A desigualdade salarial não é um tema recente. Esta realidade tem-se mostrado consistente ao longo dos anos e a falta de investimento no talento feminino não dá sinais de mudar.
No início de fevereiro, a ACT notificou mais de mil empresas com mais de 50 colaboradores que apresentavam uma desigualdade salarial entre homens e mulheres igual ou superior a 5%. Esta sondagem tem como base a lei n.º 60/2018, conhecida pela igualdade de salários entre homens e mulheres, que está em vigor desde 2019.
Apesar de a paridade de salários estar legislada, os dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social mostram que, aos dias de hoje, a diferença salarial entre mulheres e homens em Portugal é de 13,3%. Na prática, este fosso representaria 48 dias por ano em que as mulheres deixariam de ser remuneradas pelo seu trabalho.
Há mais mulheres nas empresas, mas ainda aquém em cargos de liderança
De acordo com o estudo “Women Matter Iberia”, da consultora McKinsey, as mulheres representam metade da força de trabalho, mas estão presentes em apenas 31% dos lugares nos conselhos de administração e 6% ocupam cargos de CEO.
O mesmo estudo mostra também que, ainda que cheguem a cargos de liderança, as mulheres ficam circunscritas a cargos relacionados mais com tarefas do que com decisões ─ 41% das mulheres desempenham funções de staff e só 28% dos homens efetuam as mesmas tarefas.
Para o GRACE – Empresas Responsáveis, que falou sobre este tema em exclusivo à RHmagazine, esta desigualdade é um resultado de “enviesamentos, muitos deles inconscientes, que homens e mulheres têm em relação ao papel das mulheres na sociedade “. “Cuidadoras, mães, menos orientadas para a carreira e pouco interessadas em cargos de liderança, são os estereótipos que populam, mesmo entre gestores preparados, detentores da melhor formação. Tal faz com que as mulheres não precisem de ter uma retribuição tão alta como os homens (não são eles o provedor de cuidado?), nem se motivam com prémios financeiros, nem estarão certamente interessadas em cargos de liderança, muito menos de administração e nunca de CEO”, revela Susana Almeida Lopes, Coordenadora Cluster ODS 5 do Grace, Managing Partner da SHL Portugal e Coordenadora do livro Igualdade de Género em Portugal.
Disparidade (%) entre sexos no ganho médio mensal por nível de qualificação em Portugal (2019). Fonte: EIDGE
Mulheres na liderança ligadas a melhores resultados
Apesar de chegarem em menor quantidade a cargos de topo, as mulheres em cargos de liderança mostram melhores resultados: as empresas com liderança no feminino apresentam quotas de satisfação mais elevadas por parte dos funcionários (79% consideram-se satisfeitos com as chefias), revela o estudo na McKinsey. Quando a presença de mulheres na liderança é menor, a satisfação cai para os 65%.
“Há mais mulheres do que homens em Portugal, pelo que valorizar o talento feminino numa época de escassez e fuga de talento pareceria uma estratégia lógica”, comenta Susana Almeida Lopes. “Todos os estudos evidenciam uma relação positiva entre a existência de mulheres em lugares de liderança e um melhor desempenho empresarial. Não teria lógica apostar em mais mulheres em cargos de gestão?”, questiona.
Todos os indicadores apontam para um potencial por ser explorado em relação ao talento feminino. No entanto, apesar de parecer simples dar a volta a este paradigma, muito poucos esforços parecem estar alocados a uma abordagem mais equitativa nas empresas.
“Algumas pessoas têm genuíno empenho em contribuir para a igualdade, outras consideram o tema uma oportunidade de marketing, outras não consideram o tópico uma prioridade. Encontramos todos estes perfis numa mesma empresa”, diz Susana Almeida Lopes.
Para a Coordenadora Cluster ODS 5 do Grace temos, atualmente, em Portugal “um panorama de várias velocidades”. “As empresas cotadas e públicas, sob pressão de imposições legais, estão a fazer um trajeto mais rápidos na integração de mulheres em cargos de gestão, o que, consequentemente, as coloca nos níveis salariais mais elevados da organização. Além disso, haver mulheres nestes órgãos é facilitador de práticas de igualdade e um exemplo para outras mulheres construírem as suas carreiras”.
O que está a impedir as empresas a começarem a apostar no talento feminino?
Para se traçar um caminho em direção à igualdade salarial nas empresas será necessário, primeiramente, mudar mentalidades.
“É necessário agirmos contra as nossas irracionalidades”, adverte Susana Almeida Lopes, reforçando que a mudança só será possível quando se leva a cabo um diagnóstico, se definem objetivos, implementam medidas e utilizam métricas.
Para a responsável, é esta falta de planeamento que está a conter a evolução. “Há falta de planos e de métricas para que a igualdade aconteça mais rápido”.
No caso do GRACE, este tema já está a ser endereçado através de um conjunto de parceiros que trabalham de forma colaborativa com a associação para promover uma maior consciencialização sobre a importância da igualdade de género.
Ao longo das várias iniciativas, o GRACE tem vindo a discutir “estratégias de diagnóstico e boas práticas a implementar nas organizações”. “A troca de experiências, do que é difícil, do que foi tentado e não conseguido, e do que vale a pena investir são fundamentais para avançar com mais confiança”, diz Susana Almeida Lopes, reforçando que a igualdade de género é uma “condição importante para termos colaboradores comprometidos, motivados, produtivos”.