Autora: Ana Duarte, Fiscalista | People & Organisation Director na PwC
No contexto laboral atual, em que as gerações mais jovens já há muito que deixaram de procurar um “emprego para a vida” e, genericamente, estão permanentemente disponíveis para abraçar novos desafios, a atração e retenção de talento assume um papel preponderante na estratégia de desenvolvimento das organizações.
Assim, ao longo dos últimos anos as organizações têm vindo a incorporar na sua estrutura remuneratória pacotes de benefícios flexíveis. Estes pacotes caracterizam-se por possibilitarem aos seus colaboradores selecionar, de um leque de benefícios disponibilizados pela organização, aqueles que vão mais ao encontro das suas necessidades e à fase da vida em que se encontram.
No mercado português, os pacotes de benefícios flexíveis tiveram a sua origem nos anos de crise, em que Portugal esteve intervencionado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), levando as organizações a refletir criticamente sobre os gastos incorridos com a atribuição de benefícios não monetários aos seus colaboradores versus a satisfação dos mesmos com tais benefícios. Dessa reflexão, genericamente, resultou que apesar dos gastos incorridos pelas organizações com os benefícios não monetários, dependendo da fase do ciclo de vida em que cada colaborador se encontrava, os benefícios poderiam não ser valorizados por estes.
Neste sentido, as organizações começaram por incorporar na estrutura remuneratória pacotes de benefícios flexíveis que permitissem reforçar ou oferecer benefícios de cariz social, como seja os seguros de vida, seguros de saúde com diferentes níveis de cobertura, complementos de reforma, vales infância e educação, etc.), expandindo-se posteriormente a outros benefícios de cariz não social.
Hoje em dia, os pacotes de benefícios flexíveis transformaram-se num grande diferencial para as organizações, fortalecendo a sua proposta de valor no mercado e entre os seus colaboradores.
Contudo, apesar da evolução a que temos assistido no mercado português na sedimentação dos pacotes de benefícios flexíveis, na estrutura remuneratória das organizações e na disponibilização de plataformas de gestão dos mesmos, esta evolução não foi acompanhada e não teve qualquer reflexo ao nível da legislação fiscal, nem de Segurança Social.
Portugal, contrariamente a outros países, como é o caso de Espanha e do Reino Unido, nunca introduziu legislação específica relativamente ao tratamento fiscal, de segurança social e laboral dos pacotes de benefícios flexíveis. Em Espanha e no Reino Unido, a legislação prevê expressamente que a entidade patronal e o colaborador podem acordar numa redução da sua compensação monetária (mensal fixa ou bónus anuais) em troca de benefícios não monetários. O nível de redução e os benefícios que podem enquadrar o pacote de benefícios não monetários também se encontram devidamente regulamentados, bem como os impactos fiscais e de segurança social inerentes.
Portugal nunca introduziu legislação específica relativamente ao tratamento fiscal, de segurança social e laboral dos pacotes de benefícios flexíveis
Em Portugal, a implementação de um pacote de benefícios flexível continua a apresentar diversos desafios e riscos, decorrentes da falta de enquadramento fiscal e de segurança social do tratamento desses pacotes.
No termos da legislação fiscal e de segurança social portuguesa, para que os pacotes de benefícios flexíveis sejam fiscalmente eficientes, deverão ser cumpridas todas as condições estabelecidas, para cada um dos benefícios incluídos no pacote de benefícios, previstas no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e parafiscais (Segurança Social). A conjugação das condições fiscais inerentes a cada um dos diversos benefícios, a incorporar no pacote de benefícios, com a flexibilidade que se lhe pretende atribuir, nem sempre são exequíveis sem incorrer em riscos fiscais e ou parafiscais.
Acresce que nem sempre as condições previstas na legislação são de fácil interpretação e não têm sido emitidas orientações por parte das autoridades competentes relativamente à aplicabilidade das referidas condições à flexibilidade na atribuição dos benefícios.
Neste contexto, a componente fiscal no desenho e implementação de um pacote de benefícios flexíveis assume especial preponderância, por forma a evitar contingências futuras para as organizações e/ou para os seus colaboradores. Este aspeto assume especial relevância com a entrada em vigor da Lei n.º 26/2020 de 21 de julho, no âmbito da qual os intermediários (qualquer pessoa que aconselhe ou assista na implementação de projetos) se encontram obrigados a reportar à Autoridade Tributária mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal, nomeadamente, mecanismos que tenham por efeito converter rendimento em outras categorias de rendimentos tributados mais favoravelmente, isentos de tributação ou não sujeitos a tributação.
A componente fiscal no desenho e implementação de um pacote de benefícios flexíveis é preponderante para evitar contingências futuras para as organizações e/ou seus colaboradores
Neste sentido, é de extrema relevância que seja efetuado um estudo de viabilidade fiscal, nomeadamente, no que respeita às fontes de financiamento do pacote de benefícios flexíveis, antes da sua implementação ou da introdução de novos benefícios no pacote, por forma a aferir a possibilidade de aplicação de um tratamento fiscal e parafiscal favorável, em função do cumprimento de diversos requisitos legais.
No que se refere à inclusão de benefícios sociais no pacote de benefícios flexíveis, como seja os seguros de vida, seguros de saúde e complementos de reforma, sempre que estejam verificadas as condições previstas no artigo 43.o do Código do IRC, uma vez que se tratam de realizações de utilidade social, verifica-se a exclusão de tributação em sede de IRS e a aceitação do gasto incorrido pela organização como dedutível em sede de IRC. Nos termos do artigo 43.o do Código do IRC, entre outros aspetos, os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos colaboradores permanentes da empresa e de acordo com critério objetivo e idêntico para todos os colaboradores, ainda que não pertencentes à mesma classe profissional (salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho).
Os benefícios sociais devem ser estabelecidos para a generalidade dos colaboradores da empresa, de acordo com critério objetivo e idêntico para todos [nos termos do artigo 43.º do código do IRC]
As grandes questões fiscais começam a colocar-se quando as organizações, como forma de acompanhar as necessidades das novas gerações e as novas formas de trabalho, procuram alargar os seus pacotes de benefícios a outras tipologias de benefícios, como seja, por exemplo, serviços de internet, telecomunicações, telemóveis, tablets ou portáteis, ginásios, os quais, pela sua natureza, não incorporam o conceito de realizações de utilidade social.
Assim, num mundo cada vez mais marcado pela tecnologia, flexibilidade, trabalho remoto e bem-estar dos colaboradores, poderia o Governo ponderar o alargamento do regime fiscal das realizações de utilidade social a outros benefícios, dentro de limites legais, permitindo às organizações uma maior flexibilidade na gestão dos pacotes remuneratórios, com enquadramento fiscal específico.
Artigo publicado na edição n.º 137 da RHmagazine, referente aos meses de novembro/dezembro de 2021.
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