A RHmagazine esteve à conversa com José Soares, autor, professor catedrático na Universidade do Porto e especialista em performance, para nos falar um pouco mais sobre o seu livro “Start & Stop – saber parar para manter o equilíbrio e a produtividade, saúde e bem-estar“.
Por que escreveu este livro nesta altura? É ainda mais necessário do que antes saber parar?
Escrevi este livro, porque comecei a aperceber-me que o ambiente corporativo no qual as pessoas trabalhavam estava a ficar cada vez mais exigente e disfuncional e, portanto, senti a necessidade de escrever e publicar algo que, por um lado, permitisse às pessoas refletirem sobre o modo como estavam a trabalhar e a viver e, por outro, sugerisse algumas ferramentas simples de alterá-lo. Como comecei a escrever o livro antes da pandemia, percebi, passados três ou quatro meses do início da situação que atravessamos, que este fazia cada vez mais sentido, uma vez que ganhou mais tração a ideia de que a forma como estávamos e ainda estamos a trabalhar é disfuncional. Precisamos, cada vez mais, e nunca como agora, de “start”, de responder aos desafios, mas também de “stop”, não só entre os dias, mas também durante o próprio dia de trabalho.
Estamos a regressar aos poucos aos escritórios após muitos meses em casa. O que recomenda para enfrentar esta transição?
Eu espero que esta transição não se faça de uma maneira demasiado mecanicista, ou seja, que as empresas não se centrem apenas na questão de a ida ao escritório ser feita num dia, dois, três, ou em dias da semana alternados. Penso que há um grande tema a discutir que passa por saber se a transição para o escritório vai dar-se em relação à função ou em relação à pessoa. Aquilo que eu recomendaria às organizações é que vale muito a pena refletir sobre a panóplia de situações que se tem vindo a observar: há quem não queira pura e simplesmente regressar ao escritório; há quem prefira regressar uma ou duas vezes por semana; e há quem prefira trabalhar a tempo integral no escritório. Do lado dos colaboradores, o que sugiro é que tentem encontrar a melhor forma de adaptação para si próprios e que a proponham à organização, porque já se percebeu que a realidade não vai ser como era antes. Como costumo dizer, abriu-se a “caixa de Pandora” e ficou a descoberto que há muitas pessoas com um perfil muito mais solitário, ou que preferem poupar o tempo dos transportes e utilizá-lo na sua produtividade e, até, no equilíbrio da sua vida pessoal.
No seu livro defende que é necessário desligar. Ora, com o teletrabalho, a distinção entre vida pessoal e profissional é cada vez mais ténue. Por que é tão necessário desligar?
Nunca foi tão importante desligar como agora, porque o teletrabalho veio agravar este ambiente corporativo disfuncional. Se já havia necessidade de separar bem a vida profissional da vida pessoal, o facto de estarmos a trabalhar a partir de casa – e vale relembrar que muitas pessoas têm muito poucas condições para fazê-lo -, agravou a situação. As pessoas têm de ser treinadas para conseguirem parar durante o dia e desligarem-se completamente do trabalho. Uma das coisas em que mais insisto é que, por exemplo, as reuniões não se deem de forma ininterrupta, da mesma forma que nunca se deram no local físico. Isto passou a acontecer, porque é muito mais simples clicar num link. Pelo menos o tempo que as pessoas demoravam a ir para a sala de reuniões e a voltar, e o tempo até ao começo da reunião, era um momento de paragem e agora deixamos pura e simplesmente de parar.
Sem conseguir desligar, muitas pessoas estão à beira do burnout apesar de a pandemia aparentemente trazer um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Como explica isto e como evitá-lo?
O que acontece é que, na realidade, embora as pessoas estejam em casa, isso não facilitou a distinção entre a vida pessoal e profissional; pelo contrário, agravou a falta de separação entre as duas esferas, porque o escritório passou a ser igualmente o lugar de viver. Há pouco tempo, no final de uma apresentação minha, alguém referiu que, antes da pandemia, chegava a casa, olhava para o sofá e o sofá era o local de descanso e, hoje em dia, o sofá está dentro do seu campo visual, enquanto está a trabalhar. Ou seja, esta distinção nunca foi tão ténue como agora. Como evitar? Eu não sei como evitar, a não ser haver uma rigidez completa entre aquelas que são as horas de trabalho e as horas de lazer e haver regras intrínsecas da própria organização que determinem que não se pode incomodar os colaboradores nas suas horas de descanso com e-mails, SMS, etc. Hoje em dia, enviam-se e-mails e SMS a horas tardias, não se respeitam as horas das refeições, os colaboradores não têm sequer tempo para conviverem com os filhos. Portanto, acho que a única solução passa por trazer para o teletrabalho as regras do trabalho no escritório, ou seja, uma separação completa e exclusiva entre vida profissional e vida pessoal.
Como é que se pode ser altamente produtivo e, ao mesmo tempo, ter uma vida equilibrada e saudável?
Em primeiro lugar, é mesmo o tal equilíbrio entre o “fazer” e o “não fazer”, entre o “trabalhar” e o “parar”, mas, independentemente disso, no meu outro livro “Reload”. Menos stress. Melhor performance”, fundamentei-me muito naquilo a que chamei os 4R’s: Recovery; Refuel; Rethink; Reenergize.
Recovery diz respeito a saber recuperar durante e entre os dias de trabalho.
Refuel está na linha de uma alimentação equilibrada e que seja, fundamentalmente, direcionada para a função cognitiva. Para quem tem essa exigência, hoje sabemos que há alimentos que são altamente energizantes do ponto de vista daquilo que é a nossa função cognitiva.
Rethink passa por repensar a forma como estamos a trabalhar e perceber que as pessoas têm perfis diferentes, porque biologicamente são também diferentes – muitas vezes, as pessoas não são infelizes, negativas, ou não gostam de trabalhar em equipa porque querem, mas porque essas características têm uma base biologicamente determinada. Repensar o ambiente de trabalho e reconhecer a heterogeneidade, tem, para mim, um papel decisivo na compreensão e aceitação de nós próprios, com as nossas diferenças.
O quarto ‘R’ é Reenergize – cada um encontra a sua forma de reenergizar-se, contudo, uma das melhores formas e que está bem demonstrada é a prática de exercício físico, que hoje se conhece como o meio não farmacológico com maior impacto na nossa função cognitiva e na gestão de stress, em parceria com o relaxamento.
O que podem fazer os empregadores para apoiar o bem-estar dos colaboradores?
Muitas vezes as pessoas confundem o bem-estar com, por exemplo, recompensa económica, apoios para ir ao ginásio, ou existência de locais de descanso no escritório, porém o bem-estar, na minha perspetiva, é muito mais do que isso. Há dois aspetos que considero decisivos: por um lado, a confiança, por outro, a inclusão. Relativamente ao primeiro, o facto de os colaboradores estarem numa situação de desconfiança relativamente à organização é, talvez, aquilo que causa maior impacto no seu equilíbrio – o colaborador confiar na sua organização é, para mim, um dos aspetos mais importantes. O segundo aspeto prende-se com as organizações respeitarem as diferenças dos seus colaboradores, que não passam apenas pelas diferenças de género, cor de pele ou religião, mas também pela heterogeneidade da própria personalidade de cada um. Com a pandemia, de um momento para o outro, percebemos que muitas pessoas que frequentavam ou que pertenciam à organização de atividades de team building, por exemplo, não se sentiam bem. É aquilo a que se chama “neuro divergência” e que faz as pessoas serem muito diferentes. E, para pessoas diferentes, tem de haver modelos diferentes e não um modelo de uniformização, como acontecia até há muito pouco tempo.