A RHmagazine esteve à conversa com Clara Raposo, reitora do ISEG, e com Duarte Costa, fundador da Grosvenor e professor, sobre a segunda edição do curso Sustainable Finance do ISEG e sobre a estratégia de sustentabilidade das empresas.
O curso Sustainable Finance do ISEG foi o primeiro a ser criado em Portugal e conta com professores e convidados de topo, como o CEO da EDP e o Ministro do Ambiente. O que traz este curso de diferente? De que forma está adaptado para o mercado de trabalho atual?
Clara Raposo: Este curso interessa-me muitíssimo quer enquanto cidadã, quer enquanto professora de finanças ou como responsável de gestão de uma instituição tão grande e relevante como o ISEG. Sinto uma responsabilidade especial de olhar para novas áreas e novas formas de investimento e desenvolvimento de negócios. Os critérios de avaliação de projetos de investimento e o tipo de negócios e de economia que queremos para o futuro são hoje um bocadinho diferentes.
Este curso, o Sustainable Finance, que vai agora para a segunda edição, surge exatamente por este reconhecimento da necessidade que existe de darmos formação no mercado português acerca desta transformação que em todos os negócios, no fundo, vai ter se surgir.
Se calhar, em determinada altura, tínhamos a ideia de que o setor financeiro tinha de estar particularmente atento a novas formas de financiamento que possibilitassem que os negócios se tornassem mais sustentáveis, não só financeiramente, mas também, por exemplo, em termos de questões ambientais. Hoje em dia, percebemos que isto diz respeito ao setor financeiro, ao setor da energia, mas também diz respeito a praticamente todos os setores da nossa economia, porque todos eles têm de estar adaptados a uma nova realidade, em que temos de garantir a continuidade da nossa vida e das atividades económicas.
O Sustainable Finance surgiu da vontade de reunir conhecimentos em áreas que, tipicamente, os gestores não têm, e que têm a ver com a regulação que está a surgir na Europa. Temos melhor informação sobre quais são as grandes tendências de investimento pelo mundo inteiro, e que perfis de projeto e de empresas é que os investidores começam a mostrar ter mais interesse em focar os seus investimentos. Por outro lado, capacitarmo-nos (a nós, economistas e gestores) com mais conhecimentos sobre o que é de facto a descarbonização. Quando falamos das preocupações ambientais, onde está o capital natural? Como o podemos avaliar?
É um repensar no modelo de negócios para muitas empresas e muitos setores, juntando estas várias vertentes, para as finanças tradicionais evoluírem para umas finanças que tenham em conta todos estes elementos. Para isso, temos um conjunto de sessões muito variadas neste programa.
Esta é a segunda edição do curso. Que balanço faz da primeira, que decorreu em 2020? E que parceiros têm este ano?
Clara Raposo: Tenho orgulho neste programa. Teve uma primeira edição muito bem sucedida o ano passado. Conseguimos trazer grandes especialistas internacionais, e temos já um corpo docente do ISEG com muito boa capacidade de discutir estes temas, com bom nível. Temos muitos convidados nacionais de outras áreas, que também nos trazem as suas realidades específicas e que nos ajudam a perceber como é que esta transformação dos negócios pode ser feita, sem criarmos propriamente uma disrupção completa na vida das economias, mas fazendo uma transição para qualquer coisa que nos parece melhor, útil e relevante. É um programa de estrelas!
Temos excelentes parceiros no programa, como a Grosvenor ou a Fundação Gulbenkian, sendo que ambas conferem bolsas a participantes que queiram fazer o programa. Temos também uma parceria com a Abreu Advogados, porque também sentimos a necessidade de trazer esses aspetos legais, quer em termos de regulação, quer na montagem de determinado tipo de operações. Temos formadores que dão sessões que são, por um lado, expositivas, e que, por outro, também gerem o debate, a participação e os trabalhos de grupo. E temos ainda um conjunto de convidados adicionais que nos trazem casos específicos das suas empresas. Tivemos o cuidado de escolher diferentes setores de atividade.
Temos o grupo Pestana (o CEO e o CFO), para nos explicarem como é que adaptaram o seu negócio e a sua forma de financiamento. Temos a EDP, que também nos vem apresentar a forma como o seu negócio tem evoluído ao longo do tempo e como é que se tornaram numa referência internacional na emissão de produtos mais verdes, e temos um caso do setor financeiro. Portanto, vamos cobrindo setores diferentes.
O caso que vai ser apresentado na primeira pessoa é também um caso internacional, do BNP Paribas. Teremos o global Head desta área de transição energética que explicará como o banco tem construído a sua estratégia e se tem relacionado com as outras identidades. Além disso, temos ainda outros convidados que vêm trazer a perspetiva do regulador e do mercado de capitais. E vamos ter a oportunidade de discutir isto ao mais alto nível. E que isto seja enriquecedor e ajude, de facto, a melhorarmos o desempenho das nossas empresas no curto, médio e longo prazos.
Surge cada vez mais, no seio das empresas, a preocupação com a sustentabilidade e com as práticas “green”. A verdade é que a pandemia acelerou a transformação digital, o que, em parte, veio contribuir para estas práticas mais sustentáveis. Este curso vai ao encontro desta tendência?
Clara Raposo: Acho que com a pandemia todos nós ficámos mais conscientes da nossa humanidade e mortalidade, e da nossa necessidade de coordenarmos as nossas ações. Individualmente, temos um papel muito importante, e a nossa coordenação em conjunto, não só como país, mas até globalmente, é muito importante para o sucesso de qualquer estratégia que tenhamos. É a nossa sobrevivência pessoal e a sobrevivência do planeta e dos negócios que queiramos desenvolver para o futuro.
Desse ponto de vista, o curso acabou por surgir numa altura muito pertinente. Desenhámo-lo no início do ano passado, quando ainda não estávamos num cenário de pandemia em Portugal. Depois, fizemos um conjunto de adaptações e sentimos, de facto, uma maior sensibilização do mundo empresarial, que estava a dar atenção a sério a esta necessidade de transformação. E o digital também acaba por nos tornar, de certa forma, mais conscientes da falta que nos faz a terceira dimensão.
O curso realizou-se em que formato e em que formato se vai realizar este ano?
Clara Raposo: O ano passado o curso foi realizado no fim do verão, início do outono, numa altura em que desconfinámos. Portanto, fizemos o curso em formato presencial, de acordo com as regras de segurança. O curso funciona em formato de dias inteiros, e houve direito a esse convívio personalizado, que também é importante. Mas também tivemos alguns participantes que, à distância, foram acompanhando as aulas. Temos o espaço devidamente equipado e cada vez melhor, para conseguirmos transmitir para casa. Há essa opção de escolher, e este ano vamos fazer outra vez assim.
O curso são oito dias inteiros. Desta vez temos um modelo muito civilizado, diria. São quatro quartas-feiras em junho, e depois retomamos com quatro quartas-feiras em setembro. Dá a possibilidade de não ser demasiado maçador, e cada dia que ali estamos é um dia de abertura de horizontes e de pensamentos. Depois, temos uma semana para recuperar. E em setembro temos uma segunda parte, para a qual vamos com outra bagagem.
O que falta ainda às empresas para levarem a cabo uma estratégia mais sustentável de negócio? O que ainda está por fazer?
Clara Raposo: Neste momento, falta um bocadinho de estabilidade e de perspetiva quanto ao que vai ser o futuro. Estamos a atravessar uma fase crítica das nossas vidas. Há dois anos atrás, nenhum de nós teria previsto que iríamos atravessar uma crise desta natureza. A previsibilidade era outra e, hoje em dia, há um bocadinho de incerteza, por exemplo, em saber quando se irá retomar a atividade.
Há certos negócios e certas áreas em que penso que se fez uma transformação muito rápida, por exemplo, para o formato digital. E algumas até floresceram neste período e conseguem ver, mesmo neste cenário, uma determinada forma de evolução dos seus negócios. Mas também houve um conjunto de setores de atividade que se viram bastante parados e que até podem considerar que a sua continuidade, no longo prazo, está em risco. O cenário da pandemia não é o ideal para as empresas pensarem nesta transformação.
Outra coisa que falta é conhecimento. Ou seja, ouve-se as Nações Unidas falarem sobre a necessidade de descarbonizar, mas começa a ser, de facto, essencial levar muito conhecimento científico, já mais sólido, às empresas e aos verdadeiros decisores das empresas, para terem a noção da efetiva urgência de ter de se fazer algumas transformações.
No caso europeu, temos tido um discurso bastante persuasivo e insistente da Comissão Europeia, nestes últimos anos, assinalando a importância da transição climática a par da transição digital dos negócios. Esta mensagem começa a passar-se, e agora é preciso conseguirmos explicar às empresas como é que isto pode ser feito e que impacto vai ter nos diferentes tipos de negócios. Isto só conseguimos fazer em conjunto.
As autoridades que têm responsabilidades públicas e de regulação, as escolas que dão formação nesta matéria – as universidades têm um papel importante no desenvolvimento de estudos e de métricas, que ajudem a que façamos esta ligação entre o que são os aspetos do planeta e da natureza, e o que é o negócio de diferentes setores de atividade – e os responsáveis das empresas têm de perceber o que está em causa e como podem fazer essa transformação. Portanto, falta conhecimento, falta juntar estes dois elementos, e falta termos depois o financiamento que acompanha essa transformação.
É, ao mesmo tempo, uma enorme oportunidade de crescimento económico, porque vai ser preciso transformar muitos negócios, e nessa transformação vamos criar coisas novas e gerar dinâmica nas economias. É preciso que haja um salto qualitativo, e temos de ser muitos ao mesmo tempo a dar esse salto. O nosso papel é um bocadinho esse: trazer conhecimento, partilhar experiências, identificar boas práticas e conseguirmos fazer com que, não só as grandes empresas, mas também as PME, consigam ver de que forma os seus negócios podem evoluir para serem compatíveis com novos objetivos.
Que tipo de dinâmicas são contempladas no curso? É um curso mais virado para a prática?
Clara Raposo: Também teremos umas partes mais introdutórias. Temos um dia que é mais sobre finanças mesmo, com os professores do ISEG, com uma parte inicial em que verificamos o que as finanças tradicionais têm contemplado em termos de análise de investimentos e desempenho, e, por outro lado, que transformações estão agora a ser introduzidas, tendo em conta estas novas preocupações. É importante fazermos esta ligação entre as finanças tradicionais, digamos assim, e as finanças sustentáveis.
Temos um dia mais dedicado a temas de natureza, para percebemos do que estamos a falar quando falamos nestas necessidades. Fazemos aí a ponte entre isso e o aspeto do negócio e lado financeiro. Depois, temos diferentes sessões em que olhamos para aspetos de regulação. E temos os tais casos que vão ser apresentados. É obviamente prático, e espera-se que haja participação ativa e interação. E temos ainda o tal extra de, na hora de almoço, todos os dias, fazermos uma pausa e trazermos um convidado especial que vem falar de mais uma perspetiva sobre aquele tema, para que haja oportunidade de partilha de perspetivas diferentes.
O Duarte é não só fundador da Grosvenor, que apoia novamente este curso com a promoção de uma bolsa para um dos candidatos ao curso, mas também é professor deste programa formativo. A nível da sustentabilidade dos negócios, o que vem acrescentar a este curso? Qual a ideia principal que pretende transmitir aos profissionais?
Duarte Costa: É dar a visão de praticabilidade em relação à inclusão do tema da sustentabilidade nos negócios e nos investimentos, no âmbito da atividade das empresas e do trabalho que é efetuado pelas equipas de gestão. A ideia é transmitir a existência de fatores não financeiros, que são materialmente relevantes e que impactam negativa ou positivamente a atividade da empresa ou do investimento, não só antes do ciclo de investimento, como também depois da transação e durante todo o ciclo de investimento, até ao desinvestimento.
O que queremos fazer é demonstrar quais são os KPI, onde é integrado o fator de sustentabilidade nos roadmaps das empresas e dos seus projetos, desde o processo de análise e decisão das oportunidades até após a transação, e fazer todo o acompanhamento, através dos dashboards e KPI que são acordados com as equipas de gestão e monitorizados de forma regular. Permitir perceber quais são os critérios e os objetivos que irão fazer com que haja valor acrescentado no longo prazo, no âmbito da valorização desses investimentos. É apresentar o aspeto prático sobre a temática e sobre a inclusão do tema da sustentabilidade nos negócios.
De que forma os interessados podem candidatar-se a esta bolsa que a Grosvenor promove?
Duarte Costa: Nós temos o framework e os meios de comunicação do ISEG, e centralizamos aí a possibilidade dos interessados responderem a um inquérito/questionário sobre a sustentabilidade e sobre o impacto que esta tem nas suas vidas e nas suas atividades, de uma forma holística. É um exercício de introspeção que desafiamos os interessados a fazer, para eles próprios perceberem qual será o seu starting point para este curso. Será interessante, depois do curso, perceberem qual era o posicionamento em que estavam e as vantagens. É um exercício que permite depois a aplicabilidade no quotidiano, dentro das organizações.
A Grosvenor apoia o curso no âmbito do programa Grow Sustainable. Em que consiste este programa?
Duarte Costa: Costumamos dizer que é a nossa ferramenta de spreading the word. Ou seja, tentamos contribuir para o ecossistema e fazer um pouco de push em relação aos nossos peers e a outros stakeholders, convidando-os a debater e a falar sobre esta temática da sustentabilidade e do seu impacto. E fazemo-lo de várias formas; esta é através do apoio ao curso. Mas temos outras, como a realização de masterclasses, webinares e conferências, mentoring em programas de aceleração, sobretudo em startups, e alguma formação em equipas de gestão, nomeadamente das empresas que são comparticipadas pelos nossos fundos.
É este spreading the word que queremos, e é este o buzz que queremos criar, para que esta temática seja cada vez mais recorrente na opinião e no dia a dia de cada organização e equipa de gestão.
Na sua opinião, o que falta às empresas para levarem a cabo uma estratégia mais sustentável de negócio? Que dicas daria às empresas para se tornem mais sustentáveis?
Duarte Costa: Diria, antes de mais, resiliência. É uma das características que felizmente tem-se verificado junto de muitas organizações e de muitas equipas de gestão. Falamos de fatores não financeiros, que são materialmente relevantes, e a questão da covid-19 é um deles. Não há um racional económico-financeiro para este tipo de eventos, que são exógenos à atividade de cada empresa ou investimento.
Temos de estar minimamente preparados para, no final do dia, de uma forma pró-ativa ou reativa, podermos flexivelmente adaptar-nos a novas realidades. É aqui que a resiliência entra e marca a diferença.
Depois, obviamente, tem de haver um maior interesse por compreender esta temática da sustentabilidade e compreender como poderão integrar a temática nos modelos de gestão, planos de negócios e roadmaps. A ideia é preparar as equipas e sensibiliza-las, para perceberem que há realmente aqui uma vantagem competitiva, pelo facto de estarem a integrar agora fatores de governance, sobretudo, e fatores sociais e ambientais, que irão fazer com que as empresas sejam mais resilientes e menos voláteis a estes fatores. Isto para que as equipas, no seu percurso, possam ter uma visão mais holística sobre o impacto das suas decisões, que vai muito além do impacto meramente económico e financeiro.
Falou-nos do interesse por compreender estas temáticas, do lado das empresas. Acha que ainda existe essa falta de interesse?
Duarte Costa: Diria que é uma inevitabilidade. Hoje em dia, temos várias pressões saudáveis, que levam, de uma forma ou de outra, as organizações a se interessarem por esta temática. Desde logo, o framework – felizmente para nós – já é top-down e não bottom-up. Já temos a União Europeia, a Comissão Europeia e os governos a olharem para esta temática, e eles próprios a definirem e convencionarem um conjunto de relatórios, que permitem não só assegurar o cumprimento de determinados objetivos, mas também uniformizar muitos dos conceitos e das metodologias que são seguidas. E isto, para nós, pela primeira vez, é uma realidade. Desde logo, há um certo push para que as organizações possam começar a tomar mais contacto com esta temática.
Depois é o mercado per si – o mercado é livre e altamente competitivo, e o comboio está a andar. As empresas que integram e interiorizam melhor esta temática nos seus planos de ação e nas suas estratégias de projeto liderarão, sem dúvida, as suas atividades e os seus setores. Até esta via, pela via de peer pressure, fará com que as empresas que avançarem mais rapidamente para a integração destes fatores tenham melhores condições para terem mais sucesso.
Há dois stakeholders importantes que estão cada vez mais sensibilizados para esta temática, e eles próprios são agentes ativos. Em primeiro lugar, os clientes, uma vez que há uma maior sensibilização por parte da base de clientes, que obrigam e exigem práticas de sustentabilidade claras e transparentes nas empresas.
Em 2030, vamos assistir a uma passagem de mãos de 50% da riqueza mundial, uma passagem para os descendentes. Isso quer dizer que as pessoas mais jovens e investidores mais jovens estão também muito mais sensibilizados para estas questões da sustentabilidade e das alterações climáticas. Têm um grau de exigência que é uma pressão saudável para nós investidores, para investirmos em empresas que têm excelentes práticas de sustentabilidade.
Clara, que opinião tem relativamente ao interesse por estas temáticas, por parte das empresas?
Clara Raposo: Eu acho que não é exatamente falta de interesse. Em algumas áreas, se calhar, ainda há desconhecimento total, talvez em empresas mais pequenas, de setores mais recônditos, que não estão ainda muito a par destas novidades, mas que rapidamente vão sabê-lo. Mas há curiosidade. Na generalidade das empresas com quem vou contactando há muita curiosidade e vontade de fazer esse upgrade.
As empresas têm às vezes receio de uma transformação que implique muito investimento. Não sabem se têm capacidade para o fazer ou não, ou como poderá haver financiamento que auxilie. Há alguma preocupação com essa visão multilateral do mundo dos negócios, mas há interesse em dar esses passos. E, de facto, além de fazermos aquilo que é certo do ponto de vista ESG, também há uma visão de negócio em tudo isto.
Queremos que esta transformação aconteça para termos uma economia mais saudável a todos os níveis, no futuro, mas também para que haja um objetivo de negócio. E queremos que estas empresas sejam aquelas que, mais tarde, são também rentáveis por fazerem as coisas certas. É um caminho a percorrer. E estas formações são fundamentais.
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