Novos modelos de trabalho, guerra pelo talento, diversidade e inclusão, saúde e bem-estar… Elsa Carvalho, Diretora de Recursos Humanos da Caixa Geral de Depósitos (CGD) reflete, em entrevista à RHmagazine, sobre as tendências do setor RH.
Qual foi, a seu ver, o impacto dos novos modelos de trabalho impostos pela pandemia nas organizações?
Costumo dizer que os últimos tempos vieram, acima de tudo, acelerar tendências. Quando olhamos para aqueles que foram os fatores disruptivos que vieram acelerar tendências, temos a componente da tecnologia e a própria pandemia. A pandemia veio, de alguma forma, acelerar a tendência que algumas empresas já tinham iniciado e permitir que outras empresas experimentassem novas formas de funcionar e, inclusive, de gerir. Quando falamos em termos de organização de trabalho flexível, há dois conceitos de flexibilidade a considerar: a flexibilidade do local e do tempo. Muitas vezes, quando falamos de flexibilidade, cingimo-nos muito à componente dos modelos híbridos, da flexibilidade do local, mas o conceito também se aplica em termos de horários. Se, muitas vezes, em termos de modelos de gestão podemos não dar a flexibilidade em termos de local – até, porque há um conjunto de funções que, pela via do modelo de negócio, ainda continuam a ser fundamentalmente presenciais –, podemos explorar a flexibilidade do ponto de vista do tempo.
Agora, se pensarmos quais é que foram as grandes alterações, a meu ver, do ponto de vista individual, estas recaíram muito na responsabilização (da parte dos colaboradores) e delegação (da parte das hierarquias e chefias). A autonomia e a delegação acabam por ser um pressuposto que tem de estar muito mais presente nos novos modelos de trabalho. Também vieram aumentar a complexidade da gestão – uma coisa é gerir pessoas presencialmente, outra é gerir em formato remoto ou híbrido –, não só do ponto de vista de organização das atividades e dos horários, mas também do follow-up. Somam-se ainda as mudanças do ponto de vista da integração, de instalações físicas, cultura, compromisso, organização das equipas… Tudo isto foram desafios que nos permitiram testar novas abordagens e novos modelos de liderança.
A guerra pelo talento, de que tanto se fala, está generalizada ou existe em algumas áreas onde sabemos que há um défice de mão de obra?
Existe, sim, uma grande procura por determinado tipo de perfis, muito específicos. Por isso é que nós dizemos que o mercado está “quente”. Já há muito tempo que o mercado está “quente” com os perfis mais tecnológicos, digitais, com uma componente de analítico. É de comum senso e todos nós que estamos neste mercado de recrutamento, com a necessidade de trazer skills que sejam de facto relevantes para as nossas empresas, sentimos isso claramente – temos cada vez mais de ir ao mercado e de ser cada vez mais competitivos. De ressalvar que o talento não tem todo de ser residente nas empresas; quando falamos em termos de mercado de trabalho, muitas vezes há áreas pouco exploradas, às quais podemos ir buscar talento – se falarmos de tendências de modelos de contratação noutros países, já há uma grande percentagem de população que prefere e quer ser freelancer, trabalhar por projeto, ser dona do seu tempo e do seu esfoço do ponto de vista de trabalho. Portanto, há talento residente, há talento que podemos trazer para determinado tipo de projetos, há talento que pode chegar mediante parcerias com universidades e outras instituições… Toda esta questão da gestão de talento não tem de seguir necessariamente os modelos de contratação tradicionais.
Já há muito tempo que o mercado está “quente” com os perfis mais tecnológicos
Como se pode trabalhar o engagement e a motivação desses profissionais freelancers?
O compromisso e motivação decorre do propósito do que fazemos, por que fazemos, com quem o fazemos e como o fazemos. “Fazer parte” pode ser fazer parte de um projeto com elevado impacto nestas variáveis. E este “fazer parte” não tem de decorrer de vínculos contratuais. Como sabemos, cada vez é mais relevante o vínculo emocional das pessoas para com os projetos, independentemente do vínculo mais tradicional. Todos estes modelos e novas formas de trabalhar devem ser explorados e pensados.
A gestão de talento não tem de seguir necessariamente os modelos de contratação tradicionais
A respeito da Diversidade & Inclusão, considera que, de forma geral, as organizações já estão a trabalhar na temática?
Hoje em dia, discute-se muito os temas da Igualdade, Diversidade e Inclusão e até que ponto são relevantes para incutir nas empresas. Em primeiro lugar, não posso deixar de referir que quando falamos destas temáticas, estamos a falar de Direitos Humanos Fundamentais… Não somos todos iguais, somos todos diversos e temos todos direito à inclusão. Por outro lado, presentemente, as empresas são muito mais avaliadas – até porque estão muito mais abertas ao exterior –; há um nível de exposição muito elevado, com real impacto naquilo que acaba por ser a reputação das empresas. Os consumidores são cada vez mais críticos e os colaboradores idem. Já não são só as empresas que escolhem os colaboradores, estes também escolhem as empresas nas quais querem trabalhar e essa é uma tendência que já não vai ter retrocesso. Daí que trabalhar estes temas internamente, traduzi-los nas empresas como práticas de gestão, tem real impacto de negócio, na forma como as empresas são percebidas pelos seus clientes, consumidores e pelos próprios colaboradores. A verdade é que, nos últimos anos, fizemos uma evolução extraordinária nesta matéria; as empresas perceberam claramente qual é que é o impacto e o caminho que têm de seguir a este nível. Também está mais do que provado que, de facto, equipas diversas são equipas mais criativas e inovadoras.
Como é que na Caixa Geral de Depósitos (CGD) tratam da saúde mental e do bem-estar dos colaboradores?
Não me parece que este seja um tema da Caixa, mas sim um tema global. A saúde mental entrou claramente na agenda da gestão, por todo o impacto que teve nos últimos tempos, e também porque começamos cada vez mais a estar despertos para o verdadeiro conceito de saúde. “Saúde” é o completo bem-estar físico, emocional e social. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que, de facto, quando uma destas componentes entra em desequilíbrio (e, sem dúvida, que a componente social entrou em desequilíbrio neste contexto pandémico), tem impacto nas outras vertentes da saúde.
Equipas diversas são equipas mais criativas e inovadoras
Hoje em dia, são temas que são trabalhados nas empresas e para os quais estas estão despertas, tal como estão para as políticas de compensação, por exemplo. Aquele velho conceito da medicina do trabalho, que é fazer exames de aptidão para saber se a pessoa está bem fisicamente, passa a ser um conceito cada vez mais holístico.
A CGD tem apostado na formação das suas lideranças. Em 2020 dinamizou o programa “Managing for the Future’, em colaboração com o ISEG Executive Education. Que importância atribui a este tipo de programas?
A aposta na liderança é fundamental. Uma aposta contínua no desenvolvimento dos atuais e formação de novos líderes. Para isso, há que dar ferramentas para que cada líder possa fazer a gestão das três variáveis críticas: (i) gestão de si próprio; (ii) gestão dos negócios e (iii) gestão das equipas. Esse programa é apenas um exemplo de um programa desenvolvido na CGD. Temos diversas parcerias de forma a disponibilizar uma oferta diversificada e com real impacto.
O velho conceito da medicina do trabalho passa a ser um conceito cada vez mais holístico
Na sua opinião, que competências devem ter os líderes de hoje?
O contexto atual é muito diferente do contexto de há uns anos. Aos líderes pede-se, para além de cuidarem dos negócios, que cuidem das suas pessoas. Numa gestão claramente responsável e consciente, que tomem hoje as decisões que aportem valor no aqui e agora, mas que também sejam sustentáveis no futuro.
Somando todas as tendências, como é que perspetiva o futuro do trabalho?
Acho que o futuro do trabalho passa muito por mobilizar a inteligência e os skills; mobilizar todo esse capital que as empresas têm ao seu dispor (os skills e as pessoas) para fazer parte de um propósito, de acordo com um determinado tipo de padrões éticos e visando atingir determinado tipo de objetivos. Independentemente de estarmos mais acelerados nuns domínios em relação a outros, acho que o futuro do trabalho passa por mais flexibilidade, agilidade, transparência, onde os tais temas da Diversidade e Inclusão e da saúde e bem-estar passam a estar na ordem do dia. Penso que há três princípios nas organizações que vão marcar a forma como estas se vão posicionar e atrair talento:
- As empresas passam a ter de dar opções – de facto, “one size does not fit all”;
- As pessoas passam a ter de fazer escolhas
- E, acima de tudo, estas opções e estas escolhas passam a ser suportadas em relações de confiança.
O futuro do trabalho passa por mais flexibilidade, agilidade, transparência
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