Autores: Sara Vides ISEG – Universidade de Lisboa | Jorge Gomes, Professor no ISEG – Universidade de Lisboa
O desenvolvimento tecnológico das últimas duas décadas tem revolucionado o modo como a Gestão de Recursos Humanos (GRH) opera em todos os setores e indústrias. Mas se até 2019 o progresso foi tímido e dependente das crónicas limitações orçamentais ou dos inefáveis Velhos do Restelo, em 2020 a transição para a virtualização e trabalho à distância foi global e total, fruto da pandemia causada pela COVID-19.
Uma das áreas em que as mudanças, mais abrupta e rapidamente, se fizeram sentir na gestão de pessoas foi o recrutamento e seleção (R&S). A necessidade de passar do trabalho presencial para o trabalho à distância, entre março e abril de 2020, apanhou de surpresa milhares de empresas, cujos processos de R&S tiveram de se adaptar apressadamente à nova realidade. Nos meses subsequentes, essas experiências atabalhoadas foram alvo de reflexão e a consolidação das mudanças apenas recentemente se iniciou. Um ano após esta reviravolta, importa sintetizar as vantagens e desvantagens do R&S online, em primeiro lugar, e expor alguns elementos característicos das entrevistas de seleção realizadas à distância, em segundo lugar.
R&S Online
O R&S online não é prática nova em GRH. Algumas plataformas sociais (e.g. LinkedIn, Facebook) são há muito utilizadas pelas empresas, que, com um acesso facilitado a milhões de perfis e ferramentas de busca, conseguem preencher vagas através de um processo mais rápido e económico do que com as tradicionais formas de R&S, como os anúncios em jornais ou a contratação de consultoras. O desenho de páginas com oportunidades de carreira, no site de empresas, é outro modo de atrair candidatos, que ademais se encontra sob o total controlo por parte do recrutador.
Esta evolução é, por um lado, alimentada, e, por outro lado, impulsionada por dois fatores. A primeira força motriz são os que buscam emprego. Sobretudo as novas gerações, mas também as menos novas, compreenderam já o potencial das modalidades online de procura de trabalho, num movimento imparável que inclui não apenas comportamentos e atitudes, mas também expectativas e formas de pensar.
O segundo fator alavancador da mudança é o tecnológico, com as referidas plataformas sociais a liderarem o movimento, mas com as tecnologias móveis e de comunicação global a permitirem a multiplicação de ligações diretas, desmaterializadas, e desburocratizadas, entre quem busca e quem oferece emprego. Não obstante o progresso em direção ao R&S digital, deve notar-se que não existem apenas vantagens neste caminho, como mostra o quadro 1.
Uma entrevista de seleção gravada pode ser visionada várias vezes por outros avaliadores, aumentando a qualidade de decisões e minimizando julgamentos contaminados
Entrevistas de seleção online: Características únicas
A entrevista é a principal e mais popular técnica no processo de R&S, não apenas pela natureza da tarefa em si – aferir e conferir elementos essenciais para a escolha do candidato –, mas também pela interação social (ou será física?) entre entrevistador e entrevistado. Ora, nas entrevistas por meios digitais, a componente social está largamente reduzida, senão mesmo ausente, pelo que é essencial o uso de vídeo durante a conversa.
E é neste particular que as entrevistas por meios digitais oferecem uma vantagem inigualável por comparação ao modo tradicional: a gravação. Uma entrevista de seleção gravada pode ser visionada várias vezes por outros avaliadores, aumentando a qualidade de decisões e minimizando julgamentos contaminados pelo efeito de halo, por exemplo. O contraponto à vantagem é o constrangimento ou possível desconforto por parte do candidato, para não falar das questões relacionadas com a proteção de dados pessoais.
Outro elemento distintivo da entrevista à distância é o reforço do employer branding. A rapidez do processo, incluindo a tomada de decisão – seja ela a de contratar ou não –, apenas pode deixar uma impressão geral positiva no candidato.
As demais características de entrevistar à distância são as resumidas no quadro 1: economia de tempo e de custos com deslocações, e globalização do processo, entre outras.
As vantagens e desvantagens imediatas são já conhecidas, mas o mesmo não se pode afirmar do impacto, a prazo, sobre o negócio, a cultura, e a dinâmica social da empresa
Notas conclusivas
A pandemia devido à COVID-19 foi um desbloqueador de tendências que já se observavam desde o virar do século. A crise apenas veio acelerar a transição do R&S para o digital. Outras práticas de gestão de pessoas não analisadas neste texto seguem uma tendência similar. A formação e o desenvolvimento, por exemplo, também migraram aceleradamente para o online, e lá deverão permanecer mesmo após o fim da pandemia.
Ainda assim, se o R&S digital substitui na íntegra o R&S tradicional, é matéria que carece de estudo e investigação. As vantagens e desvantagens imediatas são já conhecidas, mas o mesmo não se pode afirmar do impacto, a prazo, sobre o negócio, a cultura, e a dinâmica social da empresa. Ainda é muito cedo para aferir tais impactos; mas é bom que rapidamente se comece a avaliar a qualidade do R&S digital, antes que cristalize e se torne o modo habitual de escolher novos colaboradores. É que o R&S constitui uma das práticas mais importantes em qualquer organização, e não é por cair na tentação das vantagens óbvias dos novos meios digitais que os diretores de recursos humanos devem esquecer esse papel capital que cumpre o R&S dentro do resto da GRH.
Vantagens
- Globalidade e diversificação de perfis (candidatos podem vir de qualquer parte do mundo)
- Rapidez e proximidade
- Facilidade e acessibilidade
- Custos reduzidos
- Impessoalidade facilita o à vontade do candidato para se expressar em contexto de tensão reduzida
- Estimula a criatividade do ponto de vista de novas ideias/metodologias para garantir uma seleção eficaz
- Capacidade de entrevistar mais candidatos, assim garantindo maior proporcionalidade às candidaturas
Desvantagens
- Competição global
- Dificuldade em medir eficácia
- Dificuldade em controlar eficiência (pode atrair candidaturas indesejáveis e/ou fraudulentas)
- Custos não controlados
- Impessoalidade por não se poder ter uma visão a 3D dos candidatos e dos recrutadores
- Limitações em termos de atividades no processo de seletividade (roleplay, jogos)
- Dificuldade em interpretar a linguagem não verbal
- Problemas técnicos e desigualdade no acesso e/ou utilização das ferramentas online
Artigo técnico publicado na edição n.º 134 da RHmagazine, referente aos meses de maio/junho de 2021.
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