem, por um lado, um trabalho que seja atrativo financeiramente, mas, por outro, que tenha um propósito/sentido a longo prazo e lhes permita desenvolverem- se. Temos de nos apresentar como um empregador que soluciona os problemas do mundo e possibilita uma carreira, eventualmente, internacional – e, em Portugal, os novos talentos têm muito interesse em internacionalizar- se. Somos uma porta para o mundo e podemos ser muito competitivos.
E trabalham a mobilidade interna e internacional dentro da Volkswagen Autoeuropa?
Sim. Faz parte de uma carreira no grupo Volkswagen. A internacionalização é obrigatória, todos os nossos managers têm experiências no exterior. Há muitos colegas que trabalharam em quatro ou cinco países diferentes e eu, por exemplo, já trabalhei em sete países dentro do grupo Volkswagen.
Entrevista publicada na edição n.º 143 da RHmagazine, referente aos meses de novembro/dezembro de 2022.