Entrevista a Nathalie Ballan, fundadora e senior partner da Sair da Casca, por Mónica Felicidade
Foi de uma ideia, em 1992, que Nathalie Ballan fez nascer a Sair da Casca dois anos depois. Chegada de França, com o sentido de causa e missão na bagagem, queria que, em terras lusas, o seu percurso se orientasse para o impacto social, ambiental e económico. Tinha trabalhado em organizações não-governamentais relacionadas com educação e ajudando a criar uma empresa que se dedicava à consultoria em cidadania empresarial. Foi jornalista, andou no terreno, conheceu histórias incríveis e descobriu a realidade. Teve uma adolescência ligada ao ativismo e cresceu em Marrocos, rodeada de injustiças e desigualdades sociais. A criação da primeira empresa de consultoria em desenvolvimento sustentável e responsabilidade social em Portugal resulta da sua convicção de que as empresas, capazes de dar um contributo único para o desenvolvimento sustentável, são uma das maiores forças de mudança da sociedade.
A Sair da Casca comemora, este ano, um quarto de século. Há 25 anos a atuar no mercado, como considera que tem evoluído a temática do desenvolvimento sustentável nas empresas, em Portugal?
Para resumir, e correndo o risco de caricaturar um bocadinho, vamos dizer que, há 25 anos, as empresas estavam muito centradas numa ótica de mitigar os riscos de comunicação, reputação e de operações. Estavam muito focadas na certificação para comprovarem e tornarem evidentes as suas boas práticas e, obviamente, para evidenciarem o cumprimento da legislação, que é o nível básico. Mas, para além disso, estavam muito focadas em processos. Estávamos na era da certificação, dos processos, da gestão de qualidade e do ambiente.
Acho que as empresas portuguesas foram muito boas alunas e extremamente pioneiras. A eficiência energética é um tema em Portugal há 30 anos. Depois, o que aconteceu é que, a partir desta visão mais reativa, começaram, talvez há 15 anos, a dizer que era impensável terem uma estratégia de negócio e uma estratégia de sustentabilidade. Começou a haver uma integração e começaram a pensar como é que podiam ir além da mitigação, otimizar impactos positivos e não só minimizar os negativos.
As empresas portuguesas começaram a pensar como é que podiam mostrar as suas boas práticas. Houve um grande boom do reporting, que hoje está completamente integrado nas empresas, até porque há uma diretiva europeia para empresas com mais de 500 colaboradores. Mais recentemente, assistimos a uma estratégia muito mais virada para o empreendedorismo e inovação, ou seja, como é que cada empresa pode ser inovadora e inventar novos produtos e serviços, ganhar novos clientes e satisfazer os atuais.
Hoje a inovação inspira muito dos desafios da sociedade: acesso à saúde, responder à evolução demográfica, perceber como vamos gerir o envelhecimento da população, ou ainda alimentar cerca de 9 biliões de seres humanos em 2030. Esta era, é, a mais interessante de todas – temos enormes desafios pela frente, que são enormes oportunidades de negócio ao mesmo tempo, e que vão contribuir para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
E comparativamente com outros países europeus, como é que se as empresas em Portugal, no que diz respeito a práticas sustentáveis, se posicionam?
Não tenho dados quantitativos, mas não conheço muitos países onde, ao nível do movimento associativo, existam associações ligadas à sustentabilidade empresarial com tantos membros. O GRACE, por exemplo, deve ter 165 membros, o equivalente em França deve ter uma centena, e há outras organizações empresariais em Portugal, como o BCSD, que defendem o desenvolvimento sustentável desde dos anos 90. Ao nível da preocupação ambiental, as empresas portuguesas foram bastante pioneiras, por uma questão de preocupação com o futuro, mas também por uma questão económica. É óbvio que quando uma empresa é mais eficiente no uso dos recursos naturais consegue ter um ganho, mas não acho que seja só por esse motivo, mesmo achando que a sustentabilidade tem de ser economicamente viável, se não não deixa de ser uma moda e isso não pode ser.
Portugal foi realmente um país muito pioneiro na Europa, talvez pelo facto de ter tantas empresas familiares, onde há uma preocupação com o que vão deixar às futuras gerações.
Do outro lado, também temos empresas multinacionais de cariz anglo-saxónico, vocacionadas, desde há imenso tempo, para o apoio à comunidade, nas áreas mais sociais da filantropia. Em Portugal, tivemos a sorte de ter uma conjugação entre empresas internacionais que vinham com esta preocupação social de retribuir à sociedade a licença para operar e empresas portuguesas preocupadas com a qualidade do ambiente e com uma grande determinação em proteger todos os recursos ambientais.
Há resistência dos profissionais das empresas na adoção de determinadas práticas?
Quando há uma linha clara do topo da empresa, um investimento, um plano de trabalho e indicadores de avaliação dos colaboradores em função do cumprimento de objetivos, acho que não há problema. Hoje, já existem empresas que têm, para qualquer função, um objetivo ou vários relacionados com o cumprimento de desafios sociais ou ambientais. Isso para mim devia fazer parte de qualquer plano de avaliação, obviamente ao nível do management, mas também dos colaboradores.
Há algumas funções onde é mais difícil conseguir identificar um critério objetivo ligado a um objetivo de sustentabilidade. Mas, para um colaborador ser empenhado não chega só a nível pessoal querer mudar ou estar convicto, mas sim saber que a empresa reconhece e que tem este tipo de avaliação de desempenho. Hoje, começamos a ver os primeiros modelos em que pelo menos os managers estão a ser avaliados em função de critérios que correspondem a prioridades do desenvolvimento sustentável da empresa.
E que envolvimento têm os departamentos de recursos humanos nos programas de desenvolvimento sustentável?
A sensibilização e a formação dos colaboradores nos temas dos ODS por exemplo, devia fazer parte dos planos de formação. O envolvimento dos colaboradores é chave quer para a mudança de práticas internas, quer para contribuir para as comunidades. O boom dos programas de voluntariado é prova disso. As empresas precisam de mostrar concretamente aos seus colaboradores a dimensão do seu compromisso com a sociedade.
O que considera que ainda falta fazer no domínio da sustentabilidade, no setor empresarial?
Começaria por dizer investimento. O investimento responsável é uma abordagem aos investimentos que visa incorporar os fatores ambientais, sociais e de governação (ESG) nas decisões de investimento, para melhor gerir os riscos e gerar retornos sustentáveis a longo prazo. Em 2019 estima-se que a dimensão global do investimento de impacto é de 502 mil milhões de dólares, ainda pouco face aos 2,5 trilhões necessários cada ano para financiar os ODS só em países emergentes.
Que trabalho faz a Sair da Casca com as empresas em prol do desenvolvimento sustentável?
Ajudamos a facilitar e a aprofundar a reflexão. Temos uma aproximação mais estratégica, de conhecimento e de cruzamento de práticas. Hoje, com a lei de integração de pessoas com deficiência, estamos a ajudar empresas a definir uma política de diversidade, que vai para além da obrigação legal. Como é que podem garantir uma integração positiva e durável de pessoas com deficiência e acompanhá-las quando precisam? A Sair da Casca vai definir com a empresa o que é a inclusão e diversidade. Depois, definimos os objetivos e metas, os indicadores que vamos usar e o plano de ação. Podemos ajudar a desenhá-lo e a implementá-lo. Hoje, cada vez mais, estamos a trabalhar em temas extremamente definidos. Na área do capital humano, por exemplo a resposta às vulnerabilidades, a responsabilidade social interna, o tema dos cuidadores, a motivação dos colaboradores, o desenvolvimento de programas de voluntariado são os temas atuais. Outra área é a da inovação: como é que a empresa pode desenvolver novos serviços e como é que se pode dirigir a novos clientes. Continuamos também a trabalhar muito na educação e sensibilização, seja de fornecedores, sociedade ou consumidores e cada vez mais na ligação das empresas com a economia social.
Que futuro idealizou para a empresa?
Desde a crise que temos estado a trabalhar muito numa área que não é tão estratégica – a filantropia –, mas para a qual as empresas portuguesas estão bastante abertas e extremamente generosas. Gostaria muito de ver as empresas comportarem-se como investidores sociais, podendo alavancar a criação, desenvolvimento ou expansão de empresas com uma missão societal (ambiental ou social) ou de organizações tradicionais da economia social, numa perspetiva de investimento e não de filantropia pura. Gostava imenso de poder contribuir para esta passagem de uma filantropia mais clássica para o investimento social.
O que também me parece interessante é olharmos para todas as startups que estão a aparecer, e Portugal está a ser muito rico nesta área do desenvolvimento de startups, e ver quais é que podem responder a uma problemática social e ambiental ou à necessidade de uma empresa ter um novo produto ou serviço. Como Sair da Casca podíamos criar pontes mais frequentes entre o departamento de inovação da empresa e toda a inovação que se passa ao lado e que está vocacionada para responder a estas problemáticas ambientais e sociais. Depois, gostaria de trabalhar a comunicação ao nível da marca, ou seja, ajudar as empresas a definirem territórios de comunicação para as suas marcas, porque a comunicação institucional ou é muito específica para um público de investidores, ou é muito geral.