A Nestlé está há 100 anos em Portugal. O que tem representado a Nestlé para os portugueses ao longo deste período?
Estamos em Portugal desde 10 de março de 1923 quando foi fundada por Egas Moniz, há 100 anos, e hoje não somos somente uma empresa de produtos lácteos: temos desde cereais de pequeno-almoço até comida para cães e gatos, nutrição infantil e comida pensada para pessoas com determinadas situações de saúde.
Temos, claro, os nossos icónicos chocolates, mas também substitutos de proteína animal por vegetal, de forma a ajudar não só o ambiente, mas também a promover saúde.
A nível mundial, a Nestlé conta com 286 mil colaboradores e tem presença em 188 países, sendo a maior empresa de food and beverages. Em Portugal, temos 2.484 colaboradores que estão divididos entre duas fábricas, no Porto e em Avanca, Estarreja e depois temos ainda a nossa sede e algumas sucursais. Possuímos ainda cerca de 600 colaboradores num centro de serviços partilhados na área de marketing digital que fornece a partir de Portugal para outros países da Europa.
A Nestlé, ao contrário de algumas marcas internacionais, tem fábricas em Portugal, o que por si só já a distingue…
Nós temos a nossa produção alocada a duas fábricas. A fábrica de Avanca produz, sobretudo, cereais de pequeno-almoço, enquanto a fábrica do Porto produz principalmente produtos de café de marcas locais. Como a fábrica do Porto tem uma alta performance, foi escolhida para produzir também marcas internacionais como a Nescafé ou Starbucks.
Do volume total de produção de ambas as fábricas, cerca de 60 por cento é para exportação, criando assim valor económico para o país.
Na Nestlé, as estratégias de gestão de pessoas são pensadas internacionalmente. Como é que isso se reflete na gestão local?

A Nestlé abarca vários tipos de colaboradores. Possuímos funcionários que trabalham de forma puramente local e que não têm intenção de sair do país, mas temos também oportunidades para pessoas explorarem uma carreira internacional: trabalharem durante três anos em Espanha, ou outro país, e regressarem à terra natal. A nossa equipa é composta depois também por pessoas que têm uma carreira unicamente internacional e que, periodicamente, vão alternando o país onde estão fixadas.
Isto dá-nos a possibilidade de ter uma cultura muito semelhante entre os diferentes países onde operamos, uma vez que os nossos colaboradores a levam até cada uma destas geografias.
Na Nestlé, as funções de liderança são tipicamente ocupadas por pessoas com mobilidade. Isto deve-se ao facto de acreditarmos que a mudança traz inúmeros benefícios e que é importante promover novas oportunidades de crescimento.
A Nestlé implementou o trabalho híbrido em 2017. À data já oferecíamos aos nossos colaboradores a possibilidade de trabalharem a partir de casa, com o objetivo de os ajudar a equilibrar a vida profissional com a pessoal, mas também porque temos a noção de que há trabalhos que podem ser realizados a partir de casa.
Isto significa que, à partida, quando uma pessoa é recrutada para a Nestlé, já sabe que terá ao seu alcance a possibilidade de enveredar por uma carreira internacional?
Para muitos jovens, o facto de terem a possibilidade de poderem explorar uma carreira internacional é bastante atrativo. Obviamente que isso está dependente do desempenho de cada colaborador e das oportunidades que surgem.
Além de, na Nestlé, apoiarmos a mobilidade internacional, apoiamos também a mobilidade entre departamentos. Atualmente continuamos a recrutar por conhecimento técnico, mas cada vez mais colocamos o ónus no potencial. Eu, por exemplo, formei-me em matemática teórica, que nada tem a ver com o que faço hoje. No entanto, explorei o meu potencial, passei pela área de finanças durante o meu percurso e hoje estou na área de gestão. Isto é o espelho daquilo que a Nestlé preconiza.
Para aferir este potencial realizamos uma avaliação quando a pessoa ingressa na empresa. Depois, todos os colaboradores têm acesso a formação (teórica e prática). Investimos em potenciar as hard skills dos nossos colaboradores, mas também as suas soft skills, com formação em liderança, mindfullness, bem-estar, entre outras.
O investimento contínuo nas nossas pessoas é uma prioridade. Na Nestlé, as carreiras são de longa duração.
No caso da Nestlé, sendo uma empresa com um nome bastante vincado no mercado, a dificuldade em recrutar não se deve notar…
De forma geral, a Nestlé é vista como um bom empregador em Portugal. A Nestlé é uma empresa muito procurada e tal deve-se ao facto de as pessoas poderem ter, aqui, uma carreira a longo prazo, dentro ou fora de Portugal. As pessoas identificam-se com os nossos valores, principalmente as mais jovens.
Depois, além da nossa mis- são, possuímos políticas de trabalho atrativas, como o modelo de trabalho híbrido e a flexibilidade, pois o nosso foco passa pelo reconhecimento da performance e os resultados, não o tempo passado no escritório.
Em muitas empresas, como não existem objetivos claros para ter uma maior sensação de controlo sobre a performance dos colaboradores, optou-se por regressar ao modelo presencial. Como é que se gere a performance estando à distância?
O nosso modelo de avaliação, a que chamamos Performance Development Plan, faz parte de uma política de remuneração que é bastante holística. Para que funcione, partilhamos com os nossos colaboradores objetivos concretos e mensuráveis. Estes são adaptáveis à realidade de cada momento da jornada do colaborador: um objetivo que é definido em janeiro não é obrigatoriamente mantido, na mesma, até ao final do ano. Vamos acompanhando e adaptando os mesmos conforme a realidade.
Temos objetivos claros e mensuráveis, como faturação, quota de mercado, lucro, bem como a respetiva contribuição de cada colaborador para cada uma destas variáveis. Depois, cabe a cada chefia levar a cabo uma avaliação tendo em conta a performance da pessoa ao longo do ano. Como a Nestlé proporciona a oportunidade dos colaboradores terem uma carreira a longo prazo, as pessoas vão-se cruzando ao longo do tempo e vão mantendo uma relação de proximidade que lhes permite um trabalho em equipa mais coeso.

A equipa da Nestlé é formada por 49 por cento de mulheres e 51 por cento de homens. Como é a vossa política de diversidade e inclusão?
Um dos nossos principais valores é o do respeito: por nós mesmos e pelos outros. A diversidade e inclusão estão no nosso radar e orgulhamo-nos em saber que 94 por cento dos nossos colaboradores se sentem respeitados na organização.
Em termos de género, hoje os nossos cargos de chefia são, na maioria (52 por cento), compostos por mulheres, sendo que os restantes 48 por cento são compostos por homens. Todos os anos fazemos um levantamento e não existe qualquer tipo de discriminação de género na Nestlé.
Em termos de diversidade de idades, temos desde jovens recém-licenciados, até pessoas em idade de reforma. Para promover uma dinâmica de aprendizagem e troca de experiências entre as gerações, temos um programa de Reverse Mentoring, que permite que os trabalhadores mais experientes partilhem o seu know-how com os mais jovens, enquanto os jovens têm oportunidade de também partilhar a sua expertise com estes colaboradores mais seniores.
Temos 52 nacionalidades diferentes dentro da empresa, pelo que neste tema estamos bem posicionados. No que diz respeito à inclusão, creio que ainda temos algum caminho por percorrer. Promover inclusão requer adaptação das infraestruturas e isso aporta alguns desafios. Recentemente, contratámos uma pessoa com deficiência auditiva. Isso obrigou a que nas reuniões, por exemplo, existam legendas para aquela pessoa conseguir acompanhar a reunião. Quando, por exemplo, contratamos alguém no espectro autista, temos de acompanhar depois as equipas para as ajudar a interagir com aquela pessoa. A inclusão é possível, mas requer adaptação.
Quais são, atualmente, os desafios na gestão das suas pessoas para a Nestlé?
Obviamente, na área de competências, fala-se muito do digital data. Creio que esta área irá continuar a dar cartas a ser cada vez mais importante, mas também vejo cada vez mais pes- soas a sair da universidade com essas competências.
No entanto, já na área da sustentabilidade, ainda há poucas pessoas com competências técnicas. Temos vários desafios ao nível das mudanças climáticas. Um dos nossos objetivos por exemplo é ter todas as nossas embalagens em “ready to recycle” – ou seja, que sejam produzidas de forma a poderem ser recicladas.
Essencialmente, a Nestlé, por um lado, reformula todas as embalagens para não serem mistas. Por isso, se eu tenho uma embalagem que mistura alumínio com plástico, não existe forma de a reciclar. Assim, tem de ser composta por “mono material” para que esses materiais sejam recicláveis.
Ao mesmo tempo, trabalhamos com os governos de diferentes países para ajudar a implementar estes fluxos recicláveis. Estes são trabalhos amplamente técnicos, como reformular a embalagem (por exemplo, na Suíça, possuímos um centro de pesquisa direcionado apenas para as embalagens, muito virado para a melhoria da sua composição).
Estas competências de sustentabilidade só agora começaram a surgir nas universidades. Muitas pessoas que trabalham nesta área são autodidatas. No entanto, é uma área que requer competências técnicas e eu vejo nisto um desafio futuro, não apenas para nós, mas também para outras empresas.
Entrevista publicada na edição 146 da RHmagazine, referente aos meses de maio e junho de 2023