Autoras: Graça Quintas, Head of Employment | Sousa Machado, Ferreira da Costa & Associados, Sociedade de Advogados
Luísa Pestana Bastos, Advogada Associada | Sousa Machado, Ferreira da Costa & Associados, Sociedade de Advogados
Em 6 de dezembro de 2021 foi publicada a Lei n.º 83/2021 que veio implementar alterações relevantes no regime do teletrabalho previsto no Código do Trabalho e que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2022. Debrucemo-nos, pois, sobre os traços principais que a aplicação prática deste novo regime nos suscita:
1. Há um novo conceito de teletrabalho?
Sim, um conceito mais amplo. Passou a considerar-se teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este último, mediante o recurso a novas tecnologias de informação e comunicação.
Ao abrigo deste regime, o teletrabalhador goza de igualdade de direitos e deveres em todos os aspetos da relação laboral, em termos iguais aos aplicáveis aos demais trabalhadores.
2. Em que casos é que o teletrabalho é obrigatório e quem tem direito a este regime?
Têm direito ao teletrabalho:
a. O trabalhador que seja vítima de violência doméstica, devendo para tal:
i. Apresentar queixa-crime;
ii. Sair da casa de morada de família no momento em que o teletrabalho se torna efetivo.
b. Trabalhador com filho até três anos de idade, desde que:
i. A prestação de teletrabalho seja compatível com as funções exercidas;
ii. O empregador disponha de meios e recursos para o desempenho de teletrabalho.
c. Trabalhador com filhos até oito anos de idade, desde que:
i. O empregador não seja uma microempresa (i.e., tenha até nove trabalhadores);
ii. Ambos os progenitores reúnam condições para “teletrabalhar”, e não o exerçam em simultâneo; podem beneficiar do regime de teletrabalho em períodos sucessivos de igual duração com referência a um período máximo de 12 meses;
iii. Se trate de família monoparental, ou quando apenas um dos progenitores apresenta condições para desempenhar teletrabalho.
d. Trabalhador com estatuto de cuidador informal não principal, pelo período máximo de quatro anos consecutivos ou interpolados, desde que:
i. Apresente comprovativo de tal estatuto;
ii. As funções por si exercidas sejam compatíveis com o teletrabalho;
iii. O empregador disponha de meios/recursos para o desempenho de teletrabalho.
3. O empregador pode recusar a prestação de teletrabalho?
De forma geral, e fora das situações descritas acima em 2. – a) a c), o empregador apenas pode recusar a prestação de teletrabalho solicitada pelo trabalhador se fundamentar tal recusa.
O empregador apenas pode recusar a prestação de teletrabalho solicitada pelo trabalhador se fundamentar tal recusa
Nesse cenário, o trabalhador poderá responder à recusa, por escrito, no prazo de cinco dias.
Nos cinco dias seguintes, o empregador deve remeter à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) cópia do pedido e da intenção de recusar a prestação de teletrabalho e da pronúncia do trabalhador.
No prazo de 30 dias, a CITE emite parecer. Caso não o faça, o mesmo considera-se favorável à pretensão do empregador.
No caso de trabalhador vítima de violência doméstica, ou com filho até três ou oito anos, o empregador não se pode opor à prestação de teletrabalho.
Se se tratar de cuidador informal não principal, o empregador só se poderá opor por escrito, com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, no prazo de 20 dias a contar do pedido do trabalhador.
4. O trabalhador pode recusar a prestação de teletrabalho?
O trabalhador pode opor-se, sem qualquer fundamento, à proposta de teletrabalho apresentada pelo empregador, não podendo tal constituir causa de despedimento, ou justificar a aplicação de sanções.
5. Qual a forma do acordo de teletrabalho?
A aplicação do regime de teletrabalho continua dependente de acordo escrito, que pode integrar o contrato de trabalho ou constar de documento autónomo.
6. Quais as formalidades obrigatórias, aplicáveis a tal acordo?
As menções obrigatórias do acordo de teletrabalho são, agora, alargadas, devendo o mesmo conter as seguintes:
a. A identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b. O local em que o trabalhador realizará habitualmente o seu trabalho;
c. O período normal do trabalho diário e semanal;
d. O horário de trabalho;
e. A atividade contratada, com indicação da categoria profissional;
f. A retribuição, incluindo prestações complementares e acessórias;
g. A propriedade dos instrumentos de trabalho, bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção;
h. A periodicidade e o modo de concretização dos contactos presenciais.
No decurso da execução do acordo, o local de trabalho pode ser alterado por acordo das partes.
7. O teletrabalho parcial é possível?
Sim, o acordo de teletrabalho pode estabelecer períodos de teletrabalho com períodos alternados de prestação de trabalho presencial (nas instalações da empresa ou em local designado pelo empregador).
8. Qual a duração do regime de teletrabalho?
O acordo de teletrabalho pode ter duração:
a. Determinada: até seis meses, renováveis automaticamente por iguais períodos, exceto se alguma das partes declarar por escrito, com 15 dias de antecedência em relação ao termo do prazo, a sua intenção de não renovar o acordo;
b. Indeterminada: neste caso, qualquer parte pode fazer cessar o acordo através de comunicação escrita à outra parte, que produzirá efeitos no 60.º dia posterior.
Acresce que nos primeiros 30 dias de execução do acordo, qualquer das partes pode pôr termo a este regime.
9. De quem é a responsabilidade pela disponibilização e manutenção dos instrumentos de teletrabalho?
A disponibilização dos equipamentos e sistemas necessários ao teletrabalho é da responsabilidade do empregador. O acordo deve prever se estes são fornecidos pelo empregador ou se são adquiridos pelo trabalhador – caso em que o empregador deve dar a sua concordância quanto a características e preços dos referidos equipamentos.
10. O teletrabalhador tem direito a ser compensado pela prestação de teletrabalho?
Tal compensação só está prevista para despesas adicionais suportadas pelo teletrabalhador (i.e. aferidas, por comparação ao montante incorrido no mesmo mês do último ano anterior à aplicação do acordo) e desde que sejam devidamente comprovadas e consequência direta do teletrabalho – designadamente a aquisição e uso de equipamentos, custos de energia e rede e de manutenção dos mesmos passam a ser integralmente compensadas pelo empregador.
A aquisição e uso de equipamentos, custos de energia e rede e de manutenção dos mesmo passam a ser integralmente compensadas pelo empregador
Tal compensação é considerada um custo para o empregador e não constitui rendimento para o trabalhador.
Dada a ausência de instruções concretas que auxiliem na boa aplicação deste regime compensatório, devem as partes atuar com boa fé e com bom senso.
11. Como deve ser salvaguardado o direito à privacidade do teletrabalhador?
Como novos mecanismos de salvaguarda do direito à privacidade dos teletrabalhadores, destacamos os seguintes:
a. A visita ao local de trabalho pelo empregador está sujeita a um aviso prévio de 24 horas garantido por este e à concordância do trabalhador;
b. Tal visita apenas pode visar o controlo da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho;
c. É proibida a captura e utilização de imagem, de som, de escrita, de histórico ou o recurso a outros mecanismos de controlo que afetem o direito à privacidade do trabalhador.
12. Em teletrabalho, que deveres especiais impendem sobre o empregador?
Para além dos deveres gerais constantes do Código do Trabalho, o empregador deve ainda, designadamente:
a. Informar o trabalhador das características e do modo de utilização dos equipamentos, sistemas e programas de acompanhamento à distância da sua prestação laboral;
b. Abster-se de contactar o trabalhador no seu período de descanso, salvo em casos de força maior;
c. Tomar providências com vista à redução do isolamento do trabalhador. Para este efeito, o acordo de teletrabalho deve prever a periodicidade dos contactos presenciais entre o trabalhador e a sua estrutura hierárquica e demais trabalhadores. Caso não a preveja, os referidos contactos não se devem realizar com intervalos superiores a dois meses;
d. Garantir e custear as ações de manutenção e correção de avarias dos equipamentos e sistemas utilizados no teletrabalho;
e. Consultar, por escrito, o trabalhador antes de proceder a alterações nos equipamentos e sistemas utilizados na prestação de trabalho;
f. Ministrar formação profissional com vista ao uso adequado e produtivo dos equipamentos e sistemas utilizados na prestação de teletrabalho.
13. Como pode o empregador supervisionar a atividade do teletrabalhador?
As reuniões de trabalho à distância e as tarefas que devam ser realizadas em tempos concretos e em cooperação/articulação com outros trabalhadores, devem ser efetuadas no horário de trabalho e preferencialmente agendadas com 24 horas de antecedência.
A comparência nas instalações da empresa ou noutro local designado pelo empregador, para reuniões, ações
de formação ou para outras situações que careçam da presença física do trabalhador, é obrigatória, desde que o trabalhador tenha sido convocado com, pelo menos, 24 horas de antecedência.
14. Como é que se pode dar cumprimento às obrigações em matéria de segurança e saúde no trabalho (SST), em caso de teletrabalho?
O empregador deve:
a. Ter especial cuidado ao cumprimento de prescrições mínimas de SST com equipamentos dotados de visor;
b. Promover a realização de exames de saúde no trabalho antes da implementação do teletrabalho e, anualmente, para avaliação da aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício do teletrabalho;
c. Adotar medidas preventivas adequadas à prestação de teletrabalho.
Para tanto, o trabalhador deve dar acesso ao local onde presta trabalho aos profissionais designados pelo empregador, responsáveis pela avaliação e controlo das condições de SST, em período previamente acordado, entre as 09 e as 19 horas, dentro do horário de trabalho.
15. Que precauções deve ter o empregador em matéria de acidentes de trabalho?
Dado que os teletrabalhadores também beneficiam da mesma cobertura de risco, o empregador deve comunicar sempre à Companhia de Seguros responsável pelo Seguro de Acidentes de Trabalho (e previamente) quaisquer alterações relativamente ao modo de prestação de atividade, em particular, qualquer alteração do local de trabalho.
Artigo publicado na edição n.º 138 da RHmagazine, referente aos meses de janeiro/fevereiro de 2022.
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