Apesar do recurso à tecnologia ser uma realidade em muitos processos das organizações, as empresas em Portugal encontram-se em diferentes estágios de maturidade digital, algumas ainda com muitos patamares para subir.
Os dados do Barómetro da Economia Digital de 2022, publicado pela ACEPI – Associação da Economia Digital, em parceria com a IDC, mostram que as empresas portuguesas, ainda assim, estão a aumentar os seus níveis de maturidade digital. De acordo com o barómetro, a automatização é uma das principais prioridades das empresas, sendo que mais de metade (58%) dos inquiridos mostraram vontade de aumentar o seu investimento tecnológico para 2023.
Na área de recursos humanos, um estudo levado a cabo pela Sociedade de Gestão de Recursos Humanos, publicado em abril de 2022, mostra que apenas 25% das empresas têm algum tipo de automação em parte dos seus processos de RH, nomeadamente no que diz respeito à aquisição de talento.
Empresas portuguesas com pouca maturidade digital, mas querem investir mais em tecnologia
Para Miguel Vergamota, Iberia&Latam HCM Sales Director da Talentia Software, de uma forma geral, “as empresas estão ainda bastante atrasadas na digitalização de todos os seus processos”.

Especificamente na área de RH, o responsável indica que “há não apenas um atraso, como muito desconhecimento, em relação ao que a digitalização significa e como a produtividade de toda a organização pode ser melhorada, através da mesma”.
Também Luís Almeida, Sales Manager da ARAGO Consulting, considera que, à luz dos diversos relatórios que são publicados periodicamente, é possível verificar que as empresas portuguesas “ainda se encontram em estágios iniciais de maturidade digital”- o grau de digitalização dos seus processos ainda é baixo e a implementação de estratégias nesta área ainda está bastante aquém. O Sales Manager acredita, no entanto, que a transição “está a acelerar”.

Na Cezanne, fornecedor de soluções de RH totalmente na cloud, a perceção da maturidade das empresas é um pouco diferente. “Aqueles que entram em contacto connosco já possuem um bom nível de maturidade digital”, revela Donato Mingarelli, Account Manager para Portugal da Cezanne HR. No entanto, aponta, no que diz respeito à segurança de dados, a empresa encontra uma “lacuna negativa em relação à segurança na circulação de dados em conformidade com o Regulamento Geral Sobre a Proteção de Dados (RGPD), um elemento fundamental no qual muitas realidades ainda estão atrasadas”.

Efetivamente, a pandemia trouxe um senso de urgência para as empresas que ainda estavam a dar os primeiros passos na transformação digital ou que ainda não tinham iniciado esse percurso. O trabalho remoto e a comunicação à distância tornaram-se o novo normal dentro de muitas empresas, que se viram forçadas a acelerar a implementação de tecnologia nas suas infraestruturas.
Nos dias de hoje, indica Enrique Sala, Strategic Human Resources Senior Consultant na Cegid HCM, “o processo de transformação digital já arrancou de forma massiva junto das empresas portuguesas”.

O que tem estado a travar a transformação digital?
Para o Strategic Human Resources Senior Consultant da Cegid, na origem da adoção vagarosa da tecnologia está o facto de os profissionais de RH terem tendência a ser “um pouco conservadores, sobretudo nas tarefas mais administrativas da função, em particular no que está relacionado com o âmbito laboral e de processamento salarial”.
A preferência por manterem intocáveis os processos ao longo do tempo, apesar da evolução tecnológica estar a ter lugar em paralelo, acontece, na maioria dos casos, por falta de competências e know-how em relação à tecnologia e ao seu potencial.

A formação dos colaboradores é, também, um processo moroso e, por vezes, economicamente dispendioso, acabando por travar o investimento das empresas no know-how das suas equipas. “Se os colaboradores não possuem estas habilidades, a adoção de ferramentas digitais é, habitualmente, mais desafiante”, explica Rui Paupério, Diretor de Operações da Inovflow. Ao mesmo tempo, este responsável identifica o facto de a adoção de ferramentas digitais requerer, muitas vezes, um grande investimento em infraestrutura, equipamentos e software como outro “obstáculo significativo”.
A resistência à mudança está, também, muito presente entre os colaboradores das empresas e traduz-se num franco desafio na hora de abraçar a transição digital. “A adoção de novas tecnologias implica mudanças nos processos já estabelecidos, o que pode gerar resistência por parte dos colaboradores de RH e entraves na implementação das ferramentas digitais”, refere Gerard Alfred, Human Resources Lead na Microsoft Portugal.
A juntar a estes desafios, os profissionais temem, também, pela segurança dos dados. “A gestão de recursos humanos envolve o tratamento de uma grande quantidade de dados sensíveis e o uso de sistemas na cloud, apesar de mostrar uma maior segurança e estar em conformidade com o RGPD, face ao uso de e-mails ou arquivos em documentos Excel, é muitas vezes percebido, erradamente, como mais vulnerável do que um sistema on-premises”, adverte Donato Mingarelli (Cezanne HR).
Eliminar tarefas repetitivas e acrescentar mais valor
O receio em torno da automatização e da proliferação da tecnologia nas empresas já está instalado há vários anos. O principal medo é o de que as máquinas substituam as pessoas. Contudo, apesar de oferecer um potencial sem precedentes, a tecnologia não vem substituir os seres humanos, mas sim ajudá-los a focar-se na criação de valor, ao permitir-lhes automatizar processos e libertá-los para funções de cariz mais estratégico.
A área da gestão de pessoas não é exceção e também encontra na tecnologia um aliado de peso. “A tecnologia é uma ferramenta valiosa para as empresas gerirem melhor as suas pessoas na medida em que permitem a automatização de processos, melhoram e facilitam a comunicação, acompanham o desempenho e suportam processos de formação e desenvolvimento”, enumera Rui Paupério (Inovflow).

Outro dos benefícios, é o facto de o acesso à informação ser (quase) imediato. Tal como reforça João Pereira, Chief Commercial Officer na AMT Consulting, “a adoção de soluções cloud leva a que as empresas possam, de uma forma geral, digitalizar os seus processos, o que lhes traz um acesso mais facilitado à informação e reduz as tarefas de pouco valor acrescentado”.
A avaliação de desempenho é uma das áreas que pode beneficiar do uso da tecnologia: “A definição de critérios de avaliação, o envolvimento dos participantes e a extração dos resultados tornam-se mais ágeis e objetivos quando se aliam as boas-práticas às soluções de software”, complementa Donato Mingarelli, da Cezanne HR.
A adoção de software de RH permite, também, centralizar o recrutamento e seleção e filtrar as candidaturas recebidas de acordo com os perfis procurados, poupando dezenas de horas aos profissionais, que deixam de necessitar de analisar cada Curriculum Vitae (CV) individualmente e podem, assim, centrar-se nas entrevistas, acabando por tornar todo o processo mais célere.
Miguel Vergamota, da Talentia Software, dá o exemplo do recurso à Inteligência Artificial para tornar os processos de recrutamento e seleção mais rápidos e eficientes. “É possível os candidatos enviarem os seus CV em formato PDF e, através da Inteligência Artificial, estes serem lidos de forma automática, sendo calculada depois a adequação daquela pessoa à vaga, se esta estiver bem caracterizada”.
O recurso a chatbots e a assistentes pessoais virtuais já é bastante popular entre os consumidores, que estão habituados a ter sempre à mão o apoio destes assistentes, uma vez que estão disponíveis 24 horas por dia para responder a todas as suas questões. Considerando que uma grande fatia do tempo dos gestores de RH é passada em tarefas administrativas, como, por exemplo, redigir declarações de vínculo laboral para os colaboradores, a possibilidade de este tipo de procedimento ser realizado por um assistente virtual vem, por um lado, libertar os profissionais de RH de tarefas que consomem tempo, mas não acrescentam valor ao negócio e à organização, mas também facilitar a vida ao colaborador, que terá respostas em menos tempo, podendo assim resolver mais facilmente as suas questões individuais.
“A automatização de processos na gestão dos recursos humanos com a incorporação de, por exemplo, tecnologias como RPA (robotic processo automation), permite tornar mais eficientes tarefas como a autorização e controlo de férias e licenças dos colaboradores, controlo de horas de trabalho, aprovação do pagamento de despesas, cálculo de remuneração variável, entre outras”, exemplifica Enrique Sala, da Cegid.
Mudança de mentalidade é o primeiro passo para a transição digital
Os benefícios da digitalização dos RH são inequívocos, no entanto, o primeiro passo para que esta se torne na norma dentro das organizações passa, em primeiro lugar, por uma “mudança da mentalidade dos colaboradores”, avança Gerard Alfred (Microsoft Portugal).

Para poderem avançar na digitalização, João Pereira (AMT Consulting) considera fundamental que as empresas tracem “um plano estratégico de RH que inclua as iniciativas de digitalização”.
Este plano deve incluir a digitalização e automação dos processos manuais, tais como a gestão de contratação, processamento e pagamento de salários, histórico de carreira dos colaboradores e benefícios. No campo do recrutamento, a aposta em ferramentas colaborativas para a realização de entrevistas é fundamental, ao poupar tempo aos recrutadores, mas também aos candidatos.
“Para que a transformação digital seja bem-sucedida é necessário que os colaboradores estejam abertos a novas formas de trabalho e de utilização de tecnologias”, Gerard Alfred, Microsoft Portugal
É também prioritário trazer a análise de dados para dentro dos departamentos de RH. “A análise de dados ajuda os gestores de RH a identificar tendências e padrões nos dados do colaborador e, consequentemente, a tomar decisões mais informadas em relação à gestão do desempenho, recrutamento e seleção, desenvolvimento de competências, entre outros”, reforça Rui Paupério, da Inovflow.
No seu caminho rumo à digitalização, é premente que as empresas não descurem a segurança dos dados. A formação das equipas em relação às ferramentas tecnológicas é crucial, mas ainda mais importante é consciencializá-las para uma utilização segura. “É de extrema importância que os profissionais de RH aumentem e consolidem as suas competências em cibersegurança para reconhecer os riscos da segurança da informação e adotarem medidas adequadas a proteger os dados sensíveis dos funcionários das organizações”, afiança Donato Mingarelli.
Artigo publicado na edição 145 da RHmagazine, referente aos meses de março e abril de 2023