Entrevista a Margarida Manaia, DRH do Pingo Doce, por Flávia Brito
Com cerca de 30 mil colaboradores, distribuídos por todo o país, o Pingo Doce assumiu como prioridade, durante a pandemia, “a segurança e proteção das suas pessoas”, nunca descurando a missão de garantir o abastecimento de bens alimentares a milhares de famílias portuguesas. É o que nos conta Margarida Manaia, diretora de recursos humanos da empresa, que mesmo antes do Estado de Emergência ser decretado, decidiu tomar uma decisão inédita: “colocar metade das equipas de lojas e armazéns resguardadas em casa, mais de 14 mil colaboradores, durante 15 dias, mantendo todo o seu pacote de remuneração.”
Como não poderia deixar de ser, no período que (ainda) atravessamos, a responsável fala-nos do combate à pandemia neste que é, de acordo com os últimos dados da Delloite, o maior empregador nacional privado em Portugal.
Mas o forte sentido de preocupação com os colaboradores nesta organização já vem de trás. Nesta entrevista, Margarida Manaia começa por partilhar a ampla política de Responsabilidade Social Interna do Grupo Jerónimo Martins, pela qual o Pingo Doce é abrangido, e que incluiu, entre muitas outras medidas, um Fundo de Emergência Social, que desde 2010 já apoiou mais de 4 mil colaboradores em situação de carência e necessidade urgentes. A diretora de recursos humanos elucida-nos ainda sobre a forma como o grupo procurado cria oportunidades “para pessoas em situação de desvantagem no acesso ao mercado de trabalho.”
O Pingo Doce tem uma forte política de responsabilidade social interna. Tem nomeadamente um Fundo de Emergência Social, criado numa crise anterior. Como funciona?
Com o agudizar da crise económica e financeira em Portugal, em 2010, as nossas operações começaram a sinalizar dezenas de situações que necessitavam de apoio. Foi identificado um grupo de cerca de 500 pessoas em situação de necessidade, pelo que através de uma Carta Aberta incentivámos todos os colaboradores em situação de carência e necessidade urgentes a contactarem o Serviço de Atendimento ao Colaborador, que temos no Pingo Doce, para formalizarem o seu pedido de apoio. Num só mês foram registados 1500 pedidos de apoio, o que levou o grupo a criar um Fundo de Emergência Social.
Para respondermos às inúmeras solicitações que fomos recebendo nesses tempos de crise, constituiu-se um grupo de parceiros, que incluiu médicos, para as questões relacionadas com a saúde; advogados, para tratar das solicitações relativas a aspetos legais; e uma empresa de consultoria na área financeira, para apoiar os colaboradores que precisavam de renegociar créditos ou tratar de outras questões nesta área. Procedeu-se igualmente à atribuição de cartões de alimentação para as situações identificadas de carências alimentares.
Mais tarde, entendeu-se que o Fundo de Emergência Social devia passar a constituir uma resposta permanente do Grupo Jerónimo Martins, disponível para as nossas pessoas que se encontrassem em situações pontuais de emergência.
Atualmente, o trabalho e acompanhamento desenvolvido junto dos colaboradores e das suas famílias é coordenado por uma equipa de assistentes sociais que garantem uma resposta próxima, eficaz e profissional.
Qual é o valor deste fundo?
Só em 2019, o Grupo Jerónimo Martins investiu mais de 900 mil euros no Fundo de Emergência Social (FES).
Quantos colaboradores já acederam a este fundo?
No último ano, o Grupo Jerónimo Martins apoiou mais de 950 colaboradores através do FES. Desde o seu lançamento, em 2010, já foram apoiadas mais de 4 mil pessoas.
Existem outras ferramentas disponíveis no vosso plano de emergência social?
O FES existe para apoiar as nossas pessoas em situações pontuais de necessidade. Insere-se numa ampla política de Responsabilidade Social Interna (RSI) do Grupo Jerónimo Martins, pela qual o Pingo Doce é abrangido. A RSI do grupo tem três eixos estratégicos: saúde, educação e bem-estar familiar. Ao longo de todo o ano existem diversos programas, disponíveis para as nossas pessoas e suas famílias, nestas três áreas.
No eixo da saúde, temos programas como o SOS Dentista, que apoia os colaboradores com necessidades de saúde oral; o programa Mais Vida, desenvolvido em parceria com a Fundação Champalimaud e a Cruz Vermelha Portuguesa, que apoia os colaboradores e familiares diretos com doenças oncológicas; o Programa Psicologia Infantil e Juvenil, através do qual disponibilizamos consultas de psicologia para os filhos dos colaboradores até aos 18 anos. Dispomos ainda de um protocolo com o Grupo Lusíadas Saúde, que permite aos nossos colaboradores – incluindo reformados – e familiares diretos – cônjuges, filhos e pais – o acesso a descontos em consultas de especialidade e a exames auxiliares de diagnóstico.
No eixo da educação, temos o programa Bolsas de Estudo, que se destina a colaboradores e filhos que pretendam ingressar ou reingressar no ensino superior; o Regresso às Aulas, que reúne um conjunto de medidas de apoio às famílias dos nossos colaboradores, como o kit escolar e a atribuição gratuita de manuais às famílias numerosas com baixos rendimentos; os Campos de Férias para crianças dos 6 aos 17 anos; e o programa “Aprender e Evoluir”, que permite aos nossos colaboradores a conclusão dos 9.º ou 12.º anos de escolaridade, em tempo de trabalho.
Por último, no eixo do bem-estar familiar, criámos programas que promovem o bem-estar pessoal e familiar dos nossos colaboradores. Promovemos iniciativas que celebram momentos importantes das vidas dos colaboradores e das suas famílias, nomeadamente, Natal ou o Dia Mundial da Criança. Adicionalmente, querendo estar presentes nos primeiros meses de vida dos filhos dos nossos colaboradores, oferecemos Kits Bebé, com produtos essenciais para os recém-nascidos.
A empresa tem também fortes políticas de integração de minorias. Em que consistem?
O Grupo Jerónimo Martins e a companhia Pingo Doce, em particular, no seguimento dos princípios estabelecidos no nosso Código de Conduta e das nossas políticas internas, têm levado a cabo ações e iniciativas internas com o objetivo de promover a igualdade e combater a discriminação, procurando contribuir de forma positiva para as comunidades locais onde estes se inserem. Neste sentido, destaco o Programa Incluir, uma iniciativa que tem como objetivo a criação de oportunidades de formação e trabalho para pessoas em situação de desvantagem no acesso ao mercado de trabalho. Este programa tem três pilares de atuação fundamentais: pessoas com deficiência, pessoas refugiadas e migrantes, e pessoas em situação de risco social.
Trata-se de um programa de empregabilidade e desenvolvimento de competências que até hoje permitiu que muitas pessoas encontrem uma oportunidade no mercado de trabalho e que promove a eliminação da desigualdade de oportunidades, a exclusão social e a pobreza. Acolhemos pessoas nestas situações, damos-lhes formação, integramo-las, e muitas têm, no Pingo Doce, a sua primeira experiência de trabalho.
Quantos colaboradores já integraram no contexto destas políticas?
Desde 2015, ano de lançamento da área de Inclusão Social, até ao momento, acolhemos cerca de 400 pessoas no Pingo Doce, em mais de 150 locais, entre lojas, armazéns e cozinhas. Tem sido uma experiência riquíssima para todos: para quem está no programa, mas também para as equipas que as acolhem e integram!
Com 30 mil colaboradores, como é que o Pingo Doce se preparou para enfrentar a crise da pandemia da Covid-19?
Desde o primeiro momento que o Pingo Doce teve como prioridade a segurança e proteção das suas pessoas, nunca descurando a nossa missão de garantir o abastecimento de bens alimentares a milhares de famílias portuguesas.
Foi por isso que, no dia 16 de março, mesmo antes do Estado de Emergência ser decretado, decidimos colocar metade das equipas de lojas e armazéns resguardadas em casa, mais de 14 mil colaboradores, durante 15 dias, mantendo todo o seu pacote de remuneração. Foi uma decisão inédita tomada num contexto de absoluta incerteza e que teve como prioridade máxima a proteção das nossas pessoas. Esta decisão implicou a redução dos horários de abertura das lojas ao público. Quanto aos colaboradores dos escritórios, quase mil pessoas passaram a trabalhar a partir de casa, em teletrabalho, fazendo uso de ferramentas colaborativas para desempenharem as suas funções.
Mais tarde, foi necessário alargar os horários de abertura das lojas, para responder aos pedidos dos clientes, uma vez que foi, entretanto, introduzida pelo Estado a limitação de clientes por m2, e voltámos a ter dois terços das equipas a trabalhar. Um terço manteve-se em casa, de resguardo semanal, rotativo. Durante os tempos de resguardo mantivemos de novo o pagamento integral da remuneração a todos.
Paralelamente, assegurámos um canal de comunicação aberto para que cada pessoa fosse esclarecida e se pudesse informar, por email e telefone; garantimos os equipamentos de proteção e procedimentos de segurança nos diferentes locais de trabalho; assegurámos o acompanhamento e aconselhamento médico de todos os que precisaram e garantimos ainda uma maior proximidade e relação com as equipas através de novos canais e meios de comunicação.
Desde o início, criámos uma equipa de coordenação de recursos humanos, multidisciplinar, totalmente dedicada a gerir e acompanhar a situação. Foram desenhados novos procedimentos e regras que asseguram a segurança e tranquilidade de colaboradores e clientes. Uma preocupação fundamental desde logo foi garantir a comunicação e esclarecimentos às equipas, sempre que existissem casos infetados no local de trabalho. Essa comunicação foi sempre feita por chefias ou elementos dos recursos humanos, que, quando necessário, se fizeram acompanhar por um médico. Para assegurar todo o alinhamento das equipas, formámos e informámos as chefias sobre todos os procedimentos e sobre a comunicação e transparência com as equipas.
A equipa médica, integrada nesta equipa de coordenação de recursos humanos, que desde o início acompanha todos os casos, é um fator diferenciador desta gestão. Trata-se de especialistas de saúde que investigam, esclarecem e acompanham cada um que os procura, quer os infetados, quer os que se encontram em quarentena. Todo este trabalho é feito em total alinhamento com os delegados de saúde locais, sempre a par dos nossos procedimentos e decisões.
Ainda no âmbito da saúde e sempre de acordo com a indicação da nossa equipa de médicos e enfermeiros, realizámos até esta data mais de 5 mil testes de despiste de Covid-19. É um imenso esforço financeiro da companhia, que fazemos por decisão nossa sempre que entendemos ser útil, para assegurar o rompimento das cadeias de contágio e, antes de mais, para tranquilizar e promover a proteção das nossas equipas.
Como agiram perante os grupos de risco?
Ainda antes de ter sido decretado o Estado de Emergência a nossa equipa médica identificou, entre as nossas pessoas, aquelas que pertenciam a grupos de risco – colaboradores com determinadas patologias que os tornam muito vulneráveis, caso fiquem infetados com Covid-19. Essas pessoas foram dispensadas de prestar trabalho, mantendo-se a sua remuneração integral, e enviadas para casa. Atualmente estão nesta situação cerca de 500 pessoas.
A pandemia veio realçar a importância de trabalhadores, como estafetas, profissionais de limpezas e operadores de supermercados, armazéns e fábricas… muitas vezes tidas como menos qualificadas, mas que se mantiveram na linha da frente e garantiram as cadeias de abastecimento para que nada faltasse em todo o país. Sente que a pandemia veio valorizar a importância destas profissões?
É uma realidade relativamente a todas as profissões que referiu e, em particular, para os operadores de supermercados. Ficou claro que o país precisa do retalho alimentar para viver, ficou claro que a nossa missão, a missão do Pingo Doce, é uma das mais importantes para Portugal, é essencial para a vida dos portugueses.
A consciência desta importância e o reconhecimento das nossas pessoas é um orgulho para todos nós e internamente motiva-nos e reforça o nosso propósito: servir os nossos clientes e fazê-los sentir “em casa” nas nossas lojas. As nossas pessoas têm mostrado que estão à altura deste desafio!
Como diretora de recursos humanos de uma empresa com milhares de colaboradores, como foi gerir o período mais crítico da pandemia?
Para a maioria de nós, este momento é um dos nossos maiores desafios profissionais e pessoais. Terá efeitos profundos na economia, na forma como trabalhamos e vivemos nas nossas casas. É um tempo de preocupação pela segurança de todas as pessoas e das suas famílias, mas acima de tudo tem sido um tempo de uma gratidão e comoção profundas, por ver como os momentos difíceis nos unem ainda mais e nos tornam uma equipa ainda mais forte.
Quais os principais ensinamentos que retirou enquanto profissional de RH neste período de crise?
Tornou-se evidente que o nosso negócio é de pessoas e que os recursos humanos são parte fundamental do negócio. Desde o início da gestão da pandemia que todas as áreas de recursos humanos foram solicitadas – uns no terreno e outros em backup – para tomar decisões, encontrar soluções, antecipar cenários. Reinventámo-nos e adaptámo-nos, para, antes de mais, proteger, tranquilizar, informar as nossas pessoas e encontrar as melhores soluções em conjunto com outras áreas do negócio.
Confirmei ainda que trabalhar com uma equipa de recursos humanos motivada, focada e com forte sentido de serviço, é sempre fundamental, mas determinante em momentos de crise. Cada pessoa da equipa de recursos humanos do Pingo Doce tem de estar muito orgulhosa do trabalho feito até agora. Estes tempos serão sempre por mim recordados com uma enorme gratidão perante esta grande equipa de recursos humanos!
A rapidez de decisão e a capacidade de mudar, ajustar regras e procedimentos e ser flexível, passaram a ser uma constante para todas as pessoas. Percebemos que a agilidade, criatividade e a capacidade de adaptação se tornaram ainda mais fatores determinantes para vivermos nestes tempos de incerteza.
É de referir também a importância das lideranças neste contexto. Tem sido impressionante ver como as diferentes chefias gerem e comunicam com as suas equipas, as motivam e mantêm focadas, preocupando-se simultaneamente com a sua segurança e bem-estar. Esta é a fórmula de sucesso da nossa companhia – determinação e relação – que se revela ainda mais nestes tempos que vivemos.
Por último, o papel da comunicação tem-se mostrado crítico desde o início, para tranquilizar, informar e criar envolvimento de todos. A criatividade e o recurso aos meios digitais veio abrir caminhos a novas formas “de estarmos juntos”. Veio aumentar os momentos de “encontro” e reforçar a proximidade entre todos. Exemplo disso são as conversas mensais com cerca de 500 chefias de loja que a diretora geral do Pingo Doce passou a realizar e que encurtam a distância entre todos.
Está há mais de quatro anos à frente da área de recursos do Pingo Doce. Quais foram os principais desafios que viveu na organização?
Cheguei ao Pingo Doce em 2016, sem grande experiência do retalho alimentar nem conhecimento do Pingo Doce. Acredito que os recursos humanos têm de servir as pessoas e responder ao negócio, por isso, o meu primeiro desafio foi por isso aprender sobre este negócio e a companhia. Percebi que o retalho alimentar, sob uma aparente simplicidade, tem uma imensa complexidade e vive do detalhe. Valorizo muito as pessoas que trabalham no Pingo Doce há muitos anos, que aqui cresceram e que têm uma imensa disponibilidade para ensinar todos os novos que aqui chegam, como eu. É um mundo de conhecimento que ainda não se esgotou de todo para mim!
Também conhecer o Pingo Doce foi uma boa surpresa, especialmente conhecer “aquilo de que o Pingo Doce é feito”: de pessoas das lojas, armazéns, cozinhas, fábrica de massas frescas e escritórios, com uma imensa energia, determinação, vontade de crescer, que não desistem de lutar e que gostam de desafios.
Da proximidade ao negócio e às pessoas, e atendendo ao contexto dos anos passados, foram definidas prioridades. Num contexto de baixo desemprego, como o que vivíamos, reforçámos a atração e recrutamento, a formação operacional das equipas, consolidámos o nosso posicionamento em termos de competitividade do pacote de remuneração, identificámos e reforçámos as funções críticas e investimos na comunicação e envolvimento de todos.
Um desafio também importante tem sido o facto de todos os projetos que temos desenvolvido em recursos humanos, serem executados com as equipas “do terreno”. É um trabalho conjunto que se traduz em muitos frutos que fazem sentido para todos. Trabalhar com equipas mistas tem sido crítico para o sucesso de tudo o que temos feito.
Por último, refiro o maior desafio de trabalhar em recursos humanos numa grande empresa. Somos 30 mil pessoas dispersas por todo o país. A nossa ambição nos RH é a de que cada um encontre no Pingo Doce um lugar onde goste de estar, onde se sinta integrado, valorizado, aprenda e se desenvolva. Esta ambição só se concretiza contando com todas as chefias, fazendo com que cada uma tenha esta mesma ambição para as suas equipas. Esta consciência já faz parte do DNA do Pingo Doce, onde a grande maioria dos líderes cresceu na companhia e não consegue contar o seu percurso de crescimento sem mencionar as pessoas determinantes nesse caminho! Trata-se, pois, do desafio de reforçar esta consciência e torná-la essencial no desempenho de cada líder.
[Imagens: Luís Silveira e Castro / Jerónimo Martins]
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