RESPOSTA
- A resposta completa à questão colocada implica ter presente em primeiro lugar, o disposto no IRCT – Instrumento de Regulamentação Coletiva aplicável, se algum.
Nesse caso, deverá ser escrupulosamente seguida a disciplina constante do mesmo, nessa matéria e não a prevista no Código do Trabalho (que lhe será apenas subsidiária, no que aquele não regule);
- Caso não seja aplicável IRCT, rege o Código do Trabalho a este respeito:
(i) O artigo 169.º do CT refere que o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, pelo que não poderá ser discriminado – Princípio da Igualdade.
(ii) Contudo, rege o artigo 260.º do Código do Trabalho, n.ºs 1 e 2, que o subsídio de refeição não tem, em princípio, a natureza de retribuição, salvo quando, sendo tal despesa frequente, a sua importância, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenha sido prevista em contrato, ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
(iii) Aqui chegados, haverá que validar no caso concreto como (e se) este complemento remuneratório foi previsto no contrato de trabalho e qual a prática adotada pela empresa nessa matéria.
- Acresce que o Teletrabalho (fora do contexto COVID) é um regime acordado entre trabalhador e empregador, de livre vontade, no qual ambos regulam as suas conveniências e preferências. Ora, tal cenário e é totalmente diverso do imposto pelas novas medidas excecionais aprovadas pelo DL 2-A/2020, de 20 de Março – que de forma unilateral impõem a prática deste como o regime-regra.
Neste contexto, e analisando de forma excecional o que é excecional, diríamos que: caso consideremos que a despesa da refeição não é um gasto em que o trabalhador que trabalha a partir de casa tenha que incorrer, poderemos defender que tal subsídio não lhe será devido.
Contudo, em aplicação do Princípio da Igualdade, caso o mesmo sempre tenha recebido este montante e o mesmo se encontre devidamente regulado em contrato de trabalho ou conste até agora do seu recibo de vencimento, poderá ser discutível ser legítimo retirá-lo agora, e sobretudo tratando-se de uma forma de trabalho que deixou – nesta fase – de requerer a autorização ou o acordo do trabalhador, sendo-lhe uma modalidade imposta.
Acresce que o teletrabalhador “Covid19” chamemos-lhe assim, irá neste cenário que continuar a ter que fazer face a tal despesa, sendo a única alteração o facto de ter – obrigatoriamente – que passar a tomar as refeições em casa, mesmo contra a sua vontade. Eventualmente gastará menos do que em restaurante, e essa premissa poderá ser internamente analisada também para se encontrar uma solução mais equitativa.
- Claro que se a empresa estiver com dificuldades económicas, um contexto de declarada crise empresarial, de tomada de medidas de suspensão contratual e outras similares, poderá justificar a retirada de subsídio de refeição a teletrabalhadores (regime Covid), designadamente, como alternativa à adoção de medidas mais gravosas… tudo dependerá do contexto específico em que tal decisão deva ser tomada.
- A contrario, caso o teletrabalho realizado seja em regime de tempo parcial, pelo facto de o trabalhador já antes prestar o seu trabalho na empresa, neste mesmo regime, rege o disposto no artigo 154.º do Código do Trabalho, que o trabalhador a tempo parcial não pode ter tratamento menos favorável do que o trabalhador a tempo completo em situação comparável, a menos que um tratamento diferente seja justificado por razões objetivas, mas que o mesmo apenas terá direito a subsídio de refeição, se cumprir pelo menos 5h de trabalho diário; caso preste menos, terá direito ao montante proporcional.
Nesta situação, deverá o mesmo regime ser seguido em teletrabalho, sendo de considerar as nuances acima indicadas, para as demais situações.
- Em suma,
Deverá sempre atender-se ao caso concreto, ao regulado expressamente no contrato de trabalho celebrado com o trabalhador, à prática da empresa nesta matéria, ao potencial IRCT aplicável e prática do setor nesta fase de urgência social e económica, na medida em que um tempo excecional merece uma resposta e um tratamento adaptados a tal realidade e a legislação vigente não faculta uma resposta direta quanto ao tratamento a adotar, daí que se tenham que analisar todas as premissas detalhadas acima para uma correta tutela de todos os interesses em presença.
Resposta
Graça Quintas / Head of Employment Law
Sousa Machado, Ferreira da Costa & Associados, R.L.