Autora: Tânia Baptista, diretora da Academia de Formação e Desenvolvimento da EMEL
Uma distância forçada
Trabalhar à distância não é uma moda nem sequer uma novidade para muitas empresas, nomeadamente multinacionais e/ou start-ups, mas é seguramente para a maioria dos trabalhadores, e para todos ou quase todos, uma imposição resultante desta pandemia. Em março de 2020, o mundo descobriu o trabalho à distância (remoto) à escala mundial e de uma forma global.
Estamos todos cansados das reuniões virtuais, das solicitações sem «limites», da falta de fronteiras entre escritório e casa, mas, na realidade, do que provavelmente estamos todos verdadeiramente cansados é deste contexto «anormal» em que somos privados de estar com as pessoas de uma forma natural, presencial, quando, onde e como precisamos, seja para trabalhar ou simplesmente beber um café.
Para a frente é o caminho
Embora estejamos a contar os dias para o «regresso ao normal», voltar atrás não me parece opção. Aliás, vários estudos apontam que muitas pessoas prefirem continuar a trabalhar remotamente, pelo menos a tempo parcial. Também neste sentido, varias referências como a Gartner, a HBR – Harvard Business Review ou a portuguesa Yellow Pad falam de diferentes cenários possíveis, entre os quais: o full remote (em que o trabalho é integralmente assegurado à distância, como acontece com a empresa Twitter, que implementou o full remote para os seus colaboradores), o remote-first (em que a modalidade base é o trabalho remoto, mas os colaboradores podem trabalhar presencialmente se assim entenderem, como acontece com a Dropbox) ou o modelo híbrido (em que existe uma combinação de trabalho remoto e presencial, como acontece, por exemplo, na Siemens AG).
De acordo com os dados da HBR, grande parte das empresas contam experimentar um aumento do trabalho remoto, comparativamente com os níveis de referência pré-pandemia. E para os que estão a pensar «isso é lá fora»… ora, o desafio é global e nós estamos dentro dessa globalidade… todas as discussões são válidas, só não vale a negação.
Uma reflexão que se impõe: Qual o melhor modelo de trabalho para a minha equipa?
Esta é uma reflexão que se impõe a todos nós líderes e membros de equipas, dado o impacto que pode ter do ponto de vista empresarial, económico, social e ambiental. Penso que voltar atrás seria um desperdício para empresas e famílias. Fomos obrigados a experimentar um formato de trabalho revolucionário «à força». É certamente útil percebermos os prós e contras do trabalho à distância, para conseguirmos ponderar, inclusive, formatos mais híbridos. Desde logo, importa referir que modelos de trabalho à distância não se aplicam a todas as funções e ecossistemas, mas aplicam-se a muitos, como, aliás, percebemos no decorrer destes confinamentos.
Prós e Contras
Mas vamos ao que interessa: vantagens e desvantagens. Desde logo, algumas vantagens óbvias para colaboradores, nomeadamente uma maior flexibilidade vida pessoal/vida laboral (desde que devidamente acautelada), uma maior capacidade de foco e otimização do tempo, redução de alguns custos e tempos de deslocação e, tão ou mais importante, uma considerável redução da pegada carbónica. Para que isto seja possível é, naturalmente, necessário que as empresas balizem e regulamentem com regras que não existem e precisam de ser criadas, experimentadas e incorporadas.
Para as empresas, e para além das vantagens apresentadas para o colaborador, que acabam por se traduzir numa maior satisfação e engagement, é de salientar o aumento da produtividade, mas também a redução de custos com espaços físicos e custos de manutenção. Sabe-se também, e segundo a Gartner, que a possibilidade de trabalhar em remoto aumenta o EVP (Employee Value Proposition) da empresa, ou seja, o valor da empresa percebido pelo colaborador, representando assim um fator de atração de novas gerações e/ou talento, logo, uma maior diversidade e riqueza das equipas.
Claro que nem tudo são rosas e existem grandes desafios. Do ponto de vista pessoal, verificou-se uma dificuldade geral em desligar e «sair a horas». O distanciamento físico pode dificultar a colaboração e comunicação em equipa, a aprendizagem e desenvolvimento e a própria integração, se não forem criadas estratégias específicas para esse efeito. Outra queixa frequente prende-se com a dificuldade de foco, quando em casa existem outros afazeres, pessoas e responsabilidades. Tudo isto é mais ou menos intuitivo. O que eventualmente pode parecer menos óbvio, mas ainda assim muito relevante para a continuidade de modelos à distância, prende-se com os efeitos da ausência de momentos de socialização, a típica «pausa para café».
Mesmo em empresas onde a colaboração não foi difícil, visto já terem no pré-pandemia boas estratégias a esse nível, a falta de interações presenciais e informais afetou grande parte das pessoas. Costumo dizer, meio em tom de brincadeira: «até eu que sou um I (introvertida no inventário de personalidade MBTI (Myers–Briggs Type Indicator)) estou farta disto…». Ora, nunca o «vamos tomar um café» foi tão relevante para a manutenção das culturas organizacionais. A cultura das empresas precisa de ser reforçada à medida que as transições de trabalho para modelos mais remotos/híbridos acontecem. A renovação física de alguns espaços, nomeadamente pelo redesenho de espaços, já se faz sentir, e diria que, mais do que decoração, importa garantir espaços de verdadeira socialização, descontração e bem-estar.
Disseminar o conhecimento das normas, valores e premissas importantes para a organização torna-se mais difícil com uma força de trabalho à distância. As recomendações para sustentar a cultura num ambiente virtual incluem grupos e almoços especiais para construir experiências partilhadas, estudos de clima para verificar se os valores partilhados estão a chegar aos colaboradores, e comunicações intencionais sobre programas e iniciativas importantes para a organização. Diria que, mais do que «apenas» reforçar a cultura existente, há que procurar adaptar a cultura aos novos tempos, trazendo para dentro conceitos como a agilidade, inovação e a diversidade.
O desafio para as lideranças
Com o final das restrições impostas pela pandemia, as lideranças precisam de definir qual é a estratégia ideal de trabalho, seja ele maioritariamente presencial, remoto ou híbrido. Ao contrário da mudança reativa e abrupta que se verificou no início de 2020, a mudança que se aproxima pode e deve ser proativa e intencional.
Às lideranças cabe normalizar a mudança e, neste caso, planear intencionalmente uma força de trabalho no modelo mais ajustado às necessidades (das funções, das pessoas e da empresa), mas que acredito que, na maioria dos casos, não será o presencial. A grande questão que importa responder prende-se com a combinação certa de trabalho remoto para cada empresa.
Há reflexões e decisões a serem tomadas ao nível da liderança macro da empresa, qual o modelo de trabalho ou modelos a implementar, mas também ao nível das lideranças junto das suas equipas: como devo liderar, e o que preciso de melhorar para desempenhar o meu papel num formato diferente do habitual? Não existem respostas certas, cada caso será um caso e, como tudo no mundo da gestão, nos dias que correm, o importante será experimentar, avaliar com transparência e ajustar. A própria liderança à distância é um desafio, mas, enquanto líderes, temos de ter tempo para o agarrar e dar o nosso melhor às nossas equipas. Se não tivermos tempo para investir e apoiar as equipas, então vale a pena repensarmos o nosso papel enquanto líderes… já que liderar é, entre outras coisas, promover o desenvolvimento de pessoas.
Algumas pistas para os próximos passos
Em tempos de imprevisibilidade, o foco das empresas e dos seus líderes deve estar em construir equipas e estruturas capazes de lidar com a mudança. Independentemente do modelo de trabalho, presencial, remoto ou híbrido, competências como colaboração, agilidade mental, comunicação, inovação e liderança são e serão cruciais para a sustentabilidade do novo paradigma de gestão em mudança permanente.
Assim sendo, e pensando numa listagem com ideias chave de como preparar um novo modelo de trabalho, estes seriam os pontos a considerar:
Nível macro:
- Escolha do modelo adequado para a(s) equipa(s), com base nas preferências das pessoas, natureza das funções (se podem ou não ser asseguradas à distância, se implicam muita ou pouca colaboração presencial…) e estratégia/objetivos da empresa;
- Definição do caminho, alinhamento estratégico com as áreas e equipas;
- Envolvimento de diferentes áreas na elaboração dos princípios orientadores do novo modelo de trabalho, nomeadamente área jurídica, RH, Inovação, etc.;
- Reforço da cultura, alimentando o sentimento de pertença;
- Clareza das condições e princípios do modelo de trabalho escolhido (no caso de mudança, as regras têm de ser claras e apresentadas de forma simples). Tem de estar claro o que é ou não expectável e aceitável, com especial atenção para a forma como se utilizam plataformas ou redes sociais como teams, WhatsApp e outros. Deve ser incutida responsabilidade individual pela qualidade do tempo de trabalho, mas também pela qualidade do tempo de lazer;
- Utilização de ferramentas tecnológicas, necessárias para que a comunicação e a colaboração aconteçam de forma positiva, eficiente, colaborativa e animada;
- Medição e ajustes frequentes. Fazer e aprender. Experimentar e implementar deve ser uma boa prática que requer treino e persistência. É importante medir para se tomarem decisões com base em informação.
Nível Micro:
- Persistência e foco. As mudanças são difíceis e há sempre quem não queira acompanhar. É essencial manter o foco, medir impactos e fazer ajustes;
- Reforço da comunicação e colaboração dentro e fora da equipa. Mais do que nunca, comunicar é essencial! Colaborar é a «cola» entre pessoas, equipas, áreas… sem isso não é possível trilhar um caminho comum;
- Garantia de disponibilidade para a sua equipa. Calendarizar momentos de ponto de situação individuais e de equipa. Alimentar relações de confiança e demonstrar empatia;
- Organização de «pausas para café», iniciativas informais que promovam o bem-estar e descontração;
- Atenção aos níveis de stress e bem-estar da equipa. Assegure o bem-estar psicológico e social da equipa;
- Reforço de uma cultura de confiança com momentos presenciais e à distância.
Prontos para começar? Muito trabalho pela frente, grandes vantagens e impactos positivos. O primeiro passo está à distância do seu calendário. Escolha o dia e mergulhe neste novo futuro que já começou.
ASSINE AQUI A NOSSA NEWSLETTER SEMANAL E RECEBA OS MELHORES ARTIGOS DA SEMANA!
Leituras e outros recursos sugeridos:
- Yellow Pad. (2021). E AGORA, TRABALHO REMOTO? TENDÊNCIAS, DESAFIOS E OPORTUNIDADES PÓS-PANDEMIA.
- Capgemini Research Institute. (2020). The Future of work: From remote to hybrid.
- Erin E. Makarius, B. Z. (março de 2021). What Is Your Organization’s Long-Term Remote Work Strategy?
- Webbinar: Ask The Experts: The 5 Realities of Remote Work in 2021. Scott Engler and Kenneth Pyle. Gartner 2021
- Podcast: HBR Ideacast. Workplace Design Post- Pandemic. 2021
- https://www.forbes.com/sites/jackkelly/2020/05/19/after-announcing-twitters-permanent-work-from-home-policy-jack-dorsey-extends-same-courtesy-to-square-employees-this-could-change-the-way-people-work-where-they-live-and-how-much-theyll-be-paid/?sh=73a8c3a5614b
- https://blog.dropbox.com/topics/company/dropbox-goes-virtual-first
- https://press.siemens.com/global/en/pressrelease/siemens-establish-mobile-working-core-component-new-normal