Autor: Carlos Sezões | Managing Partner na Darefy
A Gestão de talento não é apenas selecionar um grupo de supostos talentosos, dentro de uma empresa, e dar-lhes um tratamento privilegiado. Será, antes de mais, ter em consideração todas as componentes do talento e desenvolver, com rigor, os processos que permitem a sua maximização.
Nunca como hoje se falou tanto em gestão de talento. Mas, para muitas organizações, tal continua a ser uma matéria encarada como acessória e, por vezes, um luxo apenas pertinente e acessível a empresas de grande dimensão. Nada de mais errado! Num tempo em que os produtos, processos, estratégias e tecnologias são facilmente copiáveis e transitam rapidamente entre organizações, o talento é a vantagem competitiva mais sustentável no tempo e constitui a fonte de criatividade e inovação constante das empresas. Além disso, os «talentos» são frequentemente o segmento por excelência de onde emergirão líderes que posteriormente poderão alinhar atitudes e comportamentos de todos os que com eles lidam e partilhar conhecimento, de forma transversal e em cascata, por toda a organização.
Analisemos o talento… Sem preocupações de rigor académico, diria que talento é a aptidão que um indivíduo possui de realizar determinada tarefa ou processo com níveis de eficiência e eficácia extraordinários, bastante acima da média e, geralmente, com um bom potencial de evolução associado. Estas caraterísticas, em contexto profissional, poderão partir de traços de personalidade, aptidões inatas, preferências e gostos enraizados ou competências adquiridas. Pouco importa a origem… o resultado é incontornável e ilustrativo: a performance de excelência dos seus detentores, os designados talentos, ou o potencial que encerram para o futuro. Como em tudo na vida, não devemos ver a realidade «a preto e branco» e devemos ter em atenção que temos de encarar diferentes escalas e diferentes graus de potencial de talento em todas as pessoas. Cabe à organização aproveitar o que cada um tem ou terá de melhor e apoiar o seu desenvolvimento.
As várias componentes do talento
O talento de uma organização está assente, naturalmente, nas suas pessoas – em concreto, naquilo que elas aportam ao sistema organizacional.
Em primeiro lugar, a performance. Tal será patente na eficiência (forma como alguém conduz determinado processo) e na eficácia (resultados que são obtidos). Análises objetivas de desempenho alicerçadas em bons KPI permitirão obter esta avaliação. O potencial é a componente mais dificilmente mensurável, uma vez que mexe em questões de análise prospetiva. Aqui, será fundamental avaliar valores, atitudes, comportamentos e competências, cujas presença e aplicabilidade conjugadas permitam, a priori, um futuro desempenho de excelência numa determinada função. As competências, per se, são a variável crítica, essencial para a performance presente ou futura. Por fim, a satisfação e motivação (conjuntural) e o compromisso (estrutural) serão um outro ingrediente fundamental, o «querer fazer».
Processos da gestão de talento
Ora, dada a importância do tema e tendo em conta a complexidade de avaliar e gerir todas estas variáveis, ignorar os talentos e deixá-los imersos dentro da complexidade funcional das empresas é um custo enorme que rapidamente trará perdas de competitividade. Como tal, um processo de gestão de talento deve ser regular, continuado e «institucionalizar-se» nas políticas e processos da organização – para além de depois, na operacionalização, possuir coerência e sequência lógica nas suas várias etapas. Aqui descrevo uma possível abordagem/segmentação sequencial:
- Atrair
A aquisição de talento, no sentido mais restrito do termo, prende-se com a capacidade de atrair pessoas que consigam aportar valor. Sem aprofundar muito, diria que, de forma sintética, tal far-se-á de duas formas: criando uma grande capacidade de atração junto de profissionais qualificados (ex.: o posicionamento de first choice employer) ou conseguindo, proativamente e de forma mais direcionada, atrair, recrutar e admitir para posições específicas. Como tal, os processos de employer branding (estratégias de marketing adaptadas ao posicionamento, imagem de marca e comunicação como entidade empregadora) e de recrutar, acolher e integrar serão críticos neste aspeto. Como será consensual, a existência explícita de missão, valores, estratégias, cultura e objetivos apelativos para os indivíduos que uma organização pretende ter consigo facilitará esta capacidade de atração.
- Recrutar, acolher e integrar
Perante necessidades concretas e pontuais, a capacidade de uma empresa recrutar no mercado um quadro de excelência é uma componente essencial do seu modelo de gestão de talento. No caso de ser essa a estratégia definida, dever-se-ão explicitar os processos e áreas críticas nos quais é pertinente a aquisição de novos talentos e qual o perfil destes. Como é natural, teremos aqui duas opções (que se poderão assumir como complementares): atração, recrutamento, seleção e acolhimento de novos talentos (por exemplo, através de processos de executive search); o desenvolvimento e integração progressivos dos colaboradores atuais no quadro de referências da empresa (missão, cultura, valores) e nos processos organizacionais.
- Diagnosticar e segmentar
Nesta parte importará ter em conta a performance atual vs. potencial e competências vs. compromisso/motivação.
Importará, neste passo, aferir as aptidões e competências dos colaboradores de uma determinada organização, com vista a detetar desempenhos de excelência e inventariar o seu potencial. Este processo conduzirá à obtenção de informação e conhecimento sobre o «estado da arte» em termos de talento organizacional – identificando e segmentando os diferentes níveis. Para um bom diagnóstico, dever-se-ão definir previamente fontes de informação (ex.: avaliação do desempenho e indicadores comportamentais), que possam melhor espelhar as manifestações de talento. Este processo poderá ainda basear-se em entrevistas, dinâmicas, testes psicométricos, entre outros. Os outputs destes processos serão a avaliação e o mapping de indivíduos e equipas em termos de:
- Apoiar e desenvolver: Neste ponto, será relevante conceber estratégias e ações que aperfeiçoem o talento dos grupos identificados com elevado desempenho. Tal poderá assentar em ações de desenvolvimento de competências, coaching, mentoring, exposição às melhores práticas de outros talentos ou de colegas mais seniores e partilha de conhecimento e experiências (estratégias de knowledge management).
- Monitorizar/reportar: Tendo em conta os passos a montante, será aqui oportuno desenvolver uma estratégia de monitorização, análise e registo que traga informação útil sobre:
-
- áreas críticas com talentos identificados;
- áreas críticas com lacunas em termos de talentos;
- compreensão das necessidades futuras, em função dos objetivos estratégicos.
Tal permitirá identificar áreas que careçam de intervenções concretas e interligar a gestão de talento com outros processos de RH (gestão de carreiras, planos de sucessão, entre outros).
Alinhar, motivar e reter
Aqui, será essencial perceber, a priori, o grau de engagement (motivação, compromisso) entre os talentos de uma organização. Para existirem níveis de retenção eficazes, importará, inicialmente, conhecermos os níveis de sintonia das pessoas com a sua organização. Por isso, mais do que questões pontuais de satisfação ou do tradicionalmente designado «clima organizacional», importará avaliar fatores que, numa ótica mais estrutural, contribuem para solidificar a relação colaborador-instituição.
Questões como a identificação sincera com a missão, a visão e os valores da empresa, a noção de desafio e realização inerente ao projeto de carreira, o conteúdo da função, a valorização/reconhecimento, o grau de autonomia e relação com a hierarquia, a integração na equipa e o equilíbrio vida pessoal/vida profissional são essenciais. Será, pois, pertinente, através de engagement surveys, compreender como estas variáveis são encaradas e avaliadas. A partir daqui, dever-se-ão equacionar planos de retenção ativa, materializados em iniciativas facilitadoras do desenvolvimento do talento (ao nível da comunicação, team building, processos de inovação, mobilidade, coaching e mentoring, entre outros).
Destaco, por último, que, para se criarem ambientes propícios à emergência, desenvolvimento e retenção de talento, os líderes empresariais devem promover determinados valores: o empowerment, a autonomia, a aprendizagem constante, a liberdade para criar e inovar, o mérito e a orientação para os resultados. Tal permitirá a emergência de «redes sociais corporativas», formas de colaboração informais, ciclos de decisão transparentes, assumidos e partilhados e uma mais fácil gestão do conhecimento. Gerir talento pressupõe, por fim, uma nova atitude, uma visão diferente: focalizarmos as energias nas nossas forças e pontos positivos em vez de estarmos focados constantemente em mitigar os nossos defeitos e lacunas.
Artigo originalmente escrito por Carlos Sezões, enquanto Partner na Stanton Chase Portugal, e publicado pela RHmagazine a 29 de Maio de 2014.