O surto do novo coronavírus levou para casa milhares de portugueses. O teletrabalho, embora não fosse totalmente novidade para alguns, tornou-se regra indiscutível para todas as empresas cujos serviços podem ser mantidos remotamente.
De um dia para o outro, profissionais do mundo todo foram impelidos a ficar em casa, provocando uma mudança repentina e inesperada para um modo de trabalho remoto. Embora a rotina de muitos não tenha mudado substancialmente, o home office era até hoje (ou há cerca de umas semanas) uma prática, de todo, não generalizada no tecido empresarial português, à exeção das empresas tecnológicas, que em grande parte já se encontravam familiarizadas com este sistema.
Estudos académicos apresentados nas últimas décadas traduziam um certo conservadorismo empresarial como principal entrave à prática do teletrabalho em Portugal. Dados do Eurostat, divulgados no último ano, mostravam que a percentagem de pessoas com emprego entre os 15 e os 64 anos em Portugal que habitualmente trabalham em casa era de apenas 5% em 2017. A verdade é que, à data de hoje, são milhares aqueles que se encontram confinados nas suas casas a desempenhar as funções de trabalho. Falámos com alguns para perceber as vantagens e desafios que têm encontrado nestes dias. Uma coisa é certa: a tecnologia é, sem dúvida, o maior aliados nestes tempos.
Ema Brito: Ter regras e disciplina é fundamental
Trabalhar em casa exige regras, e Ema Brito, managing director da consultora de comunicação Engaging Consulting, sabe-o bem. A trabalhar de casa e a partilhar esse espaço com o marido, o filho e o pai, a profissional acredita que, no contexto que hoje nos obriga ao teletrabalho, a exigência é maior. Ema defende que cumprir o registo de trabalho com horário, mesmo que mais flexível, e definir um espaço dentro de casa que seja o local de trabalho é fundamental para que se consiga garantir o rendimento.
“Temos que gerir os filhos e partilhar o espaço de trabalho com o marido, para além da contenção das saídas e da tensão que o momento nos traz. Neste caso, as regras são maiores e exigem um plano diário para todos. É importante conjugar o nosso trabalho, com o estudo dos filhos e ter momentos de pausa para estarmos todos em família. Cá em casa somos quatro, eu, marido, filho e pai! No entanto, isto traz-nos algumas aprendizagens e é possível que algumas empresas possam optar por este registo, em algumas situações.”
Hoje em dia, com as várias ferramentas que estão disponíveis consegues “virtualmente” fazer muita coisa. De reuniões a formações, tudo é possível.
Vânia Guilherme: “O sentido de responsabilidade aumenta”
Também Vânia Guilherme, senior consultant de recrutamento na Michael Page, também partilha a sensação de que, em casa, “o sentido de responsabilidade aumenta, o que aparentemente poderia ser visto como uma vantagem”, no entanto, explica: “estamos a passar por um momento difícil a nível mundial que levanta questões acerca da sustentabilidade das empresas e da nossa economia no global. Talvez por isso este sentido de responsabilidade e de pertença à empresa torne tudo, em algum momento, mais pesado.”
Acima de tudo acho que é fundamental criarmos o nosso espaço profissional e estarmos confortáveis com ele.
Criatividade e capacidade de resolução de problemas colocam-se à prova
Comodidade, proximidade da família e um melhor aproveitamento do tempo livre são as vantagens claras encontradas por Zoraida Ebrahimo, people & talent development do El Corte Inglés Portugal, no trabalho que agora desenvolve em modo remoto. Mas nem tudo são rosas: “nestes tempos estas noções mudam, tudo pode dificultar a produtividade e a concentração. São muitas horas de trabalho isolado e fora do nosso habitat habitual, é preciso disciplina e foco.”
A profissional da área de recursos humanos explica que estes são momentos para identificar outras formas de se estar com as equipas. “Trabalho em formação, isso significa que todo o apoio tem que ser à distância. Temos grupos de WhatsApp para apoiar projetos em curso e, por vezes, há necessidade de dar formação por telefone.”
Sem dúvida que a criatividade é a característica que mais se desenvolveu, põe-se em prática aquilo que um dia consideramos não ser ajustado. Estamos a encontrar novos caminhos.”
Paula Lampreia: “Auto-conhecimento e auto regulação”
Paula Lampreia é manager da área de learning, culture & development dentro da Randstad acredita que a equipa conseguiu manter a plena produtividade mesmo à distância. “Hoje invertem-se as ferramentas, a formação presencial é substituída por webinars, por formação online, por maior aposta na gamificação, práticas que já tínhamos mas que agora se revelam mais ajustadas. Preparar conteúdos que sejam mais alinhados com a realidade que hoje vivemos foi algo que a equipa de learning & development conseguiu ajustar , mesmo que as nossas reuniões sejam à distância estamos próximas e é isso que queremos passar também a todos os colegas”, partilha.
A partir de casa, a profissional defende que o principal desafio que se coloca é de auto-conhecimento e de auto-regulação. “Todos teremos que nos reinventar, na forma como trabalhamos, como agimos, como conseguimos manter o equilíbrio, hoje que estamos em casa, entre a vida pessoal e profissional.”
O que pode cada um de nós fazer para encontrar oportunidades. Para este auto-conhecimento podem e devem ser apresentadas soluções pela empresa, que apoiem os colaboradores neste exercício.
Para Vânia Guilherme, há muito menos volume de processos de recrutamento, e muitos deles acabaram por ficar suspensos, porém, a profissional reforça que graças à tecnologia a atividade continua a poder ser realizada de forma virtual. “Mantemos as entrevistas com os candidatos e as reuniões com os clientes de forma constante, ainda que se possa desvirtualizar o verdadeiro conceito de análise de pessoas que se vê num processo de recrutamento mais tradicional. No entanto, o digital é o caminho e provavelmente, se não houvesse este fenómeno do Covid-19, a médio prazo as empresas teriam que se reinventar para aceder a este tendência de mercado.
Mantemos as mesmas ferramentas para concretizar os nossos processos de selecção, quer seja pesquisa na nossa base de dados ou networking.
Filomena Chainho: Gerir as tarefas e controlar o stress torna-se essencial
Filomena Chainho, psicologa clínica, explica que o facto de uma pessoa estar confinada a casa, e atendendo à circunstância que estamos a viver em termos de insegurança a nível da saúde, e também o afastamento da família e dos amigos podem acabar por reforçar algumas situações menos positivas que as pessoas habitualmente vivam no seu dia a dia, como aumento da ansiedade devido ao isolamento ou relacionamento familiar menos positivo. “Tudo isto afeta o bem-estar emocional dos colaboradores. Atendendo a esta insegurança de saúde aumenta também a ansiedade devido ao facto de as pessoas não saberem o que vai acontecer no futuro, como é que esta situação se vai desenvolver e também que repercussões é que esta situação vai ter em termos económicos.”
O stress pode ser maior para os colaboradores que têm crianças em casa. “Se nós estivermos a falar de crianças pequenas, é muito difícil uma criança de um, dois, quatro anos, compreender que a mãe está a trabalhar. A criança não compreende e, portanto, os colaboradores que têm filhos e que estão a trabalhar em casa acho que têm uma dose de stress mais acrescido.” De acordo com a Filomena Chainho, os profissionais devem encontrar estratégias e dinâmicas para conseguir conciliar ambas funções numa situação que se prevê temporária.
As empresas têm que execionalmente compreender e apoiar os colaboradores.