Autor: Luís Filipe Garcia, Advogado na Azeredo Perdigão & Associados
O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu recentemente, no acórdão proferido no processo n.º 21023/21.0T8LSB.L1-4, de 28 de junho de 2023, que o facto de uma entidade empregadora ter de encerrar o seu estabelecimento comercial em dois domingos por mês à hora do almoço, sem que se conheça qual o montante da quebra de receitas que tal encerramento poderá provocar, não é suficiente para o interesse da empregadora prevalecer sobre o interesse da trabalhadora em conciliar a sua vida profissional e pessoal, não obstando a que esta, com um filho menor, possa gozar de um horário flexível, com folga fixa ao sábado e domingo.
De acordo com a decisão proferida por aquele Tribunal superior, as necessidades imperiosas ou impreteríveis que podem ser invocadas pela entidade empregadora, em contexto de recusa de um pedido de horário flexível, são apenas aquelas que se não forem colmatadas causarão ao empregador um prejuízo largamente superior ao prejuízo que é imposto ao trabalhador.
Esta decisão é de extrema relevância prática para o empregador, na medida em que vem restringir (ainda mais) os fundamentos de recusa do pedido de horário flexível formulado por Trabalhador.
Com efeito, se o encerramento temporário (forçado) do estabelecimento comercial de uma sociedade, estando em jogo o (in)cumprimento do seu próprio objeto social, não é uma razão imperiosa ou impreterível para sustentar a recusa de um empregador a um pedido de horário flexível. Temos alguma dificuldade em encontrar um outro tipo de constrangimento que possa servir de fundamento de recusa à pretensão do trabalhador, para a qual, note-se, a lei apenas exige o preenchimento de pressupostos objetivos, tais como: (i) a existência de um filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, de um filho com deficiência ou doença crónica; (ii) que esse filho viva com o trabalhador ou trabalhadora em comunhão de mesa e habitação; e (iii) que o trabalhador ou trabalhadora elabore o respetivo requerimento com o pedido.
Ora, sendo certo que a conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar é um desiderato constitucional (cfr. artigo 59.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa), concretizando-se num dos deveres a cargo do empregador na relação laboral (cfr. artigo 127.º, n.º 3, do Código do Trabalho), importa assegurar que a obtenção daquele objetivo ou o cumprimento daquele dever não coloque em causa a sustentabilidade da sociedade empregadora, em geral, ou do seu estabelecimento comercial, em particular, e bem assim a viabilidade dos seus postos de trabalho, sob pena de estarmos perante uma verdadeira restrição à livre iniciativa económica privada e uma ofensa ao direito constitucional à propriedade privada (artigo 61.º, n.º 1 do artigo 86.º e n.º 1 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa).
É precisamente o equilíbrio de todos estes interesses e dos respetivos direitos constitucionalmente tutelados que têm de ser alcançados no âmbito de uma relação laboral que se quer estável e profícua para ambas as partes.
Porém, essa missão revela-se cada vez mais difícil para o empregador, na medida em que vai ficando com pouca margem de manobra para estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado e sobretudo para gerir e mediar os normais conflitos entre trabalhadores com interesses distintos, designadamente entre os trabalhadores com filhos e os trabalhadores que, por opção ou por imposição, não têm filhos.
E a recente decisão do Tribunal da Relação de Lisboa acima identificada em nada contribui para a obtenção daquele desejado equilíbrio, porquanto ressalta da mesma uma clara (e excessiva) defesa dos interesses do trabalhador, em detrimento dos interesses (elementares) do empregador que, no caso, passavam apenas pelo exercício da sua atividade, isto é, pelo simples cumprimento do seu objeto social.
Se o sentido da decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa for sufragado pelos demais Tribunais superiores, corre-se o risco do poder de decisão do empregador, previsto na Diretiva (UE) 2019/1158, de 20 de junho de 2019 (“O empregador deverá poder decidir se aceita ou recusa o pedido de um trabalhador relativamente a um regime de trabalho flexível”), ficar, irremediável e totalmente, esvaziado, prevendo-se um acréscimo de conflitualidade entre os intervenientes da relação laboral.
Resta-nos aguardar e acompanhar a dinâmica jurisprudencial sobre esta matéria nos próximos tempos.