A crescente e frequente interação que temos com a inteligência artificial (IA) e a automação pode ter um impacto direto na forma como nós nos sentimos. E isso relaciona-se, em parte, com o valor que damos ao sucesso individual ou coletivo.
Vendas, lealdade ao consumidor, referencias, satisfação individual, ou de um colaborador, são alguns dos fatores que as pessoas costumam colocar em si próprios como forma de validação do esforço.
Em 1949, o dramaturgo Arthur Miller escreveu uma peça de teatro intitulada “Morte de um Vendedor” (Death of a Salesman, em Inglês), em que o protagonista, Willy Loman, um vendedor ambulante, avalia o seu sucesso meramente pelo o trabalho de uma vida. A peça, carregada de simbolismo, critica a ideia do “Sonho Americano”, a anatomia da verdade e da infidelidade. O protagonista, ao equiparar o sucesso a uma boa vida, acaba desapontado com a mesma e a evidenciar sintomas de senilidade.
Os investigadores Gizem Yalcin e Stefano Puntoni, num artigo escrito na Harvard Business Review, têm estudado nos últimos sete anos as reações das pessoas às tecnologias automatizadas. No artigo, listam três pontos em que a inteligência artificial pode ter ramificações reais na forma como as pessoas se autoavaliam e sentem confiança em si próprios: (1) design de serviços e processos de negócios; (2) design de produtos; e (3) comunicação.
Num dos casos analisados, participantes dos estudos indicaram que os sentimentos que têm por si próprias dependem de quem, ou quê, está a avaliar o seu trabalho e que consequências isso terá para o negócio. Em essência, quando se entregam boas notícias sobre decisões ou avaliações, as empresas podem gerar reações mais positivas com os seus clientes e trabalhadores se utilizarem seres humanos em vez de IA – mas esse efeito desaparece quando entregam más notícias.
“O sentido de ‘eu’ de muitas pessoas provém da sua identidade profissional. E a inteligência artificial e a automação pode ser percecionada como danosas para essa identidade”, escrevem Gizem Yalcin e Stefano Puntoni.
Algumas das recomendações deixadas pelos autores é que as empresas tenham contenção na publicitação de produtos inteiramente desenvolvidos por inteligência artificial e que devem conduzir uma pesquisa de mercado para perceber até que ponto a automação pode prejudicar a identidade profissional dos colaboradores.
“Apesar do nosso estudo focar-se particularmente em atividades de consumo, achamos importante salientar que a motivação relacionada com a identidade é muito importante no local de trabalho. Muitas pessoas ramificam o seu sentido de valor na sua identidade profissional, e a IA e a automação prejudicam essa identidade. Uma vez que podem desvalorizar competências, experiência ou status”, concluem.
Pode a inteligência artificial substituir humanos?
Stefano Puntoni, professor de Marketing na Wharton School da Universidade de Pennsylvania, entende que não e reforça que a inteligência artificial deve ser sempre vista, e publicitada pelas empresas, como um complemento, não uma substituição.
“Essa pequena diferença na forma como adereçamos este facto no produto faz uma grande diferença na forma como as pessoas abraçam este produto. Podem acha-lo uma ameaça ou não”, afirmou o académico, num artigo publicado na Knowledge at Wharton.
Em junho, Helder Figueiredo, num artigo centrado nos temas da Inteligência Artificial nos recursos humanos, respondeu à mesma pergunta, vendo a mesma como um auxílio e não como uma substituição.
“Acredito que nos próximos tempos iremos utilizar mais como uma forma de nos ajudar, em modo Copiloto, como a Microsoft está a fazer para o ecossistema das aplicações do Office 365”, afirmou o professor na Universidade Europeia.