Se a metodologia Agile deixou de ser implementada apenas nas áreas da tecnologia e se pode estender agora às várias vertentes de uma organização, o que pode trazer de vantajoso aos RH?
A metodologia Agile é uma ferramenta estratégica de gestão que visa aumentar a produtividade e as perspetivas de sucesso, assegurando, assim, a competitividade das empresas. A metodologia foi projetada, inicialmente, para a indústria de software, mas rapidamente se estendeu a outras vertentes organizacionais.
Esta solução de natureza colaborativa vem alterar a forma como as organizações gerem os projetos e operam como um todo, oferecendo uma maior flexibilidade, produtividade e transparência, e aumentando o engagement e a satisfação das partes interessadas. O objetivo final é implementar soluções de forma mais rápida, focar os esforços com vista ao sucesso, obter tempos de resposta mais curtos e otimizar os processos, através de uma estrutura organizacional que se quer leve, ágil, colaborativa, e focada nas necessidades específicas do cliente.
Contudo, como acontece com outras metodologias, a Agile não é adequada a todos os projetos. Então, o que é uma empresa Agile? Por que devem as empresas implementar esta metodologia e o que traz de benéfico aos RH? Fomos falar com a Askblue, BI4ALL e Abaco Consulting.
O que é uma empresa Agile?
«Uma empresa Agile é uma empresa que se adapta continuamente a alterações do contexto competitivo onde se insere.» Quem o diz é Cátia Oliveira, Head of People Management da Askblue, uma empresa ágil que presta serviços de consultoria especializada no setor financeiro e no domínio das tecnologias de informação. Embora a metodologia Agile tenha nascido no universo de desenvolvimento de projetos de softwares, tem vindo a crescer para outras áreas de negócio. De forma simplificada, Cátia Oliveira explica os principais princípios orientadores desta ferramenta estratégica:
- Aceitação de mudanças em qualquer fase do projeto;
- Envolvimento dos vários stakeholders (cliente, gestores, programadores, fornecedores, etc.) na busca da solução;
- Formação de equipas multidisciplinares, que se reúnem diariamente nos daily scrums (com duração máxima de 15 a 20 minutos), evitando a perda de tempo em reuniões;
- Divisão dos problemas complexos em várias tarefas mais pequenas, que idealmente devem ser concluídas em duas a três semanas (conceito de sprint);
- Início do projeto com um MVP (Minimum Viable Product) ao qual se vão adicionando funcionalidades, em função das necessidades do negócio.
Em qualquer fase ou cerimónia Agile é aplicado o princípio de examinar, em equipa, o que correu melhor ou pior, adaptando e corrigindo os erros na fase seguinte.
E o que traz isto de benéfico para as empresas? Para a profissional não há dúvidas: «A agilidade empresarial é de facto uma fonte de vantagem competitiva. Como principais benefícios temos a flexibilidade, a transparência, e o compromisso e motivação das pessoas e equipas.»
Para Rui Afeiteira, Knowledge & Innovation Lead na BI4ALL, uma empresa ágil deve evoluir «a par com as tendências tecnológicas e de negócios de forma incremental», de maneira a alcançar o máximo valor não só para o negócio, mas também para a empresa e para as suas pessoas. Através desta ferramenta, e de acordo com o responsável, é fomentada uma cultura de inovação, aprendizagem e maturidade, e criado um espaço para as pessoas aprenderem, crescerem, ganharem mais autonomia, visão e capacidade de colaboração, mas também errarem.
Para Rui Afeiteira, não é possível inovar sem errar: «Esta metodologia permite falhar, aprender com os erros e readaptar o caminho de forma rápida.»
A adoção de práticas Agile, além de permitir uma maior comunicação e colaboração, também reduz a necessidade de mecanismos mais formais. Isto vai permitir, de acordo com Rui Afeiteira, atingir níveis mais equilibrados e mais fáceis de gerir, e reduzir o risco em vários vertentes, através de entregas faseadas que podem ser facilmente ajustadas. «A prototipagem alinhada com técnicas e metodologias de “design thinking”, quando elaborada com o nível adequado de detalhe e formalismo, é também um auxílio na capacidade de “ver”, antecipar e realinhar aquilo que se pretende construir», conclui.
Tudo isto é conseguido através de uma transformação de mentalidade, que deve ser a base da implementação desta metodologia. Segundo José Chéu, Board Member, Operations & Delivery da Abaco Consulting, uma empresa Agile é, acima de tudo, um mindset: «É uma forma de estar no mercado para melhorar a experiência dos nossos clientes e, internamente, no modo como operamos, nos alinharmos e nos tornarmos ágeis para o nosso principal compromisso – criar valor para os clientes.»
Exemplos práticos de implementação da metodologia Agile
Na prática, como é que tudo isto funciona? Cátia Oliveira da Askblue explica-nos de que forma a empresa concretiza esta metodologia: «Os nossos gestores de projetos são, normalmente, certificados em Scrum Master, o que facilita a compreensão das principais cerimónias Agile, como os daily scrums, o sprint planning, o sprint retrospective, etc. São então constituídas equipas onde existem elementos Askblue e elementos do cliente, e, por vezes, também elementos de outros fornecedores.»
Os passos seguintes, segundo a responsável, passam por identificar as várias jornadas do cliente e os perfis envolvidos para o projeto em questão. Para cada jornada, são identificadas as tarefas associadas, ou seja, o backlog de funcionalidades a implementar. De seguida, a equipa estima o esforço associado a cada tarefa e verifica que tarefas estão prontas a incluir num sprint de desenvolvimento. Essas tarefas incluídas num sprint serão depois aceites pelo cliente, num período de testes de aceitação. Por fim, passa-se à produção.
Toda a área de inovação e conhecimento na BI4ALL segue, igualmente, a cultura e metodologia Agile. «Na nossa área de R&D, todos os produtos seguem esta abordagem; a construção dos nossos roadmaps é feita com o contributo e ideias dos próprios colaboradores e clientes. A maioria dos nossos projetos para clientes são também desenvolvidos em modo Agile», refere Rui Afeiteira. Na BI4ALL, a interação entre colaboradores e clientes permite colmatar necessidades e decidir as soluções finais. O responsável exemplifica a aplicação da ferramenta nos projetos da empresa: «Num dos nossos produtos, por exemplo, um colaborador identificou a necessidade da funcionalidade de full-screen, e em apenas dois dias foram criados dois protótipos, permitindo receber feedback de clientes que tinham também esta necessidade e decidir a solução final. Nada disto seria possível sem a colaboração quer dos colaboradores, quer dos clientes, e também, claro, sem as plataformas tecnológicas e sem a forma rápida de desenvolver e implementar por parte das equipas.»
Para implementar a metodologia Agile, as empresas necessitam de iniciar um processo de transformação organizacional e mudar o mindset. Foi isso que a Abaco Consulting começou por fazer em 2018, e no percurso que têm traçado foram vários os casos bem-sucedidos. No entanto, José Chéu relembra que poderão existir casos de insucesso, «como é normal dentro do princípio fail fast learn fast». O responsável destaca, como exemplo prático, o Global Support &Nearshore Center.
«Na nossa base instalada de clientes tínhamos um backlog enorme de pedidos em resolução (incidentes de manutenção corretiva e evolutiva). A implementação da metodologia Agile começou com a organização do espaço de trabalho, isolando a equipa numa sala específica para o efeito. Criámos um Kanban Board e, envolvendo todos, definiram-se políticas claras e visíveis como: critérios de prioridade no multitask, definition of done, e classificação dos impedimentos. Diariamente, começámos a fazer a medição dos indicadores da atividade e reuniões globais para recolha de feedback e sugestões de melhoria do processo. Os resultados foram extraordinários. Ao final de três meses tínhamos reduzido em 25% o tempo médio de fecho dos incidentes. Até ao final desse ano, voltámos a baixar 30% e, neste momento, considerando todos os pedidos corretivos e evolutivos, o processo end-to-end demora duas semanas.»
Por que processos passam as empresas e os RH para implementar a metodologia Agile?
Existem vários passos no processo de implementar a metodologia Agile, e toda a evolução é feita de forma gradual.
No caso da Askblue, a procura pela entrega de projetos Agile teve origem nos clientes, o que levou a empresa a preparar as suas equipas com as competências necessárias através de formações específicas.
Da mesma forma, foi também criado o cargo de Agile Coach – um profissional que dá apoio na fase de setup dos projetos. De acordo com Cátia Oliveira, a primeira etapa da implementação de Agile passa pela divulgação interna dos principais princípios e ferramentas, bem como pela divulgação dos projetos entregues de acordo com esta metodologia. O segundo passo é começar a utilizar esta metodologia em projetos que não estão relacionados com a entrega de software, e a terceira etapa passa por tornar esta ferramenta numa «fonte de vantagem competitiva, tornando a empresa mais ágil e resiliente à mudança».
Rui Afeiteira da BI4ALL relembra a importância de se implementar esta metodologia de forma gradual e de manter o foco na equipa e na cultura.
«É preciso não só formar e motivar, mas manter viva a cultura de agilidade, colaboração, planeamento e aprendizagem constante, e manter também em mente o pensamento de que “menos é mais” e de que é preciso foco constante nos objetivos e no que traz real valor.»
Para o profissional este é o primeiro ponto fulcral, e a mudança cultural é, muitas vezes, o processo mais difícil: «Awareness, formação e skilling dos recursos atuais são pontos-chave, até uma possível reconversão quando necessário. É preciso também dar tempo para que esta mudança aconteça.» Rui Afeiteira aconselha as empresas: «O primeiro projeto deve ser encarado numa perspetiva de aprendizagem, escolhendo-se uma metodologia ágil adaptada ao contexto da empresa e do projeto.»
Na Abaco, a principal lição aprendida passou por continuar a pensar em grande, independentemente dos insucessos. Contudo, e segundo José Chéu, é crucial «começar pequeno e escalar rapidamente». Por outras palavras, as empresas «devem manter o objetivo a longo prazo de ter uma organização Agile em todas as áreas/departamentos.»
O responsável explica, de forma simplificada, como as empresas devem começar por implementar a metodologia Agile: «O começo deve ser com um piloto numa área específica (no nosso caso foi o serviço de suporte a clientes de base instalada), e posteriormente deve-se expandir à restante organização, usando as melhores práticas e aprendendo com os do & don’t. A existência de um coacher que ajude no processo de implementação e evangelização da metodologia na restante organização pode ser um fator crítico de sucesso a ter em consideração.»
O que traz a Agile aos RH?
Se a metodologia Agile pode ser alargada a outras áreas da empresa não relacionadas com tecnologia, então certamente terá impacto no domínio da gestão de pessoas. Segundo Cátia Oliveira, existem impactos em duas vertentes, sendo que a primeira está relacionada com a satisfação dos colaboradores que participam neste tipo de projetos, onde existe uma maior cooperação com os clientes.
«Colaboradores mais satisfeitos aumentam a motivação das equipas e satisfação noutros colaboradores, num círculo virtuoso», refere a responsável.
Na Askblue, é implementada uma abordagem Agile também a nível de RH, uma vez que existe uma componente de benefícios que é adaptada de acordo com as necessidades de cada colaborador.
A segunda vertente tem que ver com a atração de talento para este tipo de projetos: «Sabemos que nem todos gostam de trabalhar em Agile, mas é um perfil de colaborador valorizado na Askblue, pois está muito alinhado com o nosso posicionamento de mercado, e de entrega de projetos de transformação digital alavancados em tecnologias e metodologias ágeis.»
A verdade é que, se deseja implementar Agile na sua empresa, terá de abandonar a abordagem mais tradicional de foco no controlo e alinhamento.
«As pessoas têm autonomia, capacidade de realização e tomada de decisão, e há um foco natural no cliente e na entrega de valor. Deixa de haver “silos”, o departamento de RH deixa de ser algo à parte, os colaboradores passam a sentir-se parte de uma equipa transversal e multidisciplinar (para além das pequenas equipas de desenvolvimento ou departamentais) na construção de produto e entrega de valor», refere Rui Afeiteira da BI4ALL.
De acordo com o responsável, a abordagem Agile vem permitir uma maior velocidade, um melhor fluxo de trabalho, o estímulo do espírito de equipa, e uma maior capacidade de resposta à mudança não só do projeto ou do cliente, mas também das próprias pessoas e da organização.
«A cultura de feedback é estimulada, as pessoas sentem-se mais “ouvidas”. É curioso que a par de um maior foco no negócio e no valor, a empresa torna-se naturalmente também mais “people centric”», conclui.
O facto de a comunicação se tornar mais clara, transparente e uníssona nas equipas, em prol de um objetivo comum, impacta diretamente a gestão das pessoas. José Chéu explica como o mindset Agile permite um maior foco nos colaboradores: «Passamos a trabalhar em prol do cliente e do que ele valoriza, em contraponto ao que achamos que ele valoriza. Este mindset permitiu um maior foco das pessoas nas tarefas do seu dia a dia, pois o valor percebido das mesmas ficou mais claro. As prioridades passaram a ser feitas mediante a sua importância. Por outro lado, a simplicidade dos métodos, ferramentas e dinâmicas de trabalho implementadas trouxeram maior motivação, pois a evolução e melhoria são contínuas. Os elementos mais juniores tiveram uma curva de aprendizagem mais acelerada e os mais seniores (re)focaram-se em atividades de maior valor acrescentado.»
O que se altera a nível da comunicação e do ambiente organizacional?
A metodologia Agile traz vantagens a nível do talento da empresa, já que os colaboradores acabam por estar mais preparados para trabalhar em contexto de mudança. Cátia Oliveira acredita que, a médio prazo, isso irá contribuir para melhorar a satisfação dos colaboradores na empresa.
Já para Rui Afeiteira, a maior mudança – e vantagem – passa pela união entre equipas, departamentos e áreas: «Todos colaboram de forma natural e espontânea para os objetivos comuns, além de se fomentar a criação de equipas multidisciplinares, onde as pessoas se complementam, num espírito aberto de comunicação e partilha, tornando o processo mais informal e célere.»
O profissional reitera que esta ferramenta estratégica faz com que os colaboradores se sintam mais autónomos, colaborativos e valiosos. «O mais interessante é perceber que este impacto se estende não só aos colaboradores, mas também a clientes e fornecedores. É uma cultura de colaboração e inovação que vai para além da própria empresa», conclui.
No caso concreto da Abaco, a metodologia veio potenciar a forma transparente e honesta de atuar, mas também fortalecer as relações com os clientes e entre os colaboradores.
«De uma forma global, a informação passou a estar disponível de forma clara e transparente, aumentando assim o compromisso entre todos», sublinha José Chéu.
ASSINE AQUI A NOSSA NEWSLETTER SEMANAL E RECEBA OS MELHORES ARTIGOS DA SEMANA!