Desde 1960, que a idade média de uma organização diminuiu de 67 para 15 anos. E atualmente são cada vez mais as organizações que nascem e morrem sem nunca atingir algumas décadas de maturidade.
O infoRH foi falar com Francisco Miranda Duarte, diretor geral da Ordem da Trindade, uma das instituições mais antigas do Porto e de Portugal, dedicada aos serviços de cuidados continuados e com origem oficial em 1755. Nesta entrevista, o responsável partilha o segredo de tal longevidade, a importância do propósito no dia a dia dos colaboradores e os desafios da gestão contemporânea de uma instituição centenária.
A Ordem da Trindade é uma das instituições mais antigas do Porto e de Portugal, somando já 265 anos de existência. Na sua opinião, o que tem contribuído para esta longevidade?
Gerir uma instituição como a Ordem da Trindade é uma situação particular, na medida em que, em Portugal, existem poucas com características semelhantes. Ainda assim, como instituição longeva, consideramos que uma das razões para termos perdurado prende-se com uma boa gestão. A maioria dos negócios, empresas e organizações procura “servir clientes, adquirir recursos, ser eficiente e crescer”. Mas as empresas com uma história vasta, para além do centenário, têm outras prioridades: deixar a sua marca na sociedade, tornarem-se melhores – em vez de maiores. Adicionalmente, a Ordem da Trindade tem, desde a sua fundação, uma forte missão e vincados valores.
Acredito que na base da nossa longevidade se encontra um quadro de valores muito sedimentado e que nos dá razão de ser. No nosso caso, sabemos que estamos aqui para cuidar com qualidade dos mais desfavorecidos ou fragilizados, com especial foco nos idosos, que queremos valorizar e desenvolver a nossa equipa e que devemos trabalhar com uma ética irrepreensível. São três aspetos muito simples, mas que nos responsabilizam muito e nos orientam nas situações mais complicadas.
Ao longo dos séculos, passámos por guerras, invasões, cercos da cidade, epidemias como a Gripe Espanhola, entre outras, e por todos estes acontecimentos conseguimos passar e manter a nossa missão de apoio social.
Como é que procuram transmitir e envolver os vossos colaboradores na história da instituição?
Instituições centenárias são, atualmente, uma raridade e, por isso são poucas as que retêm uma memória rica e vasta que seja verdadeiramente aplicável em situações diárias. Por outro lado, as organizações que se podem gabar de ter um maior tempo de vida, por vezes acabam por não o conseguir honrar da melhor forma, uma vez que os líderes e gestores encontram-se naturalmente focados nas tarefas do dia-a-dia.
Na Ordem da Trindade consideramos que ter uma visão alargada do passado é uma ferramenta muito importante para manter o presente e prever o futuro.
Como já mencionado, comunicar a história da instituição incute um sentido de identidade e propósito muito motivadores, algo que é crucial para que o trabalho diário de cada colaborador seja produtivo e empenhado.
Adicionalmente, uma história mais vasta pode colocar as situações adversas em perspetiva. Em alturas de crise, por exemplo, podemos sempre tirar paralelos com outras alturas desafiantes e assegurar os colaboradores que já passamos por muito, inspirando-os que a mesma irá conseguir ultrapassar os problemas existentes. A nossa história reforça também a nossa resiliência e a nossa recusa obstinada de “atirar a toalha ao chão”: encaramos os desafios de frente e a forma como todos nesta casa lidaram e estão a lidar com a pandemia foi bem exemplo disso.
E como é que essa história e testemunho se revela no desempenho das funções no dia a dia de cada um?
Em primeiro lugar dá-nos uma ponderação muito própria de cada decisão e uma gestão ativa do risco. É como quando em nossas casas lidamos um bem precioso, que está na família há muitas gerações: não brincamos com esse bem e não corremos o risco de o deixar cair e danificar-se. Aqui é o mesmo, há uma ponderação que pode fazer com que as decisões não sejam tão rápidas quanto às vezes podemos querer, mas que dão segurança a cada passo que vamos dar.
Depois há um cuidado particular de ouvir as pessoas que já passaram por situações semelhantes, muitas vezes há muitos anos: o modelo de governo da instituição favorece essa auscultação que é respeitadora do passado mas que, da minha experiência que é bastante recente tendo em conta a escala da vida da Ordem, não limita que se vão dando passos inovadores e que fazem a casa avançar decisivamente para um futuro que é muito diferente do passado que todos conhecemos.
Atualmente muito se fala da importância do propósito para as empresas e organizações. Podemos dizer que a Ordem da Trindade tem um propósito forte?
Não só temos um propósito forte como acreditamos que esta é uma das razões para nossa longevidade. Desde que tivemos origem oficial pela bula papal de Bento XIV, de 14 de maio de 1755, que temos fins de natureza “assistencial” e de “solidariedade social”. Atualmente, a nossa missão continua a ser auxiliar pessoas carentes de proteção social, promovendo o respeito pela assistência, beneficência e cuidados de saúde.
Ao longo dos anos, e com base no propósito inicial desenvolvemos também uma afinidade especial pelo foco no utente, através de cuidados especializados, personalizados e centrados na individualidade, construindo relações de confiança e de partilha. Como lidamos com pessoas fragilizadas, compreendemos a importância de cuidar do próximo, e sabemos que esta se traduz na qualidade dos cuidados prestados.
Quantos colaboradores têm atualmente?
A equipa da Ordem da Trindade é composta por profissionais altamente qualificados e com uma vasta experiência no domínio social e da saúde. Com o intuito de responder aos desafios e necessidades de pessoas mais fragilizadas, a Ordem da Trindade procura sempre fazer uma aposta nos melhores profissionais para responder às necessidades de cada um.
Atualmente a Ordem da Trindade conta uma equipa do quadro constituída por 61 colaboradores, 35 dos quais profissionais de saúde, e ainda por cerca de quatro dezenas de prestadores de serviços regulares.
Quais são os pilares da vossa estratégia de recursos humanos?
A política de recursos humanos da Ordem da Trindade orienta-se pelos seguintes quatro princípios: definição de objetivos e planos de desenvolvimento individuais atualizados numa base anual e ligados a um plano de formação; um sistema de avaliação de desempenho anual que abrangerá os colaboradores e os prestadores de serviços; compensação ajustada ao desempenho, com uma componente variável ajustada ano a ano na medida das possibilidades da instituição; e equilíbrio entre colaboradores do quadro e prestadores de serviço, na medida das necessidades de cada unidade funcional.
Adicionalmente e como facilitador de todo o processo, damos uma grande relevância ao desenvolvimento de ferramentas e ações de comunicação e motivação para manter todos informados sobre os desenvolvimentos da Ordem e sobre a sua matriz de valores e para permitir a todos darem contributos.
Numa empresa com tal longevidade, deixe-me perguntar qual é a vossa taxa de turnover? E a idade média dos colaboradores?
Temos uma preocupação de fixar e reter os melhores colaboradores e não temos uma rotação muito significativa, sendo que a principal fonte de saídas são as reformas.
Quanto à idade média dos colaboradores temos dois subgrupos bastante distintos: os trabalhadores do quadro com uma idade média de cerca de 50 anos e os trabalhadores prestadores de serviço com uma idade média de cerca de 30 anos.
A renovação da equipa passa precisamente pela substituição das reformas por novos colaboradores ou por prestadores de serviço que mais se vão distinguindo ao nosso serviço.